Falei que considerava inevitável o projeto de transposição das águas do Rio de São Francisco. E que, do mesmo modo, considero inevitável a construção de uma ponte ligando Salvador e Itaparica. Acho que, mais cedo ou mais tarde, ela vai acontecer. E que, por isso mesmo, em vez de apenas protestar, é melhor discutir a natureza da intervenção e a espécie de ponte que vamos ter.
Consideremos, antes de mais nada, o salto demográfico de Salvador. Em 1920, a cidade contava com cerca de 280 mil habitantes. Em 1950, se aproximou dos 400 mil. Em 1970, abrigava cerca de um milhão de habitantes. E tomou o rumo da metropolização. O processo foi rápido. Estonteante. Salvador se expandiu loucamente. Expandiu-se por vales antes praticamente desertos. Criou seu sistema de avenidas de vale. Abriu a Avenida Paralela. Avançou para o litoral norte. Anexou e transformou lugarzinhos antes pacatos e mesmo líricos.
Para ver como as coisas estão hoje, basta olhar fotografias aéreas da cidade. As fronteiras da vida urbana, em comparação com a década de 1950, foram alargadas de modo surpreendente. Formidável. Obras quilométricas e caras foram realizadas. Pontes terrestres, digamos assim, como as avenidas de vale e a Paralela. E nada indica que tal processo expansivo irá se congelar. Pelo contrário. Nosso caminho, para o futuro, deverá apresentar expansão e conurbações sucessivas. Entre outras coisas, alcançando Feira de Santana, avançando para o Recôncavo e anexando Itaparica.
Mas é claro que precisamos ter cuidado. Precisamos de planejamento e trabalho. No seu inchamento, a cidade experimentou, ao lado da expansão demográfica, um vasto processo de favelização. E, como isso vai continuar acontecendo, vamos precisar, cada vez mais, tanto de obras de infraestrutura urbana (como a ponte Salvador-Itaparica) quanto de obras de infraestrutura social (como a urbanização de favelas).
Façamos um pequeno exercício de lógica e imaginação (é coisa que faço sempre). Salvador, na década de 1950, exibia, ainda, uma tranquilidade rural. Parecia parada no tempo. No ano 2000, era radicalmente outra. E como será na década de 2050? Vamos imaginar Salvador em 2050? Na segunda metade do século 21? Comparativamente, daqui a algumas décadas, o que hoje é a região metropolitana de Salvador vai aparecer como coisa menor. E a ilha não vai pairar acima desse processo. É nesse contexto que vejo a ponte Salvador-Itaparica como algo inevitável. Vejo que ela virá. Mais cedo – ou mais tarde.
A megacidade vai se configurar tendo Salvador como centro, mas na conurbação com o litoral norte, no avanço em direção a Feira e na integração com o Recôncavo. Ou antes: reintegração. Agora, via BR-324 e Itaparica. Antes, a vinculação Salvador-Recôncavo se dava, principalmente, por caminhos de água. Não tínhamos estradas. Em vez de trens ou automóveis, circulavam saveiros. No futuro, teremos caminhos de água e caminhos de terra.
Esta reintegração Salvador-Recôncavo, desfecho de um vasto processo de urbanização que envolve todo o planeta (na entrada do século 21, pela primeira vez na história da humanidade, a maioria da população da Terra estava vivendo em cidades e não no campo), não deixará de ser, também, uma recomposição ou reconfiguração de nossos processos históricos e culturais. Salvador e o Recôncavo estiveram estreitamente conectados durante séculos. Foram a descoberta e a exploração do petróleo, seguidas pela implantação da indústria petroquímica, que deslocaram o dinamismo do coração barroco do Recôncavo para cidades como Catu, e depois para o litoral norte, fazendo explodir Camaçari e Lauro de Freitas.
Mas, em princípio, nossa região metropolitana seria, lógica e sociologicamente, o Recôncavo, por todos os nossos vínculos históricos, econômicos, sociais e culturais – como bem via, em meados do século passado, um dos mais brilhantes sociólogos brasileiros, o baiano Luiz de Aguiar Costa Pinto. O impressionante, agora, é que a antevisão de Costa Pinto ressuscita. Em novo contexto sócio-técnico. Sob novas luzes. Em meio a outros dramas e traumas sociais. Numa nova realidade urbana. E implica uma ponte. É por isso que a vejo como inevitável. E quero discutir sua concepção, realização e consequências.
*Antonio Risério – Doutor Honoris Causa e Antropólogo e Escritor, participa da elaboração da estratégia da campanha de Dilma Roussef à presidência da República
Consideremos, antes de mais nada, o salto demográfico de Salvador. Em 1920, a cidade contava com cerca de 280 mil habitantes. Em 1950, se aproximou dos 400 mil. Em 1970, abrigava cerca de um milhão de habitantes. E tomou o rumo da metropolização. O processo foi rápido. Estonteante. Salvador se expandiu loucamente. Expandiu-se por vales antes praticamente desertos. Criou seu sistema de avenidas de vale. Abriu a Avenida Paralela. Avançou para o litoral norte. Anexou e transformou lugarzinhos antes pacatos e mesmo líricos.
Para ver como as coisas estão hoje, basta olhar fotografias aéreas da cidade. As fronteiras da vida urbana, em comparação com a década de 1950, foram alargadas de modo surpreendente. Formidável. Obras quilométricas e caras foram realizadas. Pontes terrestres, digamos assim, como as avenidas de vale e a Paralela. E nada indica que tal processo expansivo irá se congelar. Pelo contrário. Nosso caminho, para o futuro, deverá apresentar expansão e conurbações sucessivas. Entre outras coisas, alcançando Feira de Santana, avançando para o Recôncavo e anexando Itaparica.
Mas é claro que precisamos ter cuidado. Precisamos de planejamento e trabalho. No seu inchamento, a cidade experimentou, ao lado da expansão demográfica, um vasto processo de favelização. E, como isso vai continuar acontecendo, vamos precisar, cada vez mais, tanto de obras de infraestrutura urbana (como a ponte Salvador-Itaparica) quanto de obras de infraestrutura social (como a urbanização de favelas).
Façamos um pequeno exercício de lógica e imaginação (é coisa que faço sempre). Salvador, na década de 1950, exibia, ainda, uma tranquilidade rural. Parecia parada no tempo. No ano 2000, era radicalmente outra. E como será na década de 2050? Vamos imaginar Salvador em 2050? Na segunda metade do século 21? Comparativamente, daqui a algumas décadas, o que hoje é a região metropolitana de Salvador vai aparecer como coisa menor. E a ilha não vai pairar acima desse processo. É nesse contexto que vejo a ponte Salvador-Itaparica como algo inevitável. Vejo que ela virá. Mais cedo – ou mais tarde.
A megacidade vai se configurar tendo Salvador como centro, mas na conurbação com o litoral norte, no avanço em direção a Feira e na integração com o Recôncavo. Ou antes: reintegração. Agora, via BR-324 e Itaparica. Antes, a vinculação Salvador-Recôncavo se dava, principalmente, por caminhos de água. Não tínhamos estradas. Em vez de trens ou automóveis, circulavam saveiros. No futuro, teremos caminhos de água e caminhos de terra.
Esta reintegração Salvador-Recôncavo, desfecho de um vasto processo de urbanização que envolve todo o planeta (na entrada do século 21, pela primeira vez na história da humanidade, a maioria da população da Terra estava vivendo em cidades e não no campo), não deixará de ser, também, uma recomposição ou reconfiguração de nossos processos históricos e culturais. Salvador e o Recôncavo estiveram estreitamente conectados durante séculos. Foram a descoberta e a exploração do petróleo, seguidas pela implantação da indústria petroquímica, que deslocaram o dinamismo do coração barroco do Recôncavo para cidades como Catu, e depois para o litoral norte, fazendo explodir Camaçari e Lauro de Freitas.
Mas, em princípio, nossa região metropolitana seria, lógica e sociologicamente, o Recôncavo, por todos os nossos vínculos históricos, econômicos, sociais e culturais – como bem via, em meados do século passado, um dos mais brilhantes sociólogos brasileiros, o baiano Luiz de Aguiar Costa Pinto. O impressionante, agora, é que a antevisão de Costa Pinto ressuscita. Em novo contexto sócio-técnico. Sob novas luzes. Em meio a outros dramas e traumas sociais. Numa nova realidade urbana. E implica uma ponte. É por isso que a vejo como inevitável. E quero discutir sua concepção, realização e consequências.
*Antonio Risério – Doutor Honoris Causa e Antropólogo e Escritor, participa da elaboração da estratégia da campanha de Dilma Roussef à presidência da República
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