sábado, 28 de novembro de 2015

Em Salvador, Françoise Benhamou debate a Economia da Cultura

José Carlos Durand*
Esteve em Salvador , participando do II Encontro Internacional da Economia Criativa a professora e pesquisadora francesa Françoise Benhamou, autora do livro Economia da Cultura.
O livro foi lançado no Brasil e, com esta tradução, a autora encaminha o leitor de língua portuguesa a um nicho de conhecimento de formação recente: a economia da cultura. Até hoje, uma especialidade quase toda circunscrita ao meio acadêmico das poucas nações ricas e desenvolvidas do planeta.
Françoise respeita a sequência cronológica de achados, intuições e teorizações que, nos últimos quarenta anos, vêm mostrando que as artes, como qualquer outra atividade humana regular e coletiva, podem ser pensadas economicamente.
Desde logo, pensar economicamente as artes e a cultura não significa nivelar (ou tomar como equivalentes) as manifestações da criação humana e os bens produzidos em série pela indústria. Muito ao contrário, significa apenas aceitar que, diversamente do que ocorre com sabonetes ou automóveis, existe uma relutância institucionalizada em reconhecer que as práticas culturais e os bens e serviços que dela resultam sejam presididos por lógicas de interesse, inclusive e sobretudo o interesse econômico.
Tal relutância - mostra a sociologia - nada mais é do que expressão inconsciente de uma antiga e aristocrática reivindicação de prestígio baseada na crença de que o mundo das artes seria, em sua essência mais íntima, o reino do completo desinteresse. Sendo aristocrática, esta é uma postura socialmente excludente, em desacordo com o consenso político contemporâneo que toma a cultura como território por excelência de vivência da igualdade e da fraternidade. Daí que o princípio de "negação do econômico" nas artes deva ser visto antes como um entulho intelectual a ser enfrentado em nome da democracia do que como uma barreira contra a infiltração indevida do lucro no mundo sublime da estética - como fácil e costumeiramente é invocado.
Cultura é um setor de gera empregos. É muito diferenciado internamente e com relações muito peculiares entre os indivíduos, grupos e microempresas, que respondem mais pela criação, e as grandes corporações, que dominam a distribuição. E também muito desigual, quando se pensa no abismo que separa o ganho dos grandes astros e estrelas das dificuldades da grande maioria dos que insistem em sobreviver de um fazer estético. Ou ainda da parca e incerta rentabilidade do editor apenas comprometido com autores novos e com qualidade comparada aos ganhos amplos e seguros dos que se limitam a best-sellers.
Benhamou movimenta-se à vontade em um plano comparativo internacional, no qual, como se sabe, o modelo descentralizado anglo-saxão e o modelo centralizado francês de política cultural constituem ainda os paradigmas básicos. Na medida em que o exercício comparativo é feito área por área - livros e literatura, artes visuais, cinema e vídeo, música, artes cênicas, etc., - o leitor tem diante de si um rico panorama de exemplos. Ele fica sabendo através de quais princípios valorativos, meios legais, praxes administrativas, inovações técnicas e resultados financeiros de governos nacionais e locais, corporações econômicas e um sem-número de entidades e grupos definem hoje boa parte das feições do populoso e efervescente mundo das artes e da cultura. Por tudo isso, além de poderem, as artes devem ser pensadas economicamente, para serem fomentadas e promovidas com mais equidade e eficiência.
Não é por acaso que este livro sai por uma editora voltada mais para humanidades e literatura do que propriamente para economia e administração. É apenas um exemplo, entre muitos, de que romper barreiras e reduzir distâncias entre os mundos da arte e da ciência é hoje mais um desafio e uma prioridade à gente das artes do que à das ciências e dos negócios.
O Brasil é um repositório riquíssimo de fenômenos e processos culturais. Afinal, o país conta com uma indústria cultural sólida e um mosaico muito variado de expressões populares em suas diversas regiões. Por razões históricas, ligadas à pequena capacidade de inclusão do sistema educacional, o acesso e o desfrute da cultura erudita (que, aliás, no mundo todo só atinge parcela minoritária da sociedade) é ainda mais seletivo social e economicamente no Brasil.
Mas as coisas vêm mudando muito, nesses mesmos quarenta anos durante os quais a economia da cultura conquistou status e direito a uma rubrica própria nos eventos, nos currículos e nas publicações de ciência econômica dos países ricos. A multiplicação de secretarias municipais e estaduais de cultura, a emergência do patrocínio corporativo às artes e os incentivos fiscais para impulsioná-lo, o surgimento de fundações e entidades não-governamentais direta ou indiretamente na esfera artística, a expansão das grandes corporações de mídia, o acesso à internet e, via satélite, a espetáculos globalizados, a recente onda de instalação de editoras estrangeiras no país, são apenas alguns exemplos das transformações em curso.
Todavia, para que essa nova disciplina se desenvolva no Brasil, forçoso será um trabalho conjunto de construção de um sistema de informações quantitativas sobre fluxos culturais que seja confiável e de acesso público. Não se pode mais aceitar considerações resignadas como: "Hollywood conhece mais nosso mercado de cinema do que os próprios brasileiros". Não basta mais que cada empresa grande de mídia saiba dimensionar "seus mercados" e mantenha essas informações sob sigilo comercial. Não é aceitável que se cobre somente um real de ingresso em um museu carente de conservação, só porque sempre assim se fez. Não é possível aceitar mais que a gestão cultural governamental opere sem um mínimo de referências numéricas indispensáveis para justificar prioridades quando se trata de dinheiro público envolvido e sujeito a prestação de contas (accountability). Não é aceitável enfim que as apreciações sobre tendências da vida cultural brasileira possam flutuar tão arbitrária e inpunemente entre o crônico pessimismo dos apocalípticos e o incorrigível otimismo dos integrados (para usar a dicotomia célebre de Umberto Eco) sem que alguém com mais objetividade disponha de dados para divergir e contestar.
* Professor e pesquisador da Unicamp

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