Angelina Bulcão Nascimento
SALVADOR mantém, ainda nítidos, testemunhos e vestígios de mais de quatrocentos anos de história. O progresso não matou, nem o tempo apagou, a maioria dos seus fortes, solares e igrejas. Tampouco apagou as tatuagens deixadas pela cultura afro, expressas nas crenças, comportamentos, culinária. Pois os navios negreiros trouxeram não apenas escravos, mas concepções mágicas e religiosas que se espalharam e sobrevivem entre nós. E se misturaram tanto a ponto de não mais sabermos o que é história ou lenda, ficção ou realidade. Não é à toa que a cidade é cheia de mistérios... O mesmo não se pode dizer dos costumes. Repete-se a todo momento que a Bahia é a ‘terra do já teve’. Já teve pregão de rua, já teve ladrão de galinha, já teve jogo de baleado, pião e arraia empinada nas ruas sem trânsito. E já teve pesca do xaréu, já teve casarões mal-assombrados. Já teve, em suas praias, jegues carregando caçuás transbordantes de coco verde, jangadas atoladas na areia e palhoças de piaçaba. Já teve cinemas que passavam seriados de bang-bang. Já teve residência e restaurante universitário. Já teve homens usando pernas-de-pau na Baixa dos Sapateiros, contratados para distrair crianças buliçosas e chamar a atenção dos tabaréus ‘aperreados’ pelos sapatos. Já teve coisa que até Deus duvida! Contar e relembrar algumas dessas coisas é uma tentativa de resgatar a Bahia provinciana com encantos de cidade pequena, esta Bahia que não se estuda no colégio nem nos livros de História. Pois não só de lugares históricos se faz a vida de uma cidade. Desapareceram tradicionais pontos de encontro. Desapareceram trocas de visitas com direito a doce em compota. Desapareceram as inocentes travessuras estudantis. Desapareceram as madrugadas poéticas, os seresteiros boêmios. Desapareceram os tempos em que se vivia um ritmo mais lento e preguiçoso. Quando o sol se encolhia, as calçadas se enchiam de cadeiras e espreguiçadeiras. As novidades circulavam entre os vizinhos, e eram divulgadas antes das gazetas. Todos se conheciam, e conheciam a vida alheia. E contavam, é lógico, o que sabiam, senão se perdia a graça de saber. Como lembra o prof. Cid Teixeira: “Minha mãe dizia que a Bahia é lugar de muro baixo pois todo mundo enxerga o quintal do outro”(*). Mas o que a Bahia já teve não foi completamente perdido, pois sobrevive nas lembranças e histórias, contadas em prosa e em verso. O NAMORO na Bahia tinha características peculiares. As gerações do início do século apelaram para manuais, sem os quais seria impossível compreender os códigos utilizados para driblar a vigilância dos familiares. Tinham que usar a linguagem dos leques, da bengala, das flores, das cores etc. Após a primeira guerra mundial, as moças ganharam maior liberdade, embora dependessem da companhia de tias solteiras para saídas e encontros. As gerações dos anos 30 e 40 não perdiam as novenas do mês de maio, trezenas de Santo Antônio, mas não por motivos religiosos. Nos anos dourados, foi institucionalizado o 'footing' dominical no Farol da Barra. Por meio de olhares e gestos, o interesse pelo sexo oposto podia ser demonstrado. Mas Salvador custou a perder as características de província. Os pais continuaram a manter as proibições aposentadas em outras capitais. Durante anos, a garota só teve permissão para conversar com o namorado no portão de sua casa, vigiada, exposta à curiosidade dos vizinhos. A entrada do rapaz dentro do lar significava noivado. Por isso era freqüente, antes do pedido oficial, ele presenteá-la com uma ‘aliança de compromisso’. Depois da década de 60, as mudanças radicais dos costumes