sábado, 19 de julho de 2014

A elite branca

João Ubaldo Ribeiro*
Como já deve ter previsto o pugilo de bravos que me lê com assiduidade, de novo as Parcas me fizeram a grande maldade de marcar para anteontem (tempo de vocês, este domingo) o jogo com a Colômbia, mais uma vez impossibilitando que eu leve o resultado em conta. Eu pelo menos podia ter conversado com a Sociedade Interamericana de Imprensa, a fim de ver se ela pressionava a Fifa para corrigir a grave injustiça e mudava a tabela, mas é tarde. E, se eu houvesse feito a besteira de escrever, como cheguei a pensar, que o jogo tinha sido moleza, como sempre acontecia com o freguês Chile? Teria quebrado a cara, como quase quebro no boteco, quando pulei na hora em que, já no fim da prorrogação, o Chile botou aquela bola na trave e dei com a testa na tabuleta que anunciava o chope em promoção. Esqueçamos, esqueçamos.
O jeito é voltar-me para os últimos acontecimentos extra-Copa. Quase todos eles se relacionam com o edificante espetáculo democrático deste ano de eleições. Lá e cá, por todo o país, como que se ouvem gritinhos pressurosos pululando nos ares — cadê o meu, cadê o meu, tenho que me fazer, tenho que me fazer! — enquanto estadistas e líderes se digladiam no embate inflamado de ideias, planos e projetos de ascensão pessoal e grupal e os partidos se empenham por caracterizar nitidamente suas posições, embora, assistindo-se a seus anúncios na televisão, seja um pouco difícil distinguir identidades e programas próprios. Todos eles pregam a justiça social, o combate à exclusão, os investimentos em saúde, educação, segurança, coisas com as quais, de tão vagas, qualquer um concorda. Nenhum deles mostra como e o que fará para avançar nesses campos. Isto fica para depois e, pelo visto, sempre ficará.
Cada vez mais abusadas certas palavras perdem sentido. Quase ninguém é capaz de fazer uma distinção teórica, ou abstrata, entre direita e esquerda políticas, e por exemplo, o ex-presidente Lula as emprega pra lá e pra cá,conforme a necessidade do momento. OU seja, direita, assim como esquerda, é o que convém. Nega que seja de esquerda e em seguida vocifera contra as manobras da direita como se fosse o porta voz da esquerda. Alías, é interessante esta conversa de direita e esquerda, considerando-se que Lula  é ex aluno da Universidade John Hopkins (isto mesmo) da venerável , prestigiosa e cara universidade americana, onde estudou no início da década de setenta, e quem sabe recebeu ( não tenho certeza disto) um diplomazinho ou certificado , que teria precedido o diploma de presidente, o qual lhe foi conferido, ocasião em que proclamou que o primeiro diploma de operário sem estudo e filho de mãe analfabeta recebia era o de presidente da República. Eu, se tivesse tido ao menos uma das duas parcas semaninhas de seminário na John Hopkins, me gabaria de vez em quando, mas esta vida é assim mesmo, tudo é muito relativo. Talvez ele queira esquecer seu período de estudo em Baltimore. Lá de fato,faz muito frio, embora eu tenha lido em algum lugar na internet, que ele, como sempre simpático,descontaido e boa praça, fez muito sucesso e deixou  amigos e admiradores. Pode ser que não queira encher a bola da AFL-CIO, poderosa organização sindical americana sob cujos auspícios estudou na John Hopkins, e, antes, em São paulo mesmo.O homem não é só doutor honoris causa não, tem outras láureas acadêmicas conquistadas nos bancos escolares de que ele, na sua proverbial modéstia, não fala. 
Outra palavra que já merece uma pesquisa semântica é "elite". Lula também faz embaixadinhas com ela a torto e a direito e é preciso estar atento. Assim mesmo é difícil entendê-la a começar pela circunstância de que desde a época em que foi chamado como promissor talento para a temporada de estudos americana patrocinada pela AFL-CIO, formada de quadros sindicais presente, respeitada e temida em todo mundo, ele é elite.Foi elite dos sindicalista, é elite no partido que está no poder, exerceu o posto mais alto da elite governante, num país onde o presidente é um monarca tratado com subserviência e vassalagem.Viaja esplendidamente para palestras e lobbing, como do bom e bebe do melhor, é amigo pessoal e companheiro de lazer de ricos e poderosos, se trata nos mais respeitados hospitais, com os mais renomados médicos, não entra em filas, não pega transporte público, não paga aluguel de casa nem prestação de automóvel, não se aporrinha com providências do cotidiano, não tem preocupações com o futuro, ganha mais que todos os professores do primeiro grau da rede pública do Maranhão  juntos, manda pra lá, desmanda pra cá, e ainda por cima é cultuado por grande parte do povo. Então ele não é elite? Do que mais se precisa para ser elite?
Uma aparente novidade não altera a situação dele, e até a faz mais difícil de compreender. Trata-se da expressão "elite branca". Se bem me lembro e até conferí nuns clipes e guardo no computador, Lula tinha até os cabelo bem crespo, antes de sua completa ascenção política. Como sua pele não é alva poderia talvez por causa do cabelo ter sido considerado pardo, ou como se dizia antigamente, mulato. Ou até negro pelos critérios americanos que agradam a tantos. Mas hoje, como o nome de Conceição, o cabelo dele mudou. Alguém que nunca o tivesse visto antes, nem em fotografia, te-lo-ia na conta de branco de nascença . Branco latino americano, hispânico para os americanos, mas, em última análise, branco. De resto, elite branca mesmo, no Brasil só as famílias mais prósperas das comunidadesde origem europeia, do Sul. Vai ver que elas acham que Die Eschculambaizon foi longe demais e vão chamar Angela Merkel para derrubar o governo e o PT.
* João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), nasceu em Itaparica e faleceu dia 18/07/2014, no Rio de Janeiro. Escritor membro da Academia Brasileira de Letras, foi agraciado em 2001 com o Prêmio Camões.
  

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