quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Palestra do Embaixador Rubens Ricupero na ACB - Salvador

No dia 25 de agosto, o Embaixador Rubens Ricupero esteve em Salvador para o lançamento do livro " Diário de Bordo - A Viagem Presidencial de Tancredo" , uma homenagem póstuma ao presidente que possibilitou a implantação da "Nova República".
Segue com exclusividade, o primeiro trecho da palestra, gravada e transcrita por Osvaldo Campos Magalhães, editor deste blog.
Palestra do Embaixador Rubens Ricupero na ACB – Salvador - 25 anos da Nova República - Avaliação e desafios - 1ª Parte:
"Senhores, caso tivesse tomado posse no cargo de Presidente da República, as principais preocupações do presidente eleito Tancredo Neves seriam:
Que não houvesse mais aquele espectro permanente do perigo da intervenção das forças armadas como nós tínhamos conhecido ao longo de praticamente cem anos de história.
Este era o primeiro desafio.
O segundo desafio era o da inflação.
O Dr. Tancredo tinha uma noção muito clara do perigo que essa inflação acelerada representava para o futuro daquela transição, que era o problema número um, como conciliar a luta contra a inflação com o atendimento das expectativas de melhoria que toda a população tinha, depois de 21 anos de espera.
E o terceiro problema, era o da crise da dívida externa, que naquele momento estava no seu auge. Os senhores se lembram que a dívida externa começa a explodir em outubro de 1982. Entre os anos de 84 e 85, não estávamos conseguindo sair daquela crise, tanto que depois houve a moratória.
Então, eram estes três problemas que dominavam as preocupações de Dr. Tancredo, e, em todos eles eu acredito que ele teria conduzido de uma forma muito melhor do que a que nós tivemos.
Com a morte de Tancredo acabei ficando como sub-chefe da Casa Civil e depois como assessor especial do presidente José Sarney, pelo qual eu tenho o mais profundo respeito e admiração.
Acho que o Dr. Sarney representou um papel crítico numa hora muito difícil. Mas, não é nenhum desdouro para o Dr. Sarney reconhecer que não tinha sobre o partido do governo, o PMDB, a mesma força que tinha o Dr. Tancredo Neves. Os senhores se lembram que o Dr. Sarney tinha vindo do outro partido. Ele tinha ingressado no PMDB apenas devido à crise da sucessão em 1984. Ele não tinha sobretudo junto a Ulisses Guimarães a força que tinha Tancredo Neves.
Tancredo Neves comandava no país todo, com respeito, com uma autoridade incontestável, e se ele tivesse comandado o processo da eleição para a Constituinte, e a elaboração da Constituição, eu não sei como seria a Constituição , mas tenho certeza que teria sido um processo melhor do que o que nós tivemos. Eu cheguei a assistir o Dr. Tancredo, ao ser condecorado na Embaixada da França com a Legião de Honra, ele declarar o seguinte,:” Quero fazer uma Constituição de acordo com o conselho de Napoleão, eu quero que seja uma Constituição breve e vaga. E nossa Constituição foi longa e absolutamente pormenorizada. Foi o contrário do que ele anunciou.
Eu ainda pretendo publicar alguma coisa, pois eu tenho o “diário secreto” das decisões que levaram a moratória, pois indiretamente, eu fui o responsável por dar ao presidente Sarney a informação que desencadeou a decisão dele.
Fui eu quem deu a ele a informação, pois estava entre as minhas atribuições de assessor. As nossas reservas estavam abaixo de U$3,5 bilhões. O que eu não sabia, é que ele tinha combinado com o Ministro da Fazenda, que quando as reservas caíssem abaixo de U$ 3,5 bilhões, o Brasil suspenderia o pagamento. Se eu tivesse sabido, provavelmente eu não teria contado, mas este era o meu dever. Meus assessores me traziam os dados e eu repassava ao presidente. Lembro que ele duvidou da informação, me disse “não pode ser verdade”. No começo ele recebeu a notícia com incredulidade.
Mas enfim, eu acredito que se nós tivéssemos uma outra circunstância , sem a doença do Tancredo, nada disso tivesse ocorrido. E acho que como conseqüência disso, o final da presidência Sarney, não teria sido o que foi. Eu duvido muito por exemplo que tivesse ocorrido a eleição de Fernando Collor, como ocorreu, se o Tancredo tivesse sido o presidente pleno.
Mas isto tudo são exercícios da história do que pudesse ter sido, e o que não foi.
A Constituição de 1988 teve um grande defeito, ela não tocou naquilo que é fundamenta, no sistema eleitoral, no sistema partidário, no funcionamento das instituições públicas sobretudo do Congresso Nacional. E nós estamos assistindo, uma situação hoje em dia no Brasil, em que o Congresso funciona razoavelmente, consegue aprovar as leis, mais a um custo muito alto, todo mundo sabe a que custo, o que custa o financiamento das campanhas, a corrupção a que isto conduz, e como esta corrupção que se institucionaliza, pode levar ao descrédito das instituições.
Eu acho que é muito importante, não termos nunca uma atitude de indulgência e tolerância com a corrupção. Há muita gente que condena o combate à corrupção como moralismo, evocando aqueles anos da campanha do Lacerda, da UDN, mas as pessoas que pensam assim se esquecem, que a essência da Democracia é a Confiança.
É a confiança dos cidadãos entre si, e a consciência dos cidadãos nas Instituições.
E a corrupção é com certeza, a maneira mais segura de destruir esta confiança. Cedo ou tarde, a corrupção conduz ao descrédito das instituições. Nós temos uma história que prova isto.
Ontem foi o dia em que rememora o suicídio do presidente Getúlio Vargas, 24 de agosto de 1954, que foi um episódio a que o presidente foi levado por causa deste problema (corrupção), e nós não podemos nos esquecer como foi que terminou a presidência do Fernando Collor, que provocou um abalo muito grande nas instituições. Eu creio que nenhum brasileiro deseja que no futuro isto se repita.
Então nós precisamos completar este trabalho que falta, que é a reforma do sistema eleitoral, dos partidos e a reforma do Poder Judiciário, que é um poder, que todos nós sabemos, que tem defeitos muito graves, em termos de lentidão, e dificuldades em resolver problemas básicos.
No segundo problema, que é este da economia, eu creio, já mencionei aqui, que o esforço de se vencer a inflação, finalmente teve êxito no Brasil, a partir do Plano Real.
Não é uma obra de uma só pessoa, é uma obra de vários presidentes, Itamar Franco teve um grande mérito, Fernando Henrique teve um grande mérito, o atual governo teve também o mérito de no essencial manter estas peças fundamentais para a estabilidade, apesar do Partido do Presidente Lula, sempre ter sido contrário, tanto ao Plano real quanto à Lei de Responsabilidade Fiscal, o PROER, etc.
O Partido dos Trabalhadores teve a sabedoria de uma vez no poder manter estas instituições, de consolidar e depois até de ampliar com uma economia voltada ao consumo, com transferência de renda para suavizar a pobreza a desigualdade , isto sem dúvida tem provocado este surto de desenvolvimento. Mas nós não devemos nos iludir, aqui também falta muita coisa a fazer." (continua na próxima semana)

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