sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O Mundo dá Bananas a Bolsonaro


Rui Castro*

Sabe o fim do expediente no escritório? As luzes se apagam uma a uma. O último a sair desliga a chave geral e a escuridão toma conta. É como o mundo deve estar parecendo agora para Bolsonaro. Os refletores que se acendiam à sua chegada, os pisos encerados de palácios que ele conspurcou com seus cascos, os celulares sôfregos por selfies ao seu lado, tudo virou passado. Ex-presidente com desonra, as trevas que ele impôs ao Brasil durante quatro anos chegaram à sua miserável existência.

O planeta, de repente, parece estar ficando também despovoado. Sem a faixa presidencial, Bolsonaro perdeu centenas de senadores, deputados, governadores, prefeitos e demais políticos em cuja bajulação enxergava fidelidade cega. Deve doer-lhe um dente vê-los abraçados a Lula. Claro, eles não são bobos: segundo o Datafolha, 93% foram contra a invasão dos três Poderes. Quem vai apostar num perdedor?

Como se a derrota não bastasse para o mundo lhe mostrar a língua, o já infame 8 de janeiro em Brasília faz com que Bolsonaro, indiscutível responsável pela baderna, conheça hoje a repulsa internacional. E esta não se limita à União Europeia, à OEA e aos governantes dos países democráticos em massa. Seus ex-aliados da ultradireita também o veem como "tóxico" e querem distância dele. Putin, presidente da Rússia, Netanyahu, premiê de Israel, e líderes de Itália, Polônia e Índia condenaram "as violências em Brasília" e manifestaram apoio a Lula. E, dolorosamente, nem Donald Trump se pronunciou a seu favor até agora, como se lhe desse uma banana.

O folclórico empresário Luciano Hang disse "repudiar a invasão" e, sem ser , jurou não "ter doado" [dinheiro] aos vândalos. Entre estes, aliás, pululam os "arrependidos". E até Augusto Aras dá perigosos sinais de despertar do rigor mortis que simulou na PGR.

É para Bolsonaro ficar mesmo verde de ódio e amarelo de pavor.

*Jornalista e escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Comparação Insólida


Lourenço Mueller*

Da água para o vinho é uma diferenciação apropriada entre  dois amigos, sobretudo porque um gosta muito de vinho e o outro é abstêmio, e tem até uma frase cunhada justamente sobre a água...de côco, que, diz ele, só faz mal a quem NÃO bebe.

Ambos são éticos e honestos, gostam de jogar xadrez e amam o Mar acima de quase tudo, mas aqui cessam as semelhanças. Porque as diferenças, muitas, começam na gênese.

Um deles sou eu próprio, filho de um casal de origem italiana ( Costa) e alemã ( Mueller) por parte de pai e mãe que não souberam manter as duas fortunas herdadas de meus avós, confirmando o ditado ‘avô rico, pai nobre, filho pobre’. O que herdei foi uma extrema noção de amor e orgulho pela Bahia.  

O outro é descendente de ucranianos vindos para cá durante a guerra, passaram por maus pedaços até se estabelecerem, deixando no filho uma estranha sensação de não pertencimento ao lugar:este se esforça para que os próprios filhos incorporem a baianidade completamente, o que bem fizeram. Ele reuniu variada coleção de objetos (quadros, conchas, esculturas, cartas náuticas, filmes, fotos) ao longo de suas viagens pelo mundo com um barco a vela, o ‘Três Marias’, que acabou instalando num casarão do Centro Histórico (entrou pelo telhado)e fundando o Museu do Mar, um presente para Salvador,tudo às suas próprias custas.

O primeiro,só idealiza: planos, programas, projetos, casas, prédios, conteúdos...O outro faz.

Os que me leem com frequência já deduziram quem é o outro:


É Aleixo Belov,o navegador. 

Mas por que a insólita comparação? Parce que, enquanto Belov passou esse ano de 2022 navegando no Polo Norte, entre ventos e icebergs, este escriba sentou-se diante de um laptop cerca de 8 horas diárias o ano inteiro, escrevendo uma série de 5 livros que abordam, entre assuntos diversos, as três viagens solitárias do outro resenhadas e que em breve serão publicados.

Aqui eu foco em duas ações diferentes: na corajosa aventura marítima de um e na sedentária reflexão e pesquisa do outro.

Em que isso importa? Numa espécie de alerta psico-social: o cara fora da curva versus o homem comum, eu, que nesse primeiro artigo do ano aproveito para agradecer todo o apoio às minhas iniciativas de formação de opinião através do ativismo urbanístico, entrevistas, matérias e artigos críticos ou propositivos sobre a cidade, sobre o surrealismo de um governo insano, sobre o modal bicicleta e sobre um desejo incontido de elaborar um plano diretor para a Baía de Todos os Santos, em conjunto com um Cibergrupo chamado Kirimure, há 5 anos, e quinze neste jornal, como articulista quinzenal. Mais outros tantos atemporais.  

