terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As grandes cidades perderam a escala humana

Trechos da entrevista com o psicanalista Marcelo Veras à revista Muito, onde fala sobre as relações humanas e alerta para o fato de que estamos caminhando para a solidão.

O que Mudou nas relações entre as pessoas?
MV. As relações são mais rápidas e, forçosamente, mais efêmeras. A construção de uma relação requer um certo tempo, e o que vemos hoje são pessoas que não toleram a frustação do tempo longo, aquilo que a gente costuma chamar de fobia do tempo lento. Uma prova disso é que quando a internet começou a povoar a nossa vida, demorava um século para baixar uma página, hoje, o mínimo que o computador demore para responder já angustia a pessoa, a gente quer comprar um computador mais veloz, a gente não suporto mais esperar.
A internet tornou as relações entre as pessoas mais difíceis?
MV Isso pode tornar as relações mais difíceis. É claro que tem sempre quem diga que é facilitador, então não emito nenhum discurso de cunho moralizante, mas é difícil as pessoas se encontrarem hoje. As cidades tomaram uma dimensão tão gigante que é claro que nossos filhos precisam recorrer aos chats para se encontrar. As grandes cidades perderam a escala humana. Antes você andava na rua e enxergava a vizinha do segundo andar, hoje as proporções são muito altas e não se sabe o que se passa nestes prédios.
Por que as pessoas tem tanta dificuldade em se relacionar hoje?
MV Porque os novos ideais são eminentemente mais egoístas. Hoje temos uma sociedade onde o que vale é a imagem efêmera do sucesso. As pessoas buscam isso. Basta ver a proliferação de revistas onde só se mostram imagens. E essas imagens não traduzem as pessoas, não mostram o que são de verdade. Se você pega uma dessas revistas, percebe que 95% das imagens são de pessoas rindo. Elas não estão mais felizes. O que me preocupa é que vivemos num mundo onde há um imperativo da felicidade. A doutrina da felicidade ligada ao sucesso e à ideia de que alguém não seja feliz está errada.
Mas hoje as pessoas se acostumaram a confundir tristeza com depressão.
MV Pois é, mas a depressão é uma doença séria, que não pode ser banalizada, transformando todo mundo numa comunidade deprimida. Exatamente porque é muito séria. Não podemos nivelar por baixo ou, como já foi proposto certa feita, que determinados remédios fizessem parte da composição da água da cidade, como flúor, por exemplo.
O sexo sempre foi tabu para a maioria das pessoas. Ainda é?
MV No fundo, na aparente liberação sexual, você pode tudo. Você entra em pane de desejo. O desejo pede certo distanciamento porque exige manter aquilo que se deseja numa relação de satisfação. Aquele que só consegue se satisfazer através do objeto acaba se tornando um adicto. Ele confunde a satisfação do desejo, do postergar dessa satisfação, com o imperativo de satisfazer o desejo a qualquer preço.
Por que as pessoas se separam tanto e tão rápido nos dias de hoje?
MV As separações são comuns porque vivemos na cultura do descartável, do rápido. Tratamos a vida amorosa como manager, não tá bom, bota outro no lugar. O compromisso é muito mais com a rapidez, com a resolução das coisas, do que ter tempo necessário para o relacionamento.
Isso não vai nos levar à solidão?
MV Nós já estamos num mundo onde há muita solidão. E é um mundo em que a gente deve estar muito atento para ele, que é muito particular, porque é a solidão entre muitos. O que faz a verdadeira troca social é a possibilidade que temos de suportar o outro com as suas diferenças. Existe uma modalidade de solidão em grupo que tem uma certa tendência à segregação. É a "guetificação" dos meios, onde eu só consigo me sentir em grupo dentro da minha tribo.
Entrevistador: Ronaldo Jacobina
*Marcelo Veras é psicanalista. Graduou-se, em 1983, em Medicina pela Universidade Federal da Bahia. Após a faculdade, foi residente de psiquiatria do Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Em seguida, tornou-se mestre em Psicanálise pela Université de Paris VIII e doutor em Psicologia pela UFRJ. Ocupou por sete anos a direção geral do Hospital Juliano Moreira, tendo sido presidente da comissão de Saúde Mental do Estado da Bahia. Após passar pela Direção Adjunta do Complexo Hospitalar Prof. Edgard Santos, Veras desempenhou o papel de Assessor do Reitor da UFBA para assuntos de saúde. Atualmente é o diretor executivo da Fapex- Fundação de Apoio à Pesquisa e a Extensão da Ufba.

Novos diretores da Fapex

O psiquiatra e psicanalista da UFBA, Marcelo Frederico Augusto dos Santos Veras, e a administradora Lilia Kátia Andrade Nunes(foto) compõem a nova diretoria da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão (FAPEX).
A nova diretoria pretende continuar fazendo da Fundação uma instituição fundamental na pesquisa científica da Bahia. Para o novo diretor, “A FAPEX é uma instituição que comemora seus 30 anos de apoio a UFBA e que, a partir deste ano, passa a apoiar igualmente a UFRB. Temos o objetivo de afirmar nossa capacidade gerencial, respondendo com celeridade e rigor jurídico às diversas demandas emanadas por nossos colaboradores, e que visam construir a ciência e os novos saberes deste início do século XXI”.

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