afetaram as formas do relacionamento amoroso. Nos anos 70, num estacionamento da orla, os casais podiam assistir ao que foi ironicamente batizado ‘corrida de submarinos’. A prefeitura local encarregou-se de policiar a área, garantindo a segurança local e a publicidade a nível nacional. Mas pouca gente sabe que a praia onde fica o atual ‘Jardim dos Namorados’ era chamada ‘Chega-Nego’. Isso porque, após abolição do tráfico de escravos, os negros contrabandeados desembarcavam ali. O historiador Cid Teixeira sugeriu que o nome original fosse mantido, mudando apenas a entonação: “Chega! nego” mas sua proposta não foi aceita. (*) Salvador deveria ser a cidade mais limpa do mundo com tanta LAVAGEM! Antigamente só existia a tradicional lavagem do Bonfim e, menos concorrida, a de Itapuã. Hoje em dia se lava tudo, numa sucessão interminável de lavagens que acontecem desde as primeiras semanas de janeiro até o carnaval. Quando não há igreja ou festa, se inventa. A tradição, apesar de sua origem católica, traz influências do candomblé. Limpar um lugar significa expulsar os eguns — almas de pessoas mortas — e outras entidades maléficas para garantir o equilíbrio energético. Existe, inclusive, o ‘Exu-Limpa-Caminho’. Através de sua ajuda torna-se possível realizar oferendas aos orixás, sem que nada impeça a comunicação com eles. O 'ponto chic' de Salvador, dos anos 30 aos anos 50 foi a RUA CHILE, apontada como a ‘sala de visitas da Bahia’, a ‘passarela da cidade’. Durante muitos anos, era um grande “shopping céu aberto” segundo o prof. Cid Teixeira. Também foi cenário de flertes e desfiles de modas. Os homens exibiam impecáveis ternos, chapéus, sapatos de duas cores. As mulheres não dispensavam suas jóias, luvas e saltos altos.A Rua Chile já foi chamada Rua Direita das Portas de Santa Luzia por causa da ermida dedicada à padroeira dos olhos, erguida no lugar onde foi construído o extinto teatro São João. Desaparecendo a igreja e fundado o Mosteiro de São Bento, passou a denominar-se Rua Direita das Portas de São Bento. Ganhou também o nome de Rua dos Mercadores e, mais tarde, Rua Direita do Palácio. Em 1902, recebeu o nome atual em homenagem ao povo chileno, cujos oficiais da Marinha visitavam a cidade. Em seu primeiro governo, J. J. Seabra (1912-1916) mandou alargá-la e, para isso, demolir as casas do quarteirão oriental.Desde a década de 30 o comércio se intensificou com lojas atraentes, entremeadas de consultórios dos médicos e dentistas de prestígio: CASA ARMAS DE PARIS, PARQUE REAL, NOVA AMÉRICA, AFRICANA, DUAS AMÉRICAS, CASA SLOPER, BELAS ARTES, CASA DA MÚSICA (EX-MILANO), ADAMASTOR, CASA ALBERTO, LOJAS CLARK, ALFAIATARIA DO SPINELLI com seu inesquecível anúncio: ‘Adão não se vestia porque Spinelli não existia’.Quem queria saber o que estava acontecendo na cidade tinha que ir à Rua Chile. A administração municipal e estadual se concentrava no trecho compreendido entre as Praças da Sé e a Castro Alves. Em acaloradas discussões, intelectuais, estudantes e políticos pareciam decidir o futuro do país. Dizem que as conversas de esquina derrubaram alguns cargos... Um dos centros de debates ficava próximo do Palácio Rio Branco. Os intelectuais se reuniam na Livraria Civilização Brasileira e os universitários em sua sede, a UEB, no segundo andar de um sobrado vizinho. Às quatro da tarde, começava a circular o jornal ‘A Tarde’ cujos primeiros exemplares eram disputados por uma pequena multidão. No edifício onde funcionava o vespertino, uma sirene anunciava os fatos extraordinários. Quem pensa que AMARALINA é alguma ninfa que habita os mares daquele bairro, pule, por favor, este