Cristovam Buarque*
O mundo moderno tem se concentrado na ampliação do direito das pessoas à propriedade, mas tem se esquecido do direito das pessoas ao uso. Consideramos um símbolo de modernidade o direito de cada pessoa à propriedade de um carro, mas não garantirmos o uso dos carros comprados, que estão eternamente paralisados em engarrafamentos quilométricos que aprisionam seus proprietários – impedidos de usar livremente o próprio tempo – e dificultam ainda o uso dos espaços urbanos, tomados pelos estacionamentos.
A modernidade construiu um mundo com tamanha ampliação da propriedade privada que provocou a redução na possibilidade do uso do espaço público. As ruas não podem mais ser usadas, por causa do risco de assaltos nas calçadas e de engarrafamentos nas vias. O uso dos passeios públicos desapareceu, o costume de caminhar do teatro ao restaurante caiu em desuso.
É preciso deixar claro que o direito à propriedade é um avanço da sociedade humana. Em uma sociedade que não respeita a propriedade, o cidadão perde o direito ao uso dos bens e serviços de que necessita. À medida que a sociedade avança, o direito à propriedade torna-se parte da liberdade individual, garantindo a cada cidadão o acesso aos seus pertences. A ausência do direito à propriedade da terra ou da moradia ameaçaria o uso do solo para a agricultura ou da habitação para a vivência da família. Porém, quando o direito à propriedade aumenta de maneira desproporcional, a sociedade passa a sofrer ameaças ao direito de usar essas propriedades.
A terra precisa ser apropriada para poder ser usada, e não ao contrário, como ocorre hoje: o uso do direito impedindo o direito ao uso. Ao longo dos séculos, os latifúndios improdutivos foram – e continuam sendo – exemplo do uso do direito para impedir o direito ao uso da terra por parte dos trabalhadores e de toda a sociedade, que precisa dela para aumentar a produção agrícola.
O Nordeste tem sido um exemplo de como a água escassa pode terminar apropriada por poucos, o que pode impedir seu uso por todos. A crise ambiental pode fazer com que essa realidade de escassez se espalhe por todo o mundo. A depredação do meio ambiente é um exemplo da importância que damos ao direito à propriedade, com a redução do direito ao uso dos recursos naturais do planeta. O aumento do poder tecnológico chegou a tal ponto que a Terra foi apropriada e está sendo depredada. Isso impedirá seu uso, no futuro, pela humanidade. As gerações atuais agem como donas do planeta, e impedem o uso dos recursos da Terra pelas próximas gerações.
Um exemplo da privatização do direito ao uso está no alto custo das campanhas políticas, e no seu financiamento por grupos econômicos. A participação social fica restrita; o povo fica excluído; as decisões são tomadas por poucos; as informações são divulgadas por uma mídia que está, em grande parte, apropriada por grupos econômicos e até pelos governos. Os partidos se apropriam da atividade política, e a mídia escolhe os candidatos que serão prestigiados.A realidade está mostrando que, quanto mais o direito à propriedade avança, mais recua o direito ao uso. Por isso, respeitando-se o princípio básico do direito à propriedade, a sociedade precisa se dar conta de que tão importante quanto o uso do direito é o direito ao uso. E de que este é condição fundamental para garantir a eficiência, o exercício da democracia, a justiça social e o equilíbrio ecológico.
*Cristovam Buarque, ex ministro da Educação do governo Lula, foi candidato a Presidencia da República em 2006.
O mundo moderno tem se concentrado na ampliação do direito das pessoas à propriedade, mas tem se esquecido do direito das pessoas ao uso. Consideramos um símbolo de modernidade o direito de cada pessoa à propriedade de um carro, mas não garantirmos o uso dos carros comprados, que estão eternamente paralisados em engarrafamentos quilométricos que aprisionam seus proprietários – impedidos de usar livremente o próprio tempo – e dificultam ainda o uso dos espaços urbanos, tomados pelos estacionamentos.
A modernidade construiu um mundo com tamanha ampliação da propriedade privada que provocou a redução na possibilidade do uso do espaço público. As ruas não podem mais ser usadas, por causa do risco de assaltos nas calçadas e de engarrafamentos nas vias. O uso dos passeios públicos desapareceu, o costume de caminhar do teatro ao restaurante caiu em desuso.
É preciso deixar claro que o direito à propriedade é um avanço da sociedade humana. Em uma sociedade que não respeita a propriedade, o cidadão perde o direito ao uso dos bens e serviços de que necessita. À medida que a sociedade avança, o direito à propriedade torna-se parte da liberdade individual, garantindo a cada cidadão o acesso aos seus pertences. A ausência do direito à propriedade da terra ou da moradia ameaçaria o uso do solo para a agricultura ou da habitação para a vivência da família. Porém, quando o direito à propriedade aumenta de maneira desproporcional, a sociedade passa a sofrer ameaças ao direito de usar essas propriedades.
A terra precisa ser apropriada para poder ser usada, e não ao contrário, como ocorre hoje: o uso do direito impedindo o direito ao uso. Ao longo dos séculos, os latifúndios improdutivos foram – e continuam sendo – exemplo do uso do direito para impedir o direito ao uso da terra por parte dos trabalhadores e de toda a sociedade, que precisa dela para aumentar a produção agrícola.
O Nordeste tem sido um exemplo de como a água escassa pode terminar apropriada por poucos, o que pode impedir seu uso por todos. A crise ambiental pode fazer com que essa realidade de escassez se espalhe por todo o mundo. A depredação do meio ambiente é um exemplo da importância que damos ao direito à propriedade, com a redução do direito ao uso dos recursos naturais do planeta. O aumento do poder tecnológico chegou a tal ponto que a Terra foi apropriada e está sendo depredada. Isso impedirá seu uso, no futuro, pela humanidade. As gerações atuais agem como donas do planeta, e impedem o uso dos recursos da Terra pelas próximas gerações.
Um exemplo da privatização do direito ao uso está no alto custo das campanhas políticas, e no seu financiamento por grupos econômicos. A participação social fica restrita; o povo fica excluído; as decisões são tomadas por poucos; as informações são divulgadas por uma mídia que está, em grande parte, apropriada por grupos econômicos e até pelos governos. Os partidos se apropriam da atividade política, e a mídia escolhe os candidatos que serão prestigiados.A realidade está mostrando que, quanto mais o direito à propriedade avança, mais recua o direito ao uso. Por isso, respeitando-se o princípio básico do direito à propriedade, a sociedade precisa se dar conta de que tão importante quanto o uso do direito é o direito ao uso. E de que este é condição fundamental para garantir a eficiência, o exercício da democracia, a justiça social e o equilíbrio ecológico.
*Cristovam Buarque, ex ministro da Educação do governo Lula, foi candidato a Presidencia da República em 2006.
É professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF
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