Adinoel da Mota Maia*
Ainda repercutindo a realização do II Fórum Internacional Sobre Gestão de Baías, na Associação Comercial da Bahia, no último dia 8 - tão largas foram as perspectivas suscitadas pelos diversos oradores referentes à Baía de Todos os Santos como sede da Amazônia Azul - não resistimos ao apelo da razão para fazer questionamentos básicos sobre falsas premissas que precisam ser afastadas, sob pena de se construir sobre terreno.
Parece-nos evidente que é necessário rever a aceitação, oficial, de que a barra da BTS seja a reta que liga a Ponta de Santo Antônio (Farol da Barra) à Ponta do Garcez, ao sul da ilha de Itaparica. Os portugueses que a descobriram determinaram o hoje rio Una – antigo Tiñaré, para os índios de então – como limite entre as capitanias de Ilhéus e da BTS, assim defininido sua barra entre a foz daquele rio e a Ponta de Santo Antonio (Salvador). Protegeram essa barra com a construção de fortalezas no Morro de São Paulo e na Ponta de Santo Antonio (Farol da Barra), como sempre o faziam para defender a boca das baías e a foz dos rios. Outra observação revela o hábito de se considerar os sacos ou portos naturais de Aratu e de Iguape, dentro da BTS, como sendo baías dentro de uma baía (assim está em muitos mapas). É evidente que não se pode ter uma ou mais baías dentro de uma baía.
Pode-se ter, sim, baías dentro de um golfo, mas a BTS não é um golfo. Em verdade, temos um golfo, sim – propomos que seja chamado de Golfo da Bahia - formado pelas baías de Todos os Santos, de Cairu e de Camamu – resultante de um afundamento, único, desse maciço geológico, há milhões de anos, e jamais analisado como tal pelos nossos geógrafos. Um golfo tem sua boca bem maior que sua dimensão frente-a-fundo, de modo que jamais deve ser dito que a BTS é um.
Finalmente, temos de rever a data da descoberta da BTS, hoje oficialmente aceita como em 1° de novembro de 1501, por Gonçalo Coelho, como capitão-mór, à frente do navegador contratado Amerigo Vespucci no comando de outra nau e de um desconhecido na terceira nau. Não se tem relacionado essa descoberta com a do Brasil, em 1500. Parece-nos evidente que Gaspar de Lemos, enviado por Cabral, em Porto Seguro, de volta a Portugal, tinha duas missões: a de informar ao Rei da descoberta de uma “ilha” (Vera Cruz) e a de determinar o seu tamanho, medindo, no regresso a Lisboa, as latitudes do que fosse visto e anotado, principalmente a do lugar da extremidade norte daquela terra. Para isso, teria de bordejar a costa.
Com esse procedimento, inevitável, Gaspar de Lemos foi descobrindo muitos acidentes geográficos, entre os quais, poucos dias após deixar Porto Seguro, a Baía de Todos os Santos. Onde hoje está o Rio Grande do Norte, anotou ser o fim da “ilha” e tomou rumo direto para Lisboa. O rei D. Manuel determinou a volta imediata com uma expedição, exploratória, sendo, provavelmente, Gaspar de Lemos o seu capitão-mór. Assim, em verdade, quem descobriu a BTS, o Rio São Francisco e tudo mais entre Porto Seguro e o Rio Grande do Norte foi ele, em maio de 1500. A expedição de 1501 apenas deu-lhes nome, conforme o santo do dia em que passava por tais acidentes geográficos.
*Adinoel Mota Maia é professor do Departamento de Transportes da Escola Politécnica da Ufba e membro do Instituto Politécnico da Bahia, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e do Gabinete Português de Leitura. Autor, entre outras obras, de A Cruz dos Mares do Mundo