pedaço. A verdade é mais prosaica: AMARALINA é palavra inventada por um latifundiário, um certo José Álvares do Amaral que havia comprado a fazenda ‘Alagoa’, situada naquela região. Rebatizou, então, as terras adquiridas, inspirado em seu próprio sobrenome. (*) Já a palavra PITUBA, que nomeia o bairro, significa cheiro forte. Provavelmente refere-se ao cheiro dos sargaços e da maresia peculiar à região, hoje quase sufocado pelo gás carbônico dos veículos. O historiador Cid Teixeira lembra ter caçado muito tatu nas proximidades do Iguatemi. Até os anos 50, a Pituba resumia-se às terras arenosas de um comerciante português chamado Manoel Dias da Silva. Este contratou o engenheiro Teodoro Sampaio para projetar a então ‘Cidade da Luz’, em homenagem à Nossa Senhora da Luz, cuja capela ficava próxima da atual igreja. Depois da morte de Manoel Dias, seu cunhado Juventino Silva vendeu os lotes, ainda sem pavimentação, sem energia e sem água.(*) Há quem diga que o REFRIGERANTE FRATELLI-VITA tinha tanto gosto de Bahia quanto um acarajé. ‘Assustados’ ou ‘arrasta-pés’ eram regados a gasosas, guaranás, sukitas. A geração baiana dos anos dourados, que não foi seduzida pelo ritmo do rock’n roll, bem que merece ser rotulada ‘geração fratelli-vita’, ao invés de geração ‘coca-cola’...Dois irmãos italianos, José e Francisco Vita, fundaram em 1902 uma fábrica de refrigerantes e cristais. Inicialmente as bebidas foram chamadas ‘gengibirras’, pois tinham gosto de gengibre. Não fizeram sucesso. Em compensação as gasosas de pêra, morango, limão, o guaraná e a sukita (de laranja) agradaram os paladares de várias gerações. Dizem que quando o baiano não está dançando, está ensaiando. A dança parece ebulir seu sangue. Cada ano inventa mais ritmos, mais passos para acompanhá-los. E lá vem a ‘dança da galinha’, a ‘dança do cachorro’, a ‘dança do jacaré’, e por aí vai. Mas houve um tempo, não tão longe assim, de danças bem-comportadas, dois pra lá dois pra cá. Lugares havia muitos. Eram os chamados ‘cabarés’, onde moça de família não entrava. O ‘Pigale’ foi um deles. Localizado na Ladeira do Pau da Bandeira, era tão disputado quanto o ‘Rumba Dancing’. Este ficava perto da Rua da Ajuda, numa casa onde existia o ‘Bilhar do Abel’. Tais locais funcionavam como escolas de dança. As professorais eram moças contratadas para servir de par. O cliente recebia um cartão perfurado no qual um funcionário marcava os minutos. O desafio dos estudantes de mesada curta era fazer o tempo render. Se algum deles impressionasse, os dez minutos a que tinha direito eram contados como cinco. Se pisasse nos calos da parceira, ela transformava cinco minutos em quinze. — relembra o professor Miguel Fascio, do Instituto de Química da UFBA.Professores da Universidade, juízes, desembargadores e outras figuras de projeção, freqüentavam, sem disfarces, tais ambientes. Mesmo nas ‘casas suspeitas’, como eram chamadas à época, havia uma certa inocência. Em uma delas, perto do ‘Sete Candeeiros’, desembargadores soleníssimos sentavam-se a uma mesa, pediam cerveja enquanto despachavam pilhas de processos e davam eruditas sentenças. Às vezes interrompiam, iam ‘lá dentro’, para continuar depois. (*) Havia também o TABARIS, misto de cabaré, cassino, bar, restaurante, ponto de encontro de várias gerações, onde havia shows com artistas vindos de outros estados. Funcionava atrás do antigo cinema Guarani. Freqüentar o 'Tabaris' exigia dinheiro, paletó e gravata. Seus dias de glória terminaram com a proibição do jogo. Mas o local tornou-se um mito da boemia baiana. O BAILE DO BARÃO foi um dos maiores acontecimentos da vida