sábado, 30 de abril de 2022

Cidade Baixa - caminhando com a história

Paulo Segundo da Costa* A Cidade Baixa tem forte ligação com a história da fundação da Cidade do Salvador e seu desenvolvimento. No Bairro da Praia, depois Conceição da Praia, situado no sopé da escarpa, foram levantadas as primeiras e precárias instalações para a construção da cidade. Inicialmente, uma estreita faixa de praia, com cerca de 20 braças portuguesas (44 metros) de largura, que se estendia até as cercanias do pequeno morro onde o Poder Municipal, em 1756, autorizou o desmonte da encosta rochosa para a construção da igreja de Nossa Senhora do Pilar. A 29 de março de 1549, Thomé de Souza e seus auxiliares desembarcaram na Vila Velha, atual Bairro da Barra. Em abril, após escolher o local onde seria fundada a capital da colônia, sua esquadra deslocou-se para a área onde daria inicio à construção da Cidade do Salvador. Essa área corresponde ao atual Bairro do Comércio, na Cidade Baixa. Ali, na praia, Thomé de Souza mandou construir uma pequena capela para onde trasladou, da Nau N. S. da Conceição, a imagem da Santa de sua devoção, que trouxera de Lisboa. No século XVII, no mesmo local da primitiva capela, foi erigida a Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia, cuja festa é celebrada no dia oito de dezembro, com enorme afluência popular. Também ali foram construídos os barracões para abrigar operários e guardar ferramentas (pás, picaretas, facões, machados, etc.), que vieram de Portugal, para a edificação da cidade. O português Gabriel Soares de Souza informa, em 1584, que o primeiro lugar analisado por Thomé de Souza, Luiz Dias e demais componentes de sua equipe de governo para localizar a cidade em Itapagipe. Diz ele: “Quando se fundou a cidade, houve parecer para que ali ela fosse edificada, por ficar mais segura e melhor assentada e muito forte, a qual está norte e sul com a ponta do Padrão”, parecer que não prosperou. O local escolhido corresponde aos atuais Bairros da Sé, na Cidade Alta e da Conceição da Praia, na Cidade Baixa. O Professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Marcos Paraguassú, no estudo que fez dos Bairros da Conceição e do Pilar, diz: "Entre o pé da ladeira da Conceição e o da ladeira da Preguiça, a beira mar, estendia-se o varadouro, onde as embarcações eram querenadas, isto é, colocadas no seco e sobre suporte de madeira, os seus cascos eram raspados e limpos da sujeira marinha. Esta área perece ter sido mais tarde ocupada por estaleiros: os estaleiros da Preguiça". Ao decidir pela fundação da Cidade do Salvador, a Coroa Portuguesa tinha o objetivo de centralizar a administração da colônia em um governo geral, e dispor de um porto de apoio às naus portuguesas que se dirigiam à Índia, no comércio com aquele longínquo país. Na praia da Preguiça ocorreu o primeiro aterro do mar. O engenheiro Odilon Franco Sobrinho, em 6 de agosto de1941, informou: “Na marinha da Cidade Baixa, onde por muito tempo não havia mais que uma rua, a chamada da Praia ou Direita da Praia, apertada entre o mar e as penedias da montanha, começou-se, em 1701, o primeiro trecho de cais, requerido e executado por Francisco Pina, que o construiu na testada de seu prédio(...); outros moradores em breve os imitaram. Os Padres Jesuítas também tinham o seu, para seu uso particular, e com o auxílio dele elevaram do cais para o alto, as grande pedras de mármore lavrado, que vieram de Lisboa para a monumental igreja do seu colégio, no Terreiro de Jesus, na Cidade Alta”. (carta ao Diretor do Patrimônio da União) O historiador Antônio Risério escreveu: “As últimas décadas do Século XVI foram um período de expansão e de enriquecimento (...). A Cidade da Bahia recebeu, logo depois de construída, fortes injeções para o seu desenvolvimento. Em 1550 e 1551, por exemplo, o rei de Portugal enviou duas armadas até à Bahia, conduzindo gente e mantimento. Além disso, houve o chamado “incentivo fiscal”. D. João III assinou um alvará determinando que as pessoas que passassem a morar na Cidade da Bahia, ficariam isentas de impostos – por três anos, os lavradores; por cinco anos, os artífices”. (Uma História da Cidade da Bahia, p. 81). A primeira indústria naval do Brasil foi instalada na Ribeira das Naus, na Cidade Baixa para a construção do “tipo de navegação dominante na ocasião” (Prof Américo Simas Filho). O Bairro do Comércio desenvolveu-se para o norte, ao longo da faixa marítima, ocupando o espaço criado com os aterros do mar, onde foram construídas ruas e cais de atracação de embarcações. Do começo de 1701 até o final de 1900 foram aterradas no mar da Cidade Baixa 194.6002 m2. Nesses 300 anos os aterros foram progressivos: no século XVI, 7.0002 m2; no século XVII, 23.7002 m2; no século XVIII, 66.3002 m2; no século XIX, 97.6002 m2, segundo pesquisas do Professor Carlos Paraguassú. A última área aterrada foi a da região