segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Infraestrutura de Transportes Negligenciada na Bahia

 


Osvaldo Campos Magalhães*

 A Bahia vem tendo sua infra-estrutura de transportes terrestre negligenciada por conta de editais de concessão extremamente prejudiciais ao nosso estado.

Em três de setembro de 2009 foi realizado o leilão de concessão dos 680 kilómetros entre Salvador e Candido Sales, em Minas Gerais. A ISOLUX associada à brasileira ENGEVIX venceu o leilão envolvendo trechos da BR 324/ BR 116, na época, a maior concessão rodoviária do país, ofertando um deságio expressivo, numa modelagem que privilegiou a proposta com o menor valor do pedágio, desestimulando os investimentos e a qualidade dos serviços. Nenhuma grande empresa brasileira participou do leilão por discordarem do critério adotado que não estimulava grandes investimentos nas rodovias concessionadas.

Lembrar que a ISOLUX, empresa espanhola, não tinha nenhuma experiência no setor rodoviário no Brasil.

O maior investimento previsto seria a duplicação do trecho Feira de Santana – entroncamento com a BR 242, com prazo fixado em cinco anos, e que somente foi concluído 10 anos depois.

O Consórcio Via Bahia descumpriu inúmeras vezes as cláusulas contratuais, e, nos primeiros cinco anos, o maior investimento realizado foram as praças de pedágio.

A ANTT além de não rescindir o contrato de concessão permitiu a venda da concessão para um Fundo de Investimentos Canadense.

O corredor rodoviário Salvador - Feira de Santana é o mais importante acesso terrestre da capital, por onde transitam mais de 120 mil carretas/ano para a exportação da soja produzida no oeste baiano além de ser o mais importante acesso terrestre ao Porto de Salvador e todo complexo portuário da Baía de Todos os Santos.


A baixa tarifa de pedágio cobrada ao usuário, quase um terço do pedágio da linha verde, é conseqüência de uma medida demagógica, estimulada pela então ministra da Casa Civil Dilma Roussef, que vem trazendo graves conseqüências para a economia baiana.

Lembrar que a Bahia também foi prejudicada na privatização da malha ferroviária, pois o edital não estabeleceu metas de investimentos nem melhorias operacionais nos 1.530 quilômetros de ferrovias em nosso estado. 

A tenebrosa passagem ferroviária sobre a ponte Dom Pedro II é o fiel retrato da negligência dos governos federal e estadual com a infraestrutura de transportes terrestres na Bahia.

Agora, na renovação do contrato de concessão da malha ferroviária, a Bahia corre o risco de não receber novos investimentos e até mesmo ter sua infra-estrutura ferroviária excluída da concessão.

Ficou o estado da Bahia, ao longo dos últimos anos com sua infra-estrutura de transportes terrestres seriamente prejudicada, com impactos significativos na competitividade da economia.

Por fim, o Tribunal de Contas da União, condiciona a rescisão do contrato de concessão da Via Bahia ao pagamento de uma indenização bilionária ao fundo Canadense.

Inacreditável!

*Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Foi diretor financeiro da CODEBA, Superintendente de Transportes do Governo da Bahia e Assessor Especial da FIESP.

Por 12 anos membro do Conselho de Infra-estrutura da FIESP .

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Há 122 anos a primeira rua do Brasil, preserva a memória e revitaliza o centro de Salvador


Alan Alves*
Há exatos 115 anos, a primeira rua a ser fundada no Brasil, na cidade de Salvador, era batizada de "Rua Chile". Porta de entrada para o Centro Histórico da capital baiana, a via de cerca de 400 metros ficou marcada na história como palco do comércio elitista até meados da década de 70 do século passado. Hoje, após o processo de descentralização da área comercial da cidade e a decadência da região, a iniciativa privada e o poder público tentam resgatar o espaço como atrativo turístico e até mesmo reacender o glamour dos tempos áureos.

Um dos símbolos da rua, o Palace Hotel, inspirado no Flatiron Building de Nova York, foi reaberto há três meses após ser totalmente reformulado. Foi um dos cenários do romance "Dona Flor e Seus Dois Maridos", obra do escritor Jorge Amado. Era no luxuoso hotel que Vadinho, o primeiro marido de Dona Flor, costumava passar as noites jogando no cassino que funciou no local até 1946 - o espaço foi fechado após a proibição dos jogos de azar no Brasil.

Era no Palace, empreendimento que ocupa um quarteirão inteiro e que divide a Rua Chile com as ruas do Tesouro e a da Ajuda, que "as senhoras da Graça e da Barra exibiam os últimos modelos e algumas delas, as mais evoluídas, num requinte de desenvoltura, arriscavam fichas na roleta", como escreveu Jorge Amado. A ficção retrata o que foi a realidade.