universitária da Bahia. Era uma festa organizada pelos formandos de Direito, realizada no mês de novembro em uma casa próxima ao cinema Pax, conhecida como a ‘Casa do Barão’. Os que compareciam, tinham a obrigação de levar uma empregada doméstica para quem a festa era dedicada. Nas vésperas, todos se mobilizavam para encontrar uma acompanhante disponível e atraente. A idéia partiu da turma de 57. Indignadas, as formandas ensaiaram um boicote, chegando a implorar ao prof. Orlando Gomes sua intervenção contra o baile. O mestre, porém, admitiu a impossibilidade de se intrometer e conseguiu acalmá-las. Por causa do rosto de um anjinho pintado num azulejo, azul como eram todos os antigos azulejos, o local, mistura de boate, bar e ponto de encontro, foi batizado ANJO AZUL.A idéia partiu de um grupo de intelectuais que o instalaram numa velha casa da rua do Cabeça. Durante muitos anos foi o reduto da boemia intelectual, local de encontros furtivos. Era um ambiente profano decorado com objetos sagrados. Além das mesas redondas de jacarandá, cercadas de cadeiras de palhinha, havia sacrários com imagens de santos barrocos. No corredor de entrada, podia-se admirar o imenso painel pintado por Carlos Bastos, também inspirado em figuras celestes. Bebia-se, num piniquinho de barro, o ‘xixi de anjo’, espécie de batida. E também se podia pedir, além das biritas corriqueiras, o ‘sangue de anjo’ feito com campari para dar ao coquetel a cor sanguinolenta. O ‘Anjo Azul’ não sobreviveu às mudanças do lazer e costumes baianos. Inicialmente os BONDES eram puxados a cavalos. Partiam da Praça do Palácio e desciam até o Largo do Teatro São João, na Praça Castro Alves. Ali os cavalos eram substituídos e o transporte seguia para a atual Carlos Gomes. Com a invenção da eletricidade, os animais foram aposentados e os trilhos cravados no calçamento. Não raro, o condutor parava para beber água, ou interrompia o trajeto para dar dois dedos de prosa com algum colega. Estes personagens eram queridos pela população que lhe concedeu diversos apelidos: ‘urubu malandro’, ‘cara-queimada’, ‘bezerro’, etc. Freqüentemente havia descarrilamentos. E em protesto à deterioração do sistema, em 1930, uma população enfurecida incendiou e destruiu mais de cinqüenta bondes. O episódio ficou conhecido como ‘quebra-bonde’.O prof. Cid Teixeira lembra um caso notório: ao ver um sujeito fumando no primeiro banco, o cobrador apontou o cartaz onde se podia ler a proibição. Mas o fumante retrucou: “Ora, se eu fosse obedecer A tudo que os anúncios me mandam fazer, estaria tomando também a ‘Saúde da Mulher’!” Além das TREZENAS a Santo Antônio, as NOVENAS do mês de maio reuniam a população baiana nas igrejas. Seu nome, devido ao número de dias das rezas, curiosamente era o mesmo do castigo de açoites, durante nove dias seguidos, infligido aos escravos. Foram ocasião de encontros, de flertes, de fofocas, de estréias de vestidos novos. No último dia do mês, a imagem de Nossa Senhora, entronizada nos píncaros do altar-mor, era coroada por crianças vestidas de anjinhos provocando ohs e ahs de admiração ou de susto quando alguma se desequilibrava.Em algumas paróquias, as menininhas de cor eram proibidas de ser anjinhos, sob a argumentação racista: onde já se viu anjo escurinho no céu?!. Eram tempos pré Lei Afonso Arinos... As ‘REPÚBLICAS’, como eram chamadas as residências onde moravam os estudantes, surgiram no início do governo do marechal Deodoro. As idéias de democracia difundidas pelo sistema recém-nascido, inspirou o nome de batismo das casas alugadas aos universitários. Permitiam àqueles que moravam no interior estudarem