Não tenho ídolos, sou um iconoclasta. Mas considero alguns seres como paradigmas.Para a coragem, a ousadia e a inteligência aplicadas,Belov,que completa 80 anos amanhã, é um desses.

Em Tempo: Que 2023 represente para o Brasil e sobretudo para a Bahia, esse país dentro de outro, a renovação de sua governança, nome que abrange tantas coisas tão merecidas por nós.

*Arquiteto e Urbanista, coordena o Cibergrupo KIRIMURE - Artigo publicado no jornal A Tarde, dia 08/01/23

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Aleixo Belov, 80 anos - o Grande Mestre dos Mares



Roberto Benjamim*
Você acredita que esse engenheiro baiano, nascido na Ucrânia, construiu um barco com 11 m de comprimento – o Três Marias – , no quintal de sua casa em Salvador e se lançou ao mar, em 16 de março de 1980, numa aventura que durou quatorze meses, percorreu 26 mil milhas náuticas e visitou dezessete portos, sozinho?

Pois bem, Aleixo Belov foi o primeiro velejador brasileiro a completar uma volta ao mundo em solitário, num barco à vela, numa época em que não existia o GPS (Sistema de Posicionamento Global) para navegação. Ele se valeu da navegação astronômica, usando o sextante, se orientando de dia pelo sol e à noite pelos astros. Como se vê não era uma aventura para qualquer um…

Navegar é preciso!


Sua primeira volta ao mundo precisou de muito planejamento, organização, experiência mas, sobretudo coragem. Ele mesmo conta que a viagem foi cheia de emoções e muitos riscos. Ao regressar a Salvador 14 meses depois, Aleixo recebeu um Diploma da Marinha brasileira e escreveu A Volta ao Mundo em Solitário, seu primeiro livro, contando com detalhes essa aventura pelos mares do mundo.

Tendo apreciado a viagem de barco por tantos portos e mares e, se saído muito bem dessa primeira expedição, Aleixo ainda deu mais duas voltas ao mundo em solitário: uma em 1986 e outra em 2000 que ele descreve nos seus livros. E não parou quieto.

Em 2010 surpreendeu novamente, realizando um novo sonho: construiu outro barco, desta vez de aço – o veleiro-escola Fraternidade -, bem maior que o primeiro e, lá se foi para mais uma volta ao mundo, desta vez levando a bordo jovens brasileiros, selecionados num concurso nacional, para ensinar-lhes a arte da navegação e o gosto pelo mar.

Aleixo partiu para sua primeira viagem como engenheiro e velejador na busca de entender o sentido da vida e seus limites.


Em 2013 quando, zarpando mais uma vez de sua amada Salvador, fez uma viagem de cinco meses à Antártida – a bordo do Fraternidade – acompanhado por nove tripulantes. Uma aventura e tanto, com travessias perigosas e paisagens incríveis daquele mundo gelado, misterioso, belo e pouco conhecido.

A Passagem Noroeste

A sua última jornada a bordo do veleiro Fraternidade teve início em 5 de fevereiro de 2022, quando saiu da capital baiana determinado a realizar a travessia da Passagem Noroeste, entre o Alaska e a Groenlândia. Desde então, a tripulação passou por Natal, no Rio Grande do Norte, no litoral brasileiro, e pelo Caribe, Panamá, Havaí, Canadá, Alaska, Groelândia e no arquipélago de Açores, um território autônomo de Portugal, antes de retornar às águas brasileiras. Já aqui no Brasil, a embarcação ficará alguns dias em Natal para trâmites legais de retorno ao país, vindo, em seguida, para a Bahia.

Ao longo da viagem, a equipe superou desafios, como os ventos fortes entre Panamá e Havaí, além dos riscos de colisão com os grandes navios na passagem pelo canal que liga o Atlântico ao Pacífico, uma das rotas comerciais mais importantes do mundo. “Tudo tremia (com o vento) e metia medo que os panos não aguentassem e fomos obrigados a apelar para os rizos (redução de vela). Estávamos meio esquecidos desta manobra, mas deu tudo certo. A maior preocupação era com os navios, para evitar que um deles passasse por cima da gente”, relatou o comandante.


Belov ainda narrou sobre outras adversidades ao chegar às águas geladas do Ártico: “Saímos bem, atravessamos o Estreito de Bering, vendo, ao mesmo tempo, o Alaska por boreste e a Sibéria por bombordo. Já sabíamos que lá na frente, em Barrow, estava tudo fechado de gelo, mas fomos seguindo, confiando que o gelo ia terminar por derreter. Durante a última semana (no início de agosto), vínhamos pegando a carta de gelo pela internet e o degelo estava avançando. Mas, para nossa surpresa, depois que saímos, o degelo deu um retrocesso. O vento norte empurrou o gelo para o sul e piorou ainda mais o que já não estava bom”.

