Paulo Ormindo de Azevedo*
Entendendo a guerra morna urbana A violência urbana, que constitui a principal preocupação da população brasileira, é estrutural, e não pode ser resolvida apenas pela polícia. Ela é basicamente resultante de um modelo de urbanização excludente, que permite ao crime organizado dominar extensas áreas periféricas de nossas cidades. Nossas urbes são espaços divididos, como dizia Milton Santos. Ele mostrou que nos países subdesenvolvidos há dois circuitos econômicos urbanos.
“Simplificando, pode-se afirmar que o fluxo do sistema superior está composto de negócios bancários, comércio de exportação e indústria de exportação, indústria urbana moderna, comércio moderno, serviços modernos, comércio atacadista e transporte. O sistema inferior está essencialmente constituído por formas de fabricação de ‘capital não intensivo’, por serviços não modernos, geralmente abastecidos pelo nível de venda a varejo e pelo comércio em pequena escala e não-moderno” (Santos, 1977, p. 38-39).
Estes dois circuitos econômicos se refletem na segregação socioespacial da periferia na cidade formal. Nas grandes cidades, o poder público abandonou as favelas e elas foram apropriadas por gangues de drogas e milícias, que passaram a explorar segurança, serviços públicos e redes de informações.
Para fidelizar sua clientela elas mantêm creches, financiam enterros e administram uma justiça cruel. Como o negócio é altamente rentável, passa a haver disputas territoriais entre elas. Com a globalização e a internet essas disputas ultrapassaram a cidade, o estado, o país e esses grupos já se infiltraram no circuito superior da economia: no sistema financeiro, na distribuição da gasolina e na política.
A insegurança das nossas cidades se deve à falência do planejamento socioeconômico e urbano do país. Incursões intempestivas, como a de 29/10 no Rio, com 120 mortes, inclusive de policiais, são uma tristeza e desgastaram a imagem da polícia, do governo local e do próprio país. Não se mata um polvo cortando só uma perna.
As experiências de maior sucesso nesse campo foram o projeto Favela-Bairro do prefeito do Rio, Arq. Paulo Conde, do final da década de 1990, colocando equipamentos sociais e polícia pacificadora nas favelas e um programa semelhante em Medellín, na Colômbia, que integrou as favelas com teleféricos, escadas rolantes, bibliotecas e teatros no seu topo, reduzindo a um décimo o índice de homicídios.
Não vai haver solução da segurança pública, sem a mudança do modelo de urbanização excludente, sem o rastreamento de todas grandes movimentações bancárias, a integração das inteligências financeira e policial e o bloqueio dos celulares nas prisões. Já é tempo dos poderes executivo, legislativo, judiciário e da sociedade civil entenderem que a segurança pública é um problema socioeconômico, de integração urbana e não apenas policial.
Que falta faz Milton Santos neste momento!
SSA: A Tarde, 09/11/2025
* Paulo Ormindo David é arquiteto, professor e escritor. Membro da Academia de Letras da Bahia. Professor Titular da Escola de Arquitetura da UFBA. Doutor em conservação e restauração de bens culturais , Università Di Roma.

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