na capital com um mínimo de conforto e sem onerar muito suas famílias. Em geral, eram casarões velhos e decadentes, os mais pobres mobiliados com caixotes. Ficavam localizados em ruas próximas às faculdades, e alguns dos seus nomes revelavam o senso de humor dos seus habitantes: ‘Doce de Coco’, ‘Pé de Anjo’, ‘Não posso comer molho’, ‘Harpa e Dança’, ‘Donzelos’, ‘Inocentes’, ‘Castelo do Diabo’, etc. Os jovens provocavam simpatia das pessoas mais velhas, que se divertiam com suas pândegas, assinavam seus livros de ouro ou atendiam pedidos de gulodices em tempos de festas. Nas ruas de Salvador transitavam os chamados ‘TIPOS POPULARES’, em geral considerados malucos, e provocando caçoadas, dichotes, piadas dos estudantes e moleques. Alguns reagiam atirando pedras, cuspindo palavrões, correndo atrás, ameaçando bater. Outros se entrosavam com os transeuntes, se estes davam corda. Entre os que vivem na memória das gerações mais velhas, destacam-se. Miss Piedade, Dr. Raiz, Garapa, Peru, Madame Lagartixa, professor Gusmão, Xodó, Carrapêta, Jacaré-de-Paletó, Mamãe-não-quer, Sinhá-Mariquinha-cadê-o-frade? Colete-Curto, Professor Mussurunga, Balbina-das-Galinhas, Isaura-Avestruz, Meio-quilo, Princesa Russa, Caju-Doce, Noventa-Pum, Mariquinha-Pinote, Caveirinha, Pé-de-Revólver. E de quebra, uma mulher que se vestia de roxo fazendo ponto na porta da ‘Casa Sloper’. A população se afeiçoava a muitos destes tipos, cujos apelidos eram inevitáveis. Ainda mais numa terra onde quase ninguém escapa de um diminutivo carinhoso ou uma alcunha venenosa. Seus trajes exóticos, seus comportamentos bizarros escondiam histórias, trágicas ou cômicas, algumas para sempre desconhecidas. Não são raras as ruas de Salvador cujos nomes sugerem histórias, algumas delas misteriosas ou macabras — AVENIDA DAS FACADAS, RUA DA AGONIA, RUA DOS OSSOS, por exemplo. Existem também nomes que, por si só, revelam a razão do seu nome de batismo. Na RUA DO BREJO, atual Rui Barbosa, existiu um extenso mangue.Poder-se-ia supor, então, que o BECO DO SOSSEGO devia ser sossegado, e que no BECO DO MINGAU devia haver alguma vendedora de mingaus. Alguns nomes despertam curiosidade não satisfeita. Os motivos perderam-se no tempo... Outros foram substituídos para homenagear personalidades mas o povo insiste em manter os antigos apelidos. Citemos alguns: FONTE DOS FRADES, ÁGUA DO GASTO, ALEGRIA DO PARAÍSO, ALTO DOS MACACOS, AVENIDA CRISTA DE OURO, AVENIDA DOS AMORES, BAIXA DA ÉGUA, RUA DO CÉU, GUINDASTE DOS PADRES, RUA MATA MAROTO, MIRANTE DOS AFLITOS, RUA DA PACIÊNCIA, LADEIRA DO PAU MIÚDO, LADEIRA DA PREGUIÇA, LADEIRA DO QUEBRA-BUNDA, QUINTA DAS BEATAS, TRAVESSA DO CHICO DIABO, TRAVESSA LAGOA DA VOVÓ. Havia o amolador de facas, o guarda-noturno, o leiteiro, a bordadeira, o baleiro, o taboqueiro, o verdureiro, a cerzideira, o sapateiro que colocava meia-sola, a engomadeira... Alguns anunciavam seus serviços cantando ou recitando de porta em porta. Outros recorriam a versinhos de pés quebrados. Como ilustram os que foram escritos na tampa de uma caixa de sapato pendurada à janela de uma das casas do bairro da Saúde:Bainha aberta/ Cobre-se botões/ Fornece-se marmita/ Aplica-se injeções (*) É indisfarçável a saudade que escapole das lembranças. Mas por maior que seja, o saudosismo não consegue negar os encantos que a Bahia ainda tem. E um dos seus maiores encantos é a cumplicidade entre seu passado e seu presente.
Angelina Bulcão Nascimento (*) — depoimentos da entrevista concedida pelo historiador prof. Cid Teixeira. — Depoimentos do juiz Octavio de Aragão Bulcão também contribuíram para a elaboração deste trabalho.