Paulo Ormindo de Azevedo*
Um jornal do Sul criou, há anos, uma coluna dedicada à boa notícia do dia, mas teve que fechar porque não havia nada a noticiar. Quando comecei a assinar esta coluna esperava poder incentivar boas ações públicas e privadas para a cidade. Cheguei a ressaltar algumas do passado, como a piscina do Sr. Oliveira em Ondina e a restauração do cineteatro de Nazaré por Vampeta. Mas hoje, por mais que procure, não encontro nada para festejar.
Não é que os gestores estaduais e municipais não estejam trabalhando. Pelo contrário, a cidade está um canteiro de obras, numa corrida atropelada para as eleições de 2016 e 2018. O problema é que são todos projetos improvisados, carimbados e desarticulados. Não consigo entender um metrô rasteiro que acaba com um parque de 12 km e não atende ao Centro Histórico (C,H,), ao Comercio e ao vórtice do Campo Grande chegando a Lauro de Freitas sem passar pelo aeroporto. Nem a transferência da rodoviária para a periferia do município, quando as estações de transporte em todo o mundo estão no centro, ou a construção de um BRT mirim cobrindo um rio e fazendo pirraça ao metrô e uma ponte de 7 bilhões para substituir o ferry domingueiro numa cidade que alaga, desaba e mata quando chove.
Trabalhei sempre na preservação do passado. Fiz o Inventario de Proteção do Acervo Cultural da Bahia, único no país, em 7 vols. Como consultor da Unesco fiz missões nos principais C.H. da América Latina, Caribe e África lusofone, mas nunca fui chamado a opinar sobre o C.H. de minha cidade. Não tenho mágoa, lamento apenas sua exclusão urbana e as mil escoras que não vejo em nenhum C.H. do continente. Cusco, Cartagena e Quito são hoje importantes destinos turísticos internacionais. Salvador poderia ser também, se fosse preservada. Lamento ver a sede do arcebispado primaz do Brasil com o telhado ruindo e o palácio Boa Vista, onde morou Castro Alves, se arruinando depois de um incêndio suspeitoso como todos de Salvador.
Salvador já foi uma das paisagens culturais mais belas do mundo registra por gravadores holandeses e louvada pelos sábios Spix & Martius e Darwin. Hoje é uma paliçada da pior especulação. Não estou preocupado só com o nosso passado, já em parte destruído, senão com o futuro. Nossos filhos e netos estão ameaçados de viver numa cidade sem identidade, horizonte e céu, infartada, alagadiça e neurótica. O Parque de Pituaçu foi loteado entre instituições privadas e invadido, a lagoa do Abaeté está sendo drenada para irrigar um campo de golfe e os órgãos de planejamento e ambientais esvaziados. Não creio na criatividade da Fipe, boa na tabela de carros usados, autora do Plano Salvador/500, cuja principal proposta é a copacabanização da nossa Orla, sem calçadão.
É no presente que se constrói o futuro. O lançamento de um espigão de 100 m. de altura junto à colina de Santo Antônio da Barra é um precedente gravíssimo que demonstra a fragilidade do poder federal e municipal frente ao imobiliário. Foi a política da PMS, nas décadas de 50 e 60, de preservar nossos vales que permitiu a ACM, o Velho, executar a rede genial de avenidas planejadas 25 anos antes. O que estamos preservando hoje para o futuro?
SSA: A Tarde, 13/09/15