de Águas de Meninos, onde, no começo do século XX, foi instalada a grande feira livre da cidade, conhecida como Feira de São Joaquim. No governo do Conde dos Arcos (Dom Fernando de Noronha e Brito), entre 1810 e 1818, foram introduzidos vários melhoramentos no Bairro do Comércio: aberturas de ruas e praças; construção de prédios destinados à administração pública e o prédio da Associação Comercial da Bahia, projetado pelo arquiteto militar Fidié, inaugurado em 1911. Esses melhoramentos se estenderam até a península de Itapagipe, sobretudo com a construção da Avenida dos Dendezeiros - atual Avenida do Bomfim - proporcionando acesso terrestre àquele bairro, já que, naquele tempo, o acesso só era possível por meio de pequenos barcos ou a pé pela praia. No governo do Presidente Rodrigues Alves, J. J. Seabra, Ministro da Justiça e do Interior, representava a Bahia no governo federal. Nessa condição conseguiu recursos para iniciar a construção do porto da Cidade Baixa e outros melhoramentos, inclusive a abertura da Avenida da Jiquitaia, inaugurada em 1906. O Bairro do Comércio, até o meado do século XX era o principal centro comercial e financeiro da Cidade do Salvador, deslocado em grande parte, nos anos 1970, para a região do Iguatemi, na Cidade Alta. Desenvolveu-se para o norte até atingir a Península de Itapagipe. Até o século XIX, quando surgiu o transporte ferroviário, o principal meio de transporte era o marítimo. Para atender à crescente demanda do comércio era indispensável haver meios e condições que possibilitassem o tráfego com Lisboa e as cidades portuguesas da costa da África e da Índia. A solução era, cada vez mais, aterrar o mar. Cais e trapiches foram construídos, até tomar a atual configuração, inclusive o atual porto de Salvador, cujo primeiro trecho, com 400 metros de extensão, foi inaugurado pelo Governador J. J. Seabra, no dia 13 de maio de 1913. No primeiro Governo de J. J. Seabra (1912-1916) outros importantes melhoramentos foram realizados no Bairro do Comércio: reurbanização de toda sua área; sistema de esgotamento sanitário (projetado e construído pelo engenheiro Teodoro Sampaio); criação da Praça Cairú, com a instalação do busto do Visconde, reformulação da antiga Praça São João, com a ampliação de seu espaço, transformando-a na Praça da Inglaterra, onde, depois, foi erigido o busto de Seabra. Há muito tempo, o intercambio da Cidade Baixa com a Cidade Alta exigia novo meio de transporte dos transeuntes. O empresário Antônio de Lacerda, para atender a essa exigência, construiu o primeiro elevador mecânico da América Latina: o “Elevador Hidráulico da Conceição”, inaugurado no dia 8 de dezembro de 1871. O sistema mecânico que movia as cabinas para subir e descer era constituído de parafusos helicoidais; por isso o povo apelidou aquele elevador de Parafuso. Dizia “vou subir (ou descer) pelo Parafuso”. Esse elevador foi substituído pelo atual, com uma torre de 74 metros e passadiço de 28 metros de comprimento, inaugurado em 7 de setembro de 1930. O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia sugeriu ao Governo Municipal que esse elevador passasse a se chamar Elevador Antônio de Lacerda. O Elevador Lacerda tornou-se o principal ícone de Salvador. O transporte de mercadorias e de gente da Cidade Baixa para a cidade Alta, e vice-versa, era feito pelas ladeiras: da Preguiça, da Misericórdia e do Taboão. No século XVII, os padres jesuítas instalaram um rudimentar guindaste entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta por onde transportavam mercadorias, cobrando dos interessados pelo transporte. Esse guindaste, no século XIX, foi substituído pelo atual Plano Inclinado, e a rua que lhe dá acesso ainda hoje é chamada Rua do Guindaste dos Padres. No século XVI, na encosta da montanha havia uma íngreme escadaria ligando o sopé da montanha, no Bairro da Praia, com a Praça do Palácio, na Cidade Alta, escada ainda existente em grande parte, construída em alvenaria de pedra. Na Cidade Baixa, quem percorrer o trecho entre Itapagipe (Ponta de Humaitá) e a Igreja da Conceição da Praia andará cerca de 8 quilômetros margeando o lago K i r y m u r é (Paraguassú) dos índios tupinambás. Esse lago, no dia 1º de novembro de 1501, foi denominado de Baia de Todos os Santos, pelo navegador Américo Vespúcio. Américo Vespúcio fazia parte da expedição que saíra de Lisboa no dia 13 de maio de 1501, comandada por Gaspar de Lemos, com o objetivo de reconhecer o litoral brasileiro e o demarcar como colônia da Coroa Portuguesa. Itapagipe foi sesmaria doada por Thomé de Sousa, em 1550, ao seu filho bastardo, e protegido, Garcia d’Avila, que ali começou o criatório de gado (vindo de Cabo Verde) e estabeleceu duas olarias para fornecer telha e tijolo aos construtores da recém fundada Cidade do Salvador, nome esse que lhe fora dado pelo rei D. João III, tendo em vista colocá-la sob a proteção do