Ele acrescentou que, em determinados momentos, o veleiro teve que ficar preso a um bloco de gelo à deriva, esperando uma brecha no mar congelado para seguir adiante, o que, felizmente, aconteceu, possibilitando que o desafio de atravessar a Passagem Noroeste fosse alcançado, com sucesso, em setembro deste ano.

* Roberto Benjamim  é Engenheiro Civil. Foi aluno de Aleixo Belov na Escola Politécnica.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

O Maior Erro da Nossa História


Rudolfo Lago*

Desde o primeiro momento da opção por Bolsonaro em 2018 até o lance final do seu embarque para Orlando, onde se hospeda na casa de um lutador de MMA que tem um quarto decorado de mínions (a piada pronta é o traço cultural brasileiro mais característico), tudo o que se refere a essa escolha é baseado no erro. Bolsonaro nunca foi o que os brasileiros enxergaram nele. Começou e terminou não sendo. Na cabeça dos bolsonaristas, Bolsonaro era o militar que colocaria ordem na casa e terminaria com a bagunça da era petista. Na vida real, Bolsonaro quando se elegeu presidente não era militar há 30 anos. E tinha deixado o Exército após diversos lances de indisciplina. Ficou 15 dias preso depois que escreveu um artigo para a revista Veja (sim, essa revista calhorda da imprensa comunista) reclamando de salário. Depois, participou de uma trama para colocar bombas em quarteis, a Operação Beco sem Saída, com o objetivo de fazer as mesmas reclamações salariais e desestabilizar o comando do Exército. Bolsonaro chegou a ser condenado pelo Conselho de Justificação Militar (CJM), mas acabou ao final absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM). Mas foi para a reserva em 1988. Ou seja, nem militar nem o mais qualificado para colocar ordem na casa. Na cabeça dos bolsonaristas, Bolsonaro poria fim à corrupção do PT e do seu presidente “presidiário”. Vimos no parágrafo acima que prisão era algo que também fazia parte da experiência de Bolsonaro. E denúncias de uso indevido de dinheiro público na prática de rachadinhas, funcionários fantasmas, já povoavam a campanha de Bolsonaro e de seus filhos antes das eleições de 2018. Depois, durante o governo, estouraram escândalos de corrupção no Ministério da Educação e suspeitas em negociações para a compra de vacinas no Ministério da Saúde. Na cabeça dos bolsonaristas, Bolsonaro joga dentro “das quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro passou quatro anos fazendo ensaios de afronta à Constituição. Na verdade, todas as atitudes mais duras tomadas pelo Judiciário, especialmente pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, são reações a essas tentativas de ultrapassar as “quatro linhas da Constituição”. Na verdade, o que os bolsonaristas pedem nas portas dos quarteis fere de morte as “quatro linhas da Constituição”. Não há uma vírgula da Constituição que justifique os atos terroristas acontecidos no dia da diplomação de Lula como presidente e a tentativa de explodir uma bomba próxima ao Aeroporto de Brasília na véspera do Natal. Na cabeça dos bolsonaristas, o país deveria “passar a boiada” na legislação ambiental porque, desmatando mais, abriria mais espaço para a agricultura e a pecuária e, assim, cresceria mais economicamente. O Brasil perdeu negócios no mundo. Importadores pararam de comprar produtos agrícolas brasileiros pela falta de garantias de proteção ambiental na sua produção. Regras e legislações foram endurecidas. O país perdeu recursos do Fundo Amazônia. Na cabeça dos bolsonaristas, a covid-19 era uma “gripezinha”, para a qual a vacina nada servia e que podia ser curada com o uso de cloroquina. Não foram poucos os que morreram acreditando nessa lorota. Bolsonaro decretou sigilo de 100 anos para a sua caderneta de vacinação. Até mesmo um aliado de Bolsonaro, o governador Ibaneis Rocha, declarou, em uma entrevista acreditar que Bolsonaro tinha tomado a vacina embora dissesse que não. Na cabeça dos bolsonaristas, Bolsonaro surgiria, enfim, para evitar a volta de Lula e do PT ao poder. Bolsonaro perdeu as eleições. E, na verdade, nunca de fato tentou contestar o seu resultado. Deixou a ensandecida trupe bolsonarista tomando chuva em frente aos quarteis enquanto embarcou para a mansão do lutador de MMA para o seu confortável autoexílio. Foram quatro anos em que o Brasil pareceu viver no mundo de “1984”, o romance de George Orwell, onde todos os sinais eram trocados. O Ministério da Paz promovia a guerra. O Ministério da Verdade tratava de propagar a mentira. Certamente, durante ainda algum tempo muitos não conseguirão sair desse transe coletivo em que entraram. Seguirão enxergando sinais onde sinais não existem. Esperando por 72 horas que se tornarão cem horas e depois mil. Aos poucos, porém, o Brasil retornará à normalidade. E as feridas dos quatro anos em que convivemos com o maior dos nossos erros serão uma cicatriz. Que seja larga, feia e visível para que para sempre nós possamos olhá-la e nos lembrarmos dela.

* Artigo publicado no CONGRESSO EM FOCO