Rua Chile, em Salvador — Foto: Alan Tiago Alves/G1
Rua Chile, em Salvador — Foto: Alan Tiago Alves/G1 
Antes de ser batizada de Chile, a rua onde fica o Palace já teve outros oito nomes. Virou, recentemente, protagonista do quinto livro escrito pela jornalista Gabriela Rossi. Na obra, intitulada "Rua Chile: honra e glória do comércio baiano", lançada no dia 28 de junho como parte das comemorações pelos 70 anos da Federação do Comércio da Bahia (Fecomércio-BA), a escritora conta a história do local, desde a sua origem em 1549, mesma data de fundação da capital da Bahia, até a tentativa hoje de revitalização do local. Do início do levantamento de informações até a publicação do livro, foram oito meses. A escritora se baseou em informações que colheu em jornais antigos, teses de mestrado e doutorado. Diz que o que mais a chamou a sua atenção durante o trabalho foi a prosperidade que a Bahia viveu no auge da Rua Chile. "A Bahia de outrora tinha um charme e um comércio próspero. Os costumes da época, o passeio de bonde, a cultura do estar na rua ao ar livre, diferente de hoje, que vivemos a cultura do shopping center. A rua, debruçada para a Baía de Todos-os-Santos, era símbolo da efervescência política e cultural", destacou.
Dos tempos áureos ao 'esvaziamento
'A professora de história da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Neivalda Freitas de Oliveira, que pesquisou a história da Rua Chile para o seu doutorado, diz que o traçado da rua que depois seria chamada pelo nome de Chile já estava desenhado na planta de fundação da cidade. A planta já estava pronta antes mesmo de os portugueses desembarcarem no Brasil. Segundo Neivalda, os portugueses já tinham plantas de como eles queriam que as cidades fossem e, ao chegarem em novas terras, eles aplicavam essas plantas. "Aportaram no Porto da Barra, mas acreditavam que ali era muito vulnerável ao ataque de inimigos. Escolheram, então, a parte alta da cidade, onde tinham uma visão panorâmica. Ali fundaram a cidade e foi ali onde nasceu a primeira rua, primeiro núcleo urbano", destaca. O primeiro nome da via foi Rua Direita de Santa Luzia. Essa e as demais nomenclaturas que a rua teve sempre se basearam em acontecimentos políticos ou econômicos da época, como lembra Gabriela Rossi. "O primeiro nome foi dado porque a cidade era murada e tinha duas portas, sendo uma delas a porta de Santa Luzia. Como ficava próximo, a rua ganhou esse nome. Conforme a cidade foi crescendo, ali virou o centro do governo, centro político do Brasil colonial. E o comércio foi se desenvolvendo no local, com a instalação de hotéis, lanchonetes, sorveteria, farmácia e lojas com muitos produtos importados. Com isso, a rua ganhou seu segundo nome: Rua Direita dos Mercadores, pela vocação comercial. Depois, na época do Império, também ganhou o nome de Rua Direita do Palácio, porque ali ficava a sede do governo", destaca a escritora.
Rua Chile, em Salvador, foi a primeira rua do Brasil — Foto: Reprodução/TV Bahia
Rua Chile, em Salvador, foi a primeira rua do Brasil — Foto: Reprodução/TV Bahia 
O nome de Rua Chile, conforme a historiadora Neivalda Freitas, veio somente em julho de 1902, uma homenagem do governo baiano a membros da esquadra chilena que estavam de passagem pelo Brasil por conta da morte de embaixadores do país após uma epidemia de peste bubônica. "O Rio de Janeiro era conhecido na época como o "cemitério dos estrangeiros", por conta das muitas epidemias. A embaixada chilena foi dizimada, e a esquadra do país, que estava participando da coroação do rei, passa no Brasil para buscar os caixões dos conterrâneos", conta. 

A escritora Gabriela Rossi diz que foi em função desse acontecimento trágico que a Câmara sancionou uma lei de reparação perante o Chile. A historiadora Neivalda Freitas, por sua vez, afirma que foi também uma forma encontrada pela Bahia para "se aparecer". "A Bahia, na época, não tinha tanta importância política e econômica e a recepção aos chilenos com festa foi também uma forma de se colocar como um lugar de destaque, de aparecer politicamente diante de um país que tinha a melhor esquadra, que foi o primeiro da América Latina a se urbanizar, que fazia os melhores negócios e que era o mais organizado politicamente. Foi mais de uma semana de festa", diz.

Em 1912, na época do governo de José Joaquim Seabra, 10 anos depois de ganhar o nome de Chile, a rua passou por uma reforma. Foi feito alargamento da rua e ela foi estendida até a Praça Castro Alves. Para isso, houve derrubada de prédios e até de uma igreja.


Rua Chile, em Salvador, foi fundada em 1549 — Foto: Reprodução/TV Bahia 

"Sempre foi uma rua de experimentos urbanos. Foi lá que teve a primeira linha de bonde, a primeira escada rolante, os primeiros postes de iluminação a gás, o primeiro hotel, que foi o Hotel Chile. Por isso, sempre atraiu a atividade comercial. Era um lugar do comércio de produtos mais finos, e não de produtos populares. Quem queria algo mais popular tinha que ir para a Baixa dos Sapateiros", destaca Neivalda.


No auge do comércio, a rua ditava moda, como lembra também a escritora Gabriela Rossi. A partir do final dos anos 70, no entanto, a rua foi perdendo força, sobretudo com a expansão urbana e migração do comércio mais para a região norte da cidade. "O comércio começou a ganhar força na região do Iguatemi, após a construção do shopping, e para a Avenida Tancredo Neves, que virou um novo corredor de lojas. Além disso, o governo foi transferido para o CAB [Centro Administrativo da Bahia]. Houve, assim, um esvaziamento e declínio da Rua Chile, já que a vida comercial da cidade caminhou para o outro lado", diz a escritora.

* Jornalista