terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Um inventor de si mesmo


Mario Nascimento*
A leitura d’O Filósofo Peregrino impactou-me como uma invenção – e também um convite à invenção – de um caminho próprio de vida, de um ser humano com seus desejos muitas vezes conflitantes, com suas hesitações, suas escolhas muitas vezes forçadas pelas contingências e, especialmente, com sua força e coragem para realizar um desejo fortemente decidido. 
Em vários momentos o vimos enfrentar as tentações de desviar-se de seu desejo – quando enganar aos outros seria facílimo –, mas sendo impossível enganar a si mesmo, o filósofo peregrino não cedeu do seu desejo! Para muitos, um desejo louco, para outros um desejo admirável, para outros…
Vimos assim o filósofo peregrino buscar o seu desejo singular, com todas as nuances possíveis, buscando libertar-se da dependência dos outros – parentes, amigos, sociedade em geral –, e tornar-se capaz de prescindir da aprovação dos outros, autorizando-se a si mesmo.
Algo também marcante na leitura foi constatar que o filósofo peregrino tem um corpo, e se este corpo possui força, tem também muitos limites, expressa e produz prazeres, mas também expressa e produz sofrimentos, possui inclusive necessidades imperiosas…
Também produziu ressonâncias o fato de o filósofo peregrino ter se defrontado com o prazeroso da vida, no encanto do encontro com o outro, na troca de experiências, na gentileza, na solidariedade… e também com o doloroso dos atos humanos, através da noticia dos atos de terrorismo, a morte de inocentes, o horror do fanatismo…
Uma pequena história destacou-se para mim. O encontro do filósofo peregrino com o peregrino alemão, uma experiência enriquecedora e prazerosa a princípio, mas que em seguida gera um conflito, conflito de desejos. O alemão demonstra desejo de prosseguirem juntos, mas o desejo do filósofo peregrino aponta na direção oposta… Dilema posto, qual a escolha, qual desejo satisfazer? Naquele momento, o filósofo peregrino decide pelo próprio desejo, abdicando da escolha sacrificial de aceitar a proposta do alemão, tendo coragem de parecer ‘mau’ aos olhos do outro, mesmo se com o cuidado de agir, na medida do possível, com delicadeza ao indicar ao alemão que caminhos diferentes lhes esperavam…
*Psicanalista 

Marcos Bulcão nasceu em Salvador, Bahia.
 "O Filósofo Peregrino" é seu primeiro livro de não ficção.
É doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (O Realismo Naturalista de Quine: Crença e Conhecimento sem Dogmas, 2005 - Graduou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1995), tendo feito seu mestrado em Teoria Psicanalítica na Université de Paris VIII (La Constitution de la Réalité chez le Sujet - Diplômes D'études Approfondies, 1998 
Tem experiência nas áreas de Psicanálise e Filosofia, com ênfase em Epistemologia da Psicanálise e Teoria da Ciência, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, mente, epistemologia, filosofia da linguagem, ciência e Quine. Publicou dois livros A Constituição da Realidade no Sujeito (EDUFBA: 2007) e O Realismo Naturalista de Quine (UNICAMP/CLE: 2008) além de capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Um terceiro livro está no prelo: Enigmas Freudianos O Problema da Consciência e outros Paradoxos (Fonte: Currículo Lattes)

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