domingo, 2 de janeiro de 2011

Salvador tumultuada - II

Angelina Bulcão Nascimento*
Perplexos e revoltados, moradores da rua Morro do Escravo Miguel tomaram conhecimento no dia 30, de que, nos dias 31 e 1º, ficaríamos interditados, só podendo entrar e sair de casa com a ÚLTIMA conta de luz! E tendo que romper uma multidão de foliões. Ninguém poderia passar mal nem receber seus familiares no reveillon e primeiro dia do ano! Como se não bastassem as interdições de entrar e sair em suas casas, no Carnaval, maratonas, corridas de bicicleta, passeatas da Universal com trio elétrico.
E agora os moradores de ondina começam a padecer a construção, no lugar que era destinado a uma Praça, de um Apart Hotel com 101 apartamentos, 9 lojas e um restaurante, o que certamente trará consequencias para o já caótico trânsito de Salvador. Até o momento, não vi ninguém protestar pelo desrespeito de não sermos comunicados com antecedência, de impedirem nosso direito de sair e entrar em nossas residências, e receber nossos amigos e familiares numa data marcante do ano.
Não escutei nem li nenhuma crítica sobre a construção de um edifício, sem garagens suficientes para os 101 apartamentos, e que diminuirá mais ainda a ventilação, já prejudicada com o hotel à beira mar, fincado quase na areia da praia.
No início dos anos 90, quando construiam os prédios desta rua, que ultrapassaram os limites desejáveis, estava em vigor a Lei do Solo que limitava o número de construções, por vários motivos, inclusive relativos qualidade de vida. Ficava, pois, proibido construir à beira do mar! E o terreno defronte deveria ser utilizado para uma praça, coisa rara em nossa cidade, já tão carente de áreas verdes! Pelo visto, a Lei foi para o brejo...
Não falo apenas pelos moradores da rua citada, mas pelos habitantes de Salvador de vários bairros que a todo momento se queixam de problemas semelhantes e lamentam a descaracterização e agressão à uma cidade que está perdendo seus encantos e se transformando numa selva de pedra e palco de carnaval permanente...
Estes tristes fatos fazem lembrar um trecho de um poema que reproduzo abaixo: No caminho com Maiakóvski (fragmento de um poema de Eduardo Alves da Costa):
"....Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,matam nosso cão,
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada..."
*Angelina Bulcão Nascimento é jornalista e escritora.

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