segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A nova classe alta

Nizan Guanaes*  
Depois da nova classe média, este país precisa de uma nova classe alta. O Brasil moderno exigirá uma nova elite. Que é bem diferente de uma casta: um dinheiro responsável que seja gasto assim como foi feito, com o bom-senso das madrugadas e do suor, misturando vitórias e tragédias, mas sempre com muito respeito e espírito público. Não quero desrespeitar ninguém com generalizações porque toda generalização é burra, mas, muitas vezes, o pai funda e o filho afunda. Da mesma forma que é preciso educar a população em geral, é preciso também educar os filhos da elite. E, em muitos sentidos, a educação pública tem tido proporcionalmente mais avanços do que a privada. O Brasil que mais cedo do que tarde terá assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e será ouvido em todos os fóruns importantes do mundo precisa preparar os jovens brasileiros para serem futuros líderes globais. Mas, além de falar o bom inglês, eles precisarão também falar fluentemente o português. Não acredito numa sociedade dividida por preconceitos e ódios. Essa sanha contra os ricos que está acontecendo na França não vai levar a França a lugar nenhum. Mas o novo Brasil construído por um intelectual professor, um líder sindical e uma economista vítima da ditadura exige uma elite à altura desse momento maior do Brasil. Um momento maior, mas não um momento fácil, porque o mundo será cada vez mais competitivo. Essa elite (à qual pertenço) às vezes parece mais mobilizada para educar os pobres do que os próprios filhos -casa de ferreiro, espeto de pau. Mas não educar bem uma criança, deixá-la crescer no shopping center, consumindo loucamente sem ter desafios e sonhos que transcendam um abdome de tanquinho e o próximo modelo de iPhone, é falta de amor com ela e falta de responsabilidade com o país. Levei recentemente um de meus filhos para testes de admissão em duas escolas americanas de elite. Lá encontrei muitos pais chineses, indianos. E nada de brasileiros. O português tão ouvido nas lojas de Nova York e Miami é bem menos ouvido na Harvard que eu e o meu Antônio visitamos. Se você é brasileiro e quer ter um caso secreto em Nova York, leve sua namorada para uma biblioteca. Visitei Bill Gates em sua casa e me emocionei andando pela biblioteca dele. Estão lá os mais importantes livros da civilização humana nas suas primeiras edições. E é óbvio que o dono daquela biblioteca vai dividi-la com o mundo quando não estiver mais nele. Ser rico é um privilégio, um direito e também uma responsabilidade. Nasci no Pelourinho, no largo do Carmo, número 4. Descia a ladeira do Carmo e subia o Pelô todos os dias para ir ao colégio Maristas. Eu ia de ônibus, e a escola era mais cara do que meus pais podiam pagar. Não era escola... Era um investimento. Meu pai, que era médico, foi para a Inglaterra com bolsa de estudos do governo e me levou para aprender inglês, conhecer o mundo e não ter medo dele. Meu avô Demócrito Mansur de Carvalho, líder sindical comunista, ensinou-me a amar Castro Alves. Minha mãe, a amar Pablo Neruda e Machado de Assis. Meu pai me ligou para me comunicar a morte de Vinicius com a voz embargada de quem perdeu um amigo. E eles eram todos amigos nossos, porque minha família era amiga dos livros. Eu devo aos meus pais e ao esforço deles de sacrificar uma parcela significativa do que ganhavam para me dar ao luxo de estudar o fato de eu estar preparado para uma vida e um mundo maiores do que o mundo no qual eu nasci. E graças a eles eu cheguei até onde cheguei: colunista desta Folha. A classe média, a tradicional e a nova, têm motivos óbvios para estudar e se qualificar: um mercado de trabalho cheio de oportunidades para subir na vida, avançar materialmente. Já a classe alta tem motivos tão nobres quanto, embora nem sempre tão evidentes: liderar essa transformação com valores includentes, iluministas e brasileiros. 
*Nizan Guanaes, nasceu em Salvador. Publicitário, escreve às terças feiras na Folha de S. Paulo.

Um comentário:

  1. Com certeza, tem toda a razão...Tb me preocupa a distância dos brasileiros, de modo geral, a ausente preocupação com valores educacionais, culturais e profissionais/nacionais. Precisamos nos preparar como administradores deste grande patrimônio que é o Brasil. Precisamos incorporar conhecimentos para dominar a tecnologia do futuro, sem a qual, continuaremos na condição de colonizados e sempre explorados...Urge !!!!

    ResponderExcluir