Oliveiros Guanais
Nailton Santos, irmão do famoso geógrafo Milton Santos, foi meu companheiro de política estudantil. A vida nos separou e depois nos encontramos apenas duas vezes, e conversamos, conversamos. Nailton era um negro inteligente, desaforado, irônico, sarcástico, brilhante e bote adjetivo nisso. Metia medo nas assembléias estudantis de que participava, nos idos de 1956 a 1960 . Os oradores que falavam depois dele tinham quase um refrão: ”como bem disse o colega Nailton, da Bahia”...ou “eu concordo plenamente com o colega Nailton”, coisas assim. Era um passaporte que usavam para ganhar a tolerância dele.
Depois do golpe, Nailton percorreu o mundo, sempre a trabalho. ONU, UNICEF, Europa, África. Voltando ao Brasil, foi Secretário de Miguel Arraes, em Pernambuco. Casado com