quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Haiti e República Dominicana :porque tão desiguais

 Apesar de Haiti e República Dominicana estarem na mesma ilha — Hispaniola —, a história deles seguiu caminhos muito diferentes, e isso explica boa parte das enormes diferenças econômicas e sociais atuais.

O contraste vem de uma combinação de fatores históricos, geográficos, culturais e políticos. Vou organizar de forma clara:




1. História colonial diferente

Haiti foi colônia da França, que explorou intensamente a economia baseada em monocultura (açúcar, café) com uso massivo de escravizados africanos. Era uma das colônias mais ricas do mundo no século XVIII, mas essa riqueza ficava nas mãos da metrópole.

República Dominicana foi colônia da Espanha, que deu menos importância econômica à região (muitos recursos iam para México e Peru). A economia era mais diversificada e menos intensiva em mão de obra escravizada.




2. Independência e dívidas

O Haiti conquistou a independência em 1804, após a única revolta de escravizados bem-sucedida da história moderna. Mas a França exigiu, em 1825, uma indenização bilionária para reconhecer o país — o Haiti levou mais de um século para pagar, drenando recursos que poderiam ir para infraestrutura e desenvolvimento.

A República Dominicana teve períodos sob domínio espanhol e haitiano até consolidar a independência em 1844, sem dívidas externas gigantes comparáveis.




3. Política e estabilidade

O Haiti sofreu com instabilidade política crônica, golpes, ditaduras, ocupações estrangeiras (inclusive dos EUA) e ausência de instituições sólidas.

A República Dominicana também teve ditaduras (como Trujillo), mas desde os anos 1990 manteve maior estabilidade política e crescimento econômico consistente.




4. Economia e integração internacional

O Haiti depende fortemente de agricultura de subsistência e remessas do exterior; há pouco investimento estrangeiro e baixa industrialização.

A República Dominicana diversificou a economia: turismo, manufatura, zonas francas, exportações agrícolas e acordos comerciais com os EUA e Europa.




5. Geografia e meio ambiente

O Haiti sofreu desmatamento extremo (hoje cerca de 2% de cobertura florestal), o que afetou a agricultura, causou erosão e agravou desastres naturais.

A República Dominicana preservou mais áreas florestais e investiu em recursos hídricos e energia.




6. Cultura e identidade nacional

O Haiti é de língua francesa/crioula haitiana e tem forte herança africana.

A República Dominicana fala espanhol e tem uma identidade mais voltada para o mundo latino-caribenho, com maior proximidade cultural e comercial com países vizinhos.




Resumindo em uma frase:


Mesmo dividindo a mesma ilha, as origens coloniais, o peso das dívidas históricas, a estabilidade política, a gestão ambiental e a integração à economia global seguiram rumos muito diferentes, criando o abismo que vemos hoje.


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A ‘INTERNACIONAL GOLPISTA’ DE TRUMP

O Brasil foi atropelado pelos devaneios imperiais de Donald Trump. O presidente americano, como parece óbvio, decidiu interferir diretamente nas eleições brasileiras do ano que vem. O ataque frontal a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em particular Alexandre de Moraes, tem como objetivo intimidar o Judiciário brasileiro às vésperas da conclusão do julgamento de Jair Bolsonaro, um trumpista de carteirinha, por tentativa de golpe. Não é absurdo especular que a ideia de Trump seja pressionar o Brasil a reabilitar o ex-presidente para que ele dispute a eleição de 2026 e, caso vença, seja seu títere na maior economia sul-americana. Com isso, o presidente americano tiraria o Brasil da órbita chinesa e fortaleceria o que já podemos chamar de “Internacional Golpista”, isto é, o conjunto de países democráticos que, liderados pelos EUA, estão emasculando instituições e atropelando limites morais e legais em nome de projetos autoritários de poder. No grande jogo de Trump, portanto, Bolsonaro não é ninguém senão um idiota útil para seus propósitos imperialistas. O presidente americano, como até as colunas gregas da Casa Branca sabem, não tem amigos, apenas interesses – e é em nome desses interesses que Trump está jogando no lixo dois séculos de relações amistosas com o Brasil. Pior, Trump está querendo converter o Brasil em exemplo do que é capaz de fazer. Não há rigorosamente nada nas leis americanas que autorize Trump a castigar o Brasil com tarifas colossais que, na prática, são sanções econômicas semelhantes às que são impostas a países delinquentes. Nem muito menos há razões para equiparar um ministro do STF a terroristas e ditadores, impondo sobre ele penalidades que resultam em sua “morte financeira” somente porque está relatando os processos contra um seu aliado. O espanto do mundo diante de tanta truculência é exatamente o efeito que Trump está buscando: ao tratar um país democrático do tamanho do Brasil como quem dá um peteleco num mosquito, o presidente americano está querendo deixar claro que pode tudo e que não há limites, no mundo civilizado, que possam pará-lo. O Brasil parece feito sob medida para esse fim. Embora sua economia esteja entre as maiores do mundo, o País tem capacidade política muito reduzida e poucos dentes para reagir a desafios frontais como esse dos EUA. Nos tempos em que as organizações multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) faziam alguma diferença, países como o Brasil tinham chance de reagir a medidas truculentas como as tarifas ilegais de Trump ou a tentativa desavergonhada de interferir no Judiciário e nas eleições. Hoje, porém, tanto a ONU como a OMC são pálidas lembranças do que outrora foram. Está claro que o Brasil está diante de um dos maiores desafios de sua história: manter sua integridade diante do descomunal “bullying” dos EUA, que até pouco tempo atrás eram o porto seguro das democracias, e hoje são seu algoz. Se temos orgulho da nossa democracia, ainda que imperfeita, temos o dever de protegê-la desses liberticidas. E a primeira providência a tomar é banir da vida pública os golpistas brasileiros que ora estão mancomunados com Trump para sabotar o Brasil, razão pela qual os processos em curso no Supremo devem seguir adiante, sem qualquer constrangimento, ao mesmo tempo em que a Câmara deve cassar o mandato do deputado Eduardo Bolsonaro, a vanguarda dos inimigos do Brasil que estão atuando nos EUA para prejudicar o País. Além disso, o Brasil precisa se portar diante dessa provocação com firmeza institucional, serenidade política e clareza estratégica. O momento exige da sociedade brasileira e de seus líderes políticos uma inequívoca defesa dos valores democráticos, da soberania nacional e dos princípios constitucionais que regem as relações exteriores do País. Não se trata de rejeitar o diálogo com os EUA, sempre um parceiro histórico e relevante. Trata-se de afirmar que, para haver diálogo, é preciso antes haver um mínimo de respeito.
 * Editorial do jornal O ESTADO de SÃO PAULO de 01/08/2025