quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Carnaval, que era avenida, virou cidade


Pedro Conde Tourinho*
Como serão os futuros carnavais? Baiana System ecoava essa questão, mais de dez anos atrás, nos seus primeiros registros fonográficos. Naquela época já estava claro tudo aquilot que não fazia mais sentido, mas em qual sentido a multidão seguiria?
O tempo corre no seu tempo, Exu matou um pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje, e posso dizer que aquele Carnaval sufocado entre cordas, apertado entre estruturas, parado no tempo e no trânsito, enfim, hoje, em 2023, deu seu último suspiro: morreu. O que ainda tem disso aí é a raspa do tacho, está no compasso da espera e no pós prazo de validade de velhos modelos. O futuro mostra seu caminho, e o Carnaval, que era uma avenida, virou uma uma cidade.
 A Avenida Oceânica, Barra-Ondina, deu seu primeiro tom do Carnaval 2023 com Ivete Sangalo, transmissão nacional ao vivo na Globo e em todo lugar, Gilberto Gil, prefeito Bruno Reis, governador, Rei Momo, Deusa do Ébano, Veko do Cortejo, Filhos de Gandhy, pirotecnia e multidões. E as crias da Ivete. Esquece. Nossa atual grande avenida, é energia, multidões, pipocas e camarotes, luz, câmeras e ação. O Carnaval Barra-Ondina é uma explosão anual de supernova, frisson puro, palco, pressa, a sofreguidão do Carnaval que quer sim aparecer, a fricção e a energia daquilo que não cabe mais ali, mas que também não tem pra onde ir, ninguém quer sair. Baiana System, Leo Santana, viram do avesso aquele percurso, e o Axé da água salgada e da brisa fresca da noite torna irresistível a ideia de ficar.
Salvador é maior do que um percurso, não cabe entre a Barra e a Ondina, e esse foi o convite que a prefeitura de Salvador fez esse ano: não fique só na avenida, circule pela cidade, cole no centro. Numa caminhada entre o Santo Antônio do Carmo e o Campo Grande, toda a cultura do Brasil se manifesta em cada palco, cada aparelho de som ligado, na charanga e na fanfarra, nos bloquinhos e blocões, no palco do reggae e da resistência, no padê  do Gandhy, no privilégio de ver o nascimento de uma estrela, como Melly, na consagração  todo ano renovada do Olodum, o amanhecer com o Ilê, os afros, a grande essência, o combustível primordial da nossa cultura é de matriz africana, cortejo afro chegando, a rua em combustão, cantou encantado Arto Lindsay.
E chegamos à Praça Castro Alves, à emoção das homenagens à Moraes, ao nervosismo de Baco Exu do Blues enquanto tomava de energia e rap toda a vista do poeta. Essa praça, após um longo retorno de saturno, volta ao epicentro de todo um ecossistema de alegria: encontro de trios, de pessoas, de ritmos, de amores, axés, afoxés e de vida. Eu sou o Carnaval em cada esquina, do seu coração. Moraes, Moraes, o dono da visão, o verdadeiro arquiteto de nossa festa, deixou em cada música uma pista do mapa da mina da alegria, um guia dos passos da dança, uma receita de folia que transcende qualquer planejamento urbanístico, qualquer curadoria musical. "A gente não quer ser assistido, a gente quer se assistir", ouvi no manifesto da Batekoo, que tomou o chão da praça Castro Alves, olhos negros cruéis, tentadores, da multidão sem cantor. A multidão canta, balança o chão da praça, e Salvador se irradia a partir dali.
O carnaval não cabe numa avenida, o Carnaval é a cidade. Cada esquina é uma festa, cada olhar um ritmo, cada alegria é um coração batendo mais quente. O futuro do Carnaval não está na avenida, está em cada esquina, em cada praça, bairro, bar, palco, festa, encontro, em cada risco e em cada suspiro de vida. Depois de 2 anos de dor e de perdas, parece ter ficado ainda mais claro que a alegria é um direito fundamental de todos, e que não há limites, não cabe numa avenida, Carnaval é alegria e é cultura que circula e transpira em toda a cidade, e é aí que reside o futuro do carnaval: em toda a cidade.
*Pedro Tourinho é secretário de Cultura e Turismo de Salvador. Formado em Comunicação Social, é especialista em entretenimento e mídia.
** - Artigo originalmente publicado no jornal Correio da Bahia.


Um comentário:

  1. Passei o Carnaval nos últimos 3 anos antes da pandemia em São Paulo, visitando meu filho. Lá, atualmente, já é assim, um carnaval em cada esquina, com bandinhas. O mais interessante é que estão voltando os eventos fechados, com as maiores bandas. Retornos aos bailes de antigamente.

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