quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mês de Maria : Apenas uma recordação

Angelina Bulcão Nascimento
Maio: mês de Maria. Esta equação foi desmanchada pelo tempo. Indiferente, a cidade nem ouve o repicar dos poucos sinos convidando para festejar Nossa Senhora. Mês de Maria passou para o baú de lembranças. Décadas atrás, que diferença! Igrejas cheias, desfiles de vestidos novos. Flertes disfarçados e mexericos cochichados. Um acontecimento social. As novenas do mês de maio reuniam a população baiana nas igrejas. Curiosamente, nove eram os dias seguidos do castigo de açoites, infligido aos escravos.
Hildegardes Vianna, folclorista famosa de nossa terra, contava que maio podia ser considerado o mês mais festeiro. Além das novenas e ladainhas, nos lares católicos, armava–se um altar na sala de visitas ornamentado com angélicas e rosas brancas. Canções eram entoadas antes dos convidados se fartarem de arroz-doce, com canela e bolos. Depois das orações, havia serenata debaixo de uma mangueira. Segundo H. Vianna, a devoção foi introduzida na Bahia na segunda metade do século XIX, tornando–se pretexto para festas e comemorações profanas. Desde abril, providências eram tomadas para a ornamentação do altar, que exigia metros de papel crepom, papel fino e material para a confecção de flores e laços, ou para os comes e bebes, escolha e ensaio do coral. As costureiras enlouqueciam para dar conta das encomendas dos vestidos... E as famílias tradicionais disputavam, entre si, a honra de enfeitar o altar da paróquia. Cada dia, uma era escolhida. E cada qual se empenhava em fazer da sua ornamentação a mais rica em flores, e a mais colorida. Os ricos faziam festa dançante, serviam licores e doces finos. Em suas casas, não entravam “penetras”, e sua ausência, segundo Vianna, roubavam parte da graça. Pois eram sempre as mesmas pessoas, o mesmo cerimonial. O fato de o dono da casa assumir todas as despesas, preferindo a etiqueta à espontaneidade, tirava parte do encanto das noites marianas nos salões faustosos, ou mais ou menos pretensiosos. Os 'tachos', nome dado aos pianos eram alugados quando, na residência, não houvesse o instrumento. Às 18 horas, os sinos das igrejas tocavam alegremente chamando os fiéis para a ladainha. Os jardins da Piedade eram os mais concorridos. Pouco antes da cerimônia, as moçoilas casadoiras desfilavam, exibindo suas toaletes e procurando atrair a atenção dos ‘gabirus’. Estudantes de Medicina e Direito, especialmente os formandos, eram os mais cotados. Entre troca de olhares e troca de bilhetes, poderia nascer um compromisso para todo o sempre. Na igreja, transformada em um só buquê, intenso era o cheiro de incenso. Luzes em profusão. E o arrastar cadenciados dos 'ora pro nobis'. Se a Piedade foi das mais concorridas, Nazaré não ficava atrás. Remanescentes saudosos contam que os sermões do Padre Santana arrancavam risadas dos presentes, principalmente quando imitava as modas femininas e as danças em voga. No último dia do mês, havia a tradicional procissão, que percorria alguns bairros da cidade. Antes, porém, a imagem de Nossa Senhora, entronizada nos píncaros do altar-mor, era coroada por crianças vestidas de anjinhos. Encarapitadas nas proximidades da santa, provocavam ohs e ahs de admiração dos fiéis, ou de susto quando pareciam se desequilibrar, e indisfarçável orgulho dos pais. Sobre este costume, ainda em voga em cidades do interior, conta-se muitas histórias, algumas deprimentes, outras engraçadas.Em algumas paróquias, dirigidas por padres racistas, as menininhas de cor eram proibidas de serem anjinhos, pois onde já se viu anjo escurinho no céu?!. Os anjos eram louros, de preferência de olhos azuis e com rosto bonito. Mas aconteceu também o inesquecível episódio da garota que, de tanto medo de despencar lá de cima, fez xixi. O líquido escorreu pelo rosto da imagem da Virgem, até que foi visto por uma das beatas que anunciou histericamente Milagre, milagre, Nossa Senhora está chorando!. O caos instalou-se na igreja e, antes que o caso fosse levado ao Vaticano, alguém examinou as lágrimas e desfez a ilusão. Contava Vianna que " Nem todos gostavam de declamações." "Alguns poemas eram trágicos, ou terríficos, tais como ‘O Baile das Múmias’, ‘a Louca de Albano’". As gerações atuais arregalam os olhos, quando ouvem os antigos falar com saudades de tanta animação. Não podem compreender que graça tem namorar dentro da igreja... Mudou o cenário do namoro e as diversões também se transformaram e se multiplicaram. Hoje, apenas as fiéis devotas da Virgem, que continuam frequentando as igrejas, protestam. “Prefiro o mês de maio do meu tempo! Missa tem quando se quer. Mês de Maria, só em maio” –– opina uma assídua frequentadora da Paróquia da Vitória. Outras solidariamente concordam, lamentando, entre suspiros nostálgicos, o mês de maio não ser mais como antigamente...

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá, Angelina.
    Não gosto da palavra "saudosismo", prefiro dizer história.
    Você me fez lembrar os sete anos que estudei no Colégio Antônio Vieira. O Mês de Maria faz parte da minha história, mas hoje, infelizmente, se resume a um tríduo. Será que a fé está acabando? Será que a devoção está acabando? Como amante da música, ainda me lembro de muitos hinos, pois participava com emoção do Mês de Maria que se realizava durante todo o mês para os alunos às 10 horas. Perdíamos um recreio, mas era compensador. Não era novena, era um mês inteiro, inclusive aos domingos quando havia a Bênção depois da missa, que era “obrigatória” para internos e externos. Dia 13 e dia 31 havia procissão pelas ruas do Garcia.
    Um abraço,
    Almir Santos

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