Divino Salvador. Saindo da Ponta de Humaitá em direção à Boa Viagem sobe-se uma ladeira; na direita existiu o Fortim onde, entre maio de 1624 e abril de 1625, estiveram aquartelados os holandeses que invadiram a Bahia. Esse Fortim foi demolido em 1538 e reconstruído, entre 1583 e 1587, sob a denominação de Forte de São Filipe. Reformado entre os anos de 1591/1602 recebeu o atual nome de Forte de Monte Serrat. No Largo da Boa Viagem existe a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem e Senhor Bom Jesus dos Navegantes, construída entre 1712/1714. Em suas dependências fica guardada a imagem de Bom Jesus dos Navegantes. No final do mês de dezembro, esta imagem é levada à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, de onde retorna pela manhã do dia primeiro de janeiro à Igreja da Boa Viagem na procissão marítima de Nosso Senhor dos Navegantes. Nesse dia ocorre uma das mais bonitas festas do calendário baiano. A Galeota Gratidão do Povo na manhã do dia primeiro de janeiro de cada ano sai do cais do Segundo Comando Naval - que fica em frente da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia - acompanhada de inúmeras embarcações (saveiros, lanchas, navios de menor porte, ferry-boat etc.) que usam a Baía de Todos os Santos como via de transporte). Geralmente a imagem de Bom Jesus dos Navegantes chega à praia da Boa Viagem por volta das 13h sob aplausos da multidão que a espera, quando se inicia a festa no Largo da Boa Viagem, a primeira do ano. Em Salvador, todos os anos, as festas populares têm início nesse dia e se estendem até a quarta-feira da semana do carnaval. Seguindo para a Calçada ingressa-se na Avenida Luiz Tarquínio. No lado direito fica o prédio da primeira fábrica de tecelagem do Nordeste e à esquerda a primeira Vila Operária do Brasil, ambas construídas no começo do século XX pelo industrial baiano Luiz Tarquínio. No final dessa avenida, no lado da baía, está o antigo Asilo de Mendicidade, atual Abrigo D. Pedro II, fundado em 1862. No Largo da Calçada situa-se a Estação Ferroviária, construída no século XIX. Dessa Estação seguiram as tropas do Exército para a Estação Ferroviária de Queimadas de onde foram para Canudos, combater Antônio Conselheiro e seus adeptos na Vila de Bom Jesus do Belo Monte, totalmente destruída em 5 de outubro de 1897, quando foi morto o Conselheiro. No início da Avenida Frederico Pontes, lado direito, existiu o Forte da Jequitaia. Em frente ao prédio da Petrobrás, no sopé da encosta, está o Asilo dos Órfãos de São Joaquim, ali instalado em 1818, em prédio construído pelos padres jesuítas (inaugurado em 1728), para o Noviciado da Anunciação. Em 1823, quando as tropas portuguesas do General Madeira foram derrotadas na luta pela independência da Bahia, o embarque para Portugal ocorreu na praia do Noviciado, isto é, em Água de Meninos. Esse nome se deve ao fato de ser ali que os meninos do Noviciado dos Jesuítas tomavam banho. Prosseguindo na direção à Igreja da Conceição da Praia passa-se ao lado do Forte de Santo Alberto (também conhecido como Forte da Lagartixa), situado na Avenida Frederico Pontes (antiga Av. Jiquitaia). Nesse Forte os holandeses estiveram aquartelados em 1624. Nas suas imediações, a 17 de julho de 1624, foi morto o Coronel Van Dorth, governador da Cidade, pelos patriotas baianos, inconformados com a ocupação da Bahia pelos holandeses. Van Dort foi sucedido pelo general Albert Schouten. Esses invasores foram expulsos da Bahia em 30 de abril de 1625. Como se viu, a cidade que nascia ali que deu seus primeiros passos e ali também nasceu a industria naval do Brasil. Diz o professor Américo Simas Filho: “Na Ribeira das Naus de Salvador, estabelecida no Bairro da Praia, perto de igreja construída por Tomé de Sousa, de logo funcionou o embrião que se desenvolveria a ponto de se tornar o mais importante centro de construção naval do Brasil no século XIX”. O núcleo básico da Cidade Baixa desenvolveu-se a ponto de se tornar o mais importante centro comercial e financeiro da Bahia até o último quartel do século XX, quando, então, entrou em lamentável processo de degradação. Felizmente, agora, está sendo recuperado; ali já funcionam a Justiça do Trabalho, Escolas de Ensino Superior, hotéis de cinco estrelas e outros empreendimentos que concorrem para sua recuperação. *Paulo Segundo da Costa engenheiro civil pela Escola Politécnica da UFBA; ex-Secretário de Urbanismo e Obras Públicas da Cidade do Salvador; membro fundador da Academia de Letras e Artes do Salvador – ALAS, titular da cadeira 18 que tem como patrono o urbanista Mário Leal Ferreira; sócio permanente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia; membro permanente do Instituto Genealógico da Bahia. Tem três livros publicados sobre a história da Santa Casa da Bahia e a biografia do ex-Governador da Bahia, sob o título de “Octávio Mangabeira – Democrata Irredutível”.

Mercado Modelo - origem

No início do século 20, a estrutura do bairro do Comércio de Salvador foi bastante modificada com a ampliação do Porto e seus aterros. Antes existiam alguns centros comerciais, com seus próprios cais. Com o novo Porto, esses cais foram desativados. O Mercado Modelo começou a ser construído em 1911, em um local que pertencia a Marinha, ao lado da Praça Cayru. Foi inaugurado em 9 de dezembro de 1912, com cerca de 2.400 m² (40m x 60m), ainda seu a sua famosa Rampa. Foi construído pela Companhia Cessionária do Porto da Bahia. Mas houve outras inaugurações, como indicaram jornais da época: uma em maio de 1913 e outra em janeiro de 1914. O Mercado tinha estrutura metálica com marquises, telhado com três níveis, permitindo boa ventilação e iluminação natural, e cobertura de zinco. Tornou-se o principal centro de abastecimento da Cidade, comercializava-se principalmente gêneros alimentícios, mas se vendia de tudo. Em 3 dezembro de 1913, o jornal Gazeta de Noticias publicou uma reportagem sobre os altos alugueis cobrados pelos cômodos do Mercado, pela Prefeitura. Essa arquitetura, em estilo industrial, não agradou muito aos baianos. Em agosto de 1915, a Intendência Municipal abriu concorrência para sua reforma e ampliação. A única proposta foi a dos engenheiros Filinto Santoro e Portella Passos, que foram contratados. O Mercado Modelo ganhou, então, sua conhecida arquitetura, em estilo eclético. Ao que parece, tratou-se de uma fachada que envolveu a estrutura existente de 1912. Com o tempo, o Mercado Modelo transformou-se em referência cultural da Cidade. Lá vendiam-se todos os ingredientes da culinária baiana, existiam frequentes rodas de capoeira e ouviam-se todos os ritmos musicais dessa Terra. Escritores, pintores e outros artistas inspiravam-se no local. Em 1917, o Mercado sofreu o primeiro incêndio, com danos parciais. Em 1922, um segundo incêndio destruiu grande parte de sua estrutura. Um terceiro incêndio ocorreu em 1943, com danos parciais. Em 1º de agosto de 1969, ocorreu o último incêndio, que destruiu completamente o antigo Mercado Modelo. Em dois de fevereiro de 1971, um novo Mercado Modelo foi inaugurado no antigo prédio da Alfândega. Seu comércio, entretanto, passou a ser principalmente o artesanato e lembranças da Bahia para turistas.
Reforma e ampliação do Mercado Modelo Em 1913, Filinto Santoro se transfere para Salvador. O primeiro trabalho desenvolvido pelo engenheiro napolitano em terras baianas é a reformulação do Mercado Modelo . O Mercado Modelo havia sido originalmente construído entre 1911 e 1912, como parte das obras do porto sob a responsabilidade da Companhia Docas e Melhoramentos da Bahia: Tratava-se de um edifício retangular, medindo, aproximadamente, 40x60 m, envolvido por marquises. Estrutura metálica, importada, com cobertura, constituída por três telhados superpostos, de modo a permitir boa ventilação e iluminação naturais, este edifício foi, provavelmente, o primeiro edifício inteiramente metálico montado na Bahia. Como “a simplicidade de sua forma geométrica e o material empregado – perfis metálicos e chapas de zinco – não causaram boa impressão” e “o primeiro exemplar de arquitetura industrial não foi bem aceito na capital barroca do país” (loc. cit.), em 12 de agosto de 1915 a Intendência Municipal abriu uma concorrência para ampliação e reforma do mercado. Foi apresentada uma única proposta, dos engenheiros Filinto Santoro e Portella Passos, que foram consequentemente contratados para realizar a intervenção. Os anexos previstos na concorrência, que deveriam ampliar a área do mercado em 900,00 m2 e incluíam um pavilhão especial para as “sentinas” e um novo “hangar” para as feiras exteriores, não foram jamais construídos. O que de fato foi executado segundo o projeto de Santoro foi um anel periférico, constituído de 55 lojas voltadas para o exterior, e fechado por uma fachada de cimento armado aposta ao edifício em estrutura metálica existente. Esta fachada possuía dez portões de acesso ao grande espaço central do mercado, sendo três em cada uma das fachadas principais e dois em cada uma das fachadas laterais. Os dois maiores portões, localizados no eixo central das fachadas principais, tinham tratamento monumental em arco do triunfo. Destacavam-se na volumetria deste anel periférico os seis torreões, “com janelas de oxímez, cada qual ocupando a área de três lojas”. Certamente as experiências prévias de Santoro nos projetos do Mercado Municipal de Manaus e do Mercado de São Braz em Belém lhe foram úteis na elaboração deste projeto. Apesar do Mercado Modelo ter passado por dois grandes incêndios em 1922 e 1943, foi a configuração dada por Santoro que ele conservou até a sua destruição total por um suspeito incêndio no dia 1º de agosto de 1969

segunda-feira, 18 de abril de 2022

REFLEXÃO PARA OS TEMPOS ATUAIS


Domenico de Masi*

“Neste momento, vocês estão nas mãos de um ditador”, disse ele, argumentando que Mussolini, Hitler e Erdogan também foram eleitos. 

“Esta ditadura reduz a inteligência coletiva do Brasil. Durante esta pandemia, Bolsonaro se comportou como uma criança, de um jeito maluco. Ou seja, o ditador conseguiu impor um comportamento idiota em um país muito inteligente. Porque é isso que fazem as ditaduras”. Este me parece um fato tão óbvio que às vezes nos passa despercebido. Quando o país é comandado por pessoas tão tacanhas, a tendência é o rebaixamento geral do nível cognitivo da sua população.  É fácil entender por quê. Sob Bolsonaro, Damares, Araújo, Pazuello, Salles, Guedes & Cia, vemo-nos obrigados a retomar debates passados, alguns situados na Idade Média, ou no século 19, como se fossem novidades. Terraplanismo, resistência à vacinação e a medidas básicas de segurança sanitária, pautas morais entendidas como questões de Estado, descaso com o meio ambiente, tudo isso remete a um passado que considerávamos longínquo.  Quando entramos nesse tipo de debate entre nós, ou com as “autoridades”, é como se voltássemos da pós-graduação às primeiras letras do curso elementar. Somos forçados a recapitular consensos estabelecidos há décadas, como se nada tivéssemos aprendido. É como forçar cientistas a provar de novo a esfericidade da Terra ou a demonstrar eficácia da vacinação. Ou defender, outra vez, a necessária separação entre Igreja e Estado, mais de 230 anos depois da Revolução Francesa.  É muita regressão e ela nos atinge. De repente, nos surpreendemos discutindo o óbvio, gastando tempo com temas batidos e desperdiçando energia arrombando portas abertas séculos atrás na história da humanidade.  À parte a necessária luta política para nos livrarmos o quanto antes dessa gente, entendo que existe uma luta particular e que depende de cada um de nós: a luta para não emburrecer. Manter a lucidez e a inteligência através da leitura de bons autores e da escrita. Manter viva a sensibilidade pela conversa com pessoas normais e pela boa música. Assistir a bons filmes para contrabalançar a barbárie proposta pela vida diária e pelas redes sociais.  Enfim, mantermo-nos íntegros e fortes para a reconstrução futura do país. Não podemos ser como eles. Não devemos imitá-los em sua violência cega. Não podemos nos deixar contaminar por sua estupidez. Eles passarão. E estaremos aqui, para recomeçar. Provavelmente, o que leva a esse rebaixamento é ódio e ressentimento por levar as pessoas a se sentirem, no fundo, perdedoras (é o caso de todos os bolsonaristas que conheci mais de perto) e ter de encontrar bodes expiatórios para culpá-los. A cultura competitiva, que estabelece, com critérios perniciosos, o que é ter sucesso, faz com que quem entra nesse jogo perverso, sinta-se, no final das contas, sempre um perdedor". * Professor emérito de sociologia do trabalho na Universidade La Sapienza, de Roma, Domenico De Masi é referência internacional em estudos sobre a sociologia do trabalho.

sábado, 16 de abril de 2022

A CIDADE DOS CUPINS


Paulo Ormindo de Azevedo*

Salvadolores vista do alto parece um assoalho esburacado cheio de caminhos cobertos por onde circulam milhares de cupins operários em busca de alimento e trabalho. Não há cidade no mundo com tantos viadutos e elevados. Há passarelas quilométricas e apinhadas de acesso ao trem suburbano e outras por onde não passa ninguém. A prioridade não é o cidadão, é o condutor solitário de um veiculo ultrapassado.  Política desastrada de sucessivas administrações municipais.Brasília foi uma cidade projetada para o carro, com trevos em todos os cruzamentos. Logo apareceram os semáforos. O Eng. Cristovam Buarque, que governou a cidade entre 1995 e 1998, baixou uma lei que bastava um pedestre colocar o pé no asfalto e os carros paravam. A cidade não parou, se humanizou. Salvador hoje é o contrario, é uma autopista em que os carros não param nem para um deficiente. Concebidas pelo arquiteto Lelé para ligar cumeadas numa cidade com vales profundos, as passarelas foram transformadas em substitutos dos semáforos. Em qualquer cidade civilizada do mundo, o trafego veicular é intermitente ao ritmo dos semáforos, o que não impede de ter ondas verde de fluxo continuo de veículos. Nelas, pedestres podem atravessar cômoda e seguramente a rua sem precisar se arriscar a ser atropelado ou ter que subir em um poleiro a 5 m. de altura para cruzar uma rua. A novidade de Salvadolores é uma autopista tobogã cuja primeira etapa já está engarrafada. Nenhuma cidade brasileira faz mais minhocões, que só ligam dois pontos engarrafados. Nossos administradores não entendem que quanto mais facilidade se der ao carro mais aumenta a frota e os engarrafamentos. Para sua realização, os cupins-reais, que abrem os caminhos, destruíram canteiros centrais, cortaram milhares de árvores, mataram os pássaros, cobriram rios e impermeabilizaram o solo de numa cidade que não resiste às chuvas. Invenção curitibana dos anos 60, quando os ônibus tinham assoalhos altos e não existia o cartão tíquete, o BRT atrasado de Salvador não incorporou nenhuma das flexibilisações por que passou o modal. Continua com gaiolas fechadas e pista bloqueadas por muretas de concreto. Decidido sem ouvir o contraditório técnico, está sendo iniciado uma segunda etapa do malfadado projeto, com os mesmos impactos ambientais e urbanos. Tudo escondidinho por taipais para não se ver a devastação do meio ambiente. Protestos da comunidade quando do inicio das obras foram reprimidos pelas autoridades. Há uma diferença entre a sociedade humana e a geneticamente estratificada dos insetos, como as saúvas e os cupins. O cidadão não pode ser considerado um pária sem direitos, nem voz, que só atrapalha o tráfego. Os viadutos e passarelas se transformaram em instrumento de descriminação social, a ditadura do pneu faixa branca sobre o pé de chinelo Havaiana.>SSA: A Tarde de 17/04/2022

*ARQUITETO E PROFESSOR TITULAR DA UFBA