sexta-feira, 18 de julho de 2014

Notícias da Bahia

João Ubaldo Ribeiro*
Quando eu morava em Itaparica, me dava pena ver aquela geração de jovens fortes, dispostos, boa gente, bem formados, com duas opções de futuro: ou migrar de lá, e nunca mais aparecer, ou cair na cachaça, no desemprego, na saúde precária já aos quarenta anos. Ficam uns cacos. As moças, tão bonitas, cada princesa que você vê assim aos doze, treze, quatorze anos, você chega uns cinco anos mais tarde já encontra aquela velhota de quarenta e cinco. Já sem dente, por causa da gravidez precoce, aquela tristeza que a miséria produz. Eu então chamei o pessoal e falei: ´aqui tem uma certa infra-estrutura, vamos bolar um calendário para a ilha? Por exemplo, um festival de pesca de peixe miúdo; em setembro, que é época de vento, empinar arraia, fazer um festival disso… Um festival de música qualquer, uma onda.. Inventar coisas, bolar…´. Rapaz, foi um negócio! Criaram comissão, já queriam botar jeton pra mim (algum dinheiro), eu disse, ´eu não quero jeton nenhum, eu não sou de comissão, ainda mais vindo do imposto pago pelo povo, que é miserável…´ (risos). Foi tal confusão e apresentação de planos. As pessoas entravam, cada qual com seu ´peixe´ pra vender. As pessoas falavam e não se ouviam, esperavam a própria vez – mesmo que fosse pra repetir o que foi dito na fala anterior (risos). Acabou que parte da Câmara Municipal de lá se reuniu e, se pudesse revogar um registro civil, eles revogavam o meu. Começaram a se referir a um bando de ´forasteiros´. Aí mandei todo mundo pra puta que pariu: ´vocês vão ficar na merda, mesmo, se quiserem´. Porque lá dizem que eu ´nunca fiz nada pela ilha´. Quando eu fui escrever para O Globo, pela primeira vez, já há uns vinte anos, escrevi logo mencionando Itaparica. Aí vieram me lembrar que eu estava escrevendo para um jornal carioca, que não botasse ´esse negócio de Itaparica, ninguém nunca ouviu falar, fica melhor direcionar sua crônica para o público carioca e tal…´. Deram a mim uma orientação amigável à qual eu não dei a menor importância. E Itaparica hoje, ao ser mencionada, não precisa que ninguém mais explique que é uma ilha, antigamente tinha que botar: ´Itaparica (ilha localizada na Baía de Todos-os-Santos)´. Hoje não precisa. No entanto, dizem que eu nunca fiz ´nada pela Ilha´. É igual dizer que Dorival Caymmi, porque nunca fundou um asilo com o próprio nome, nunca fez nada pela Bahia
 *Notícias da Bahia, Feira de Santana, maio de 1999
João Ubaldo, faleceu hoje, 18/07, no Rio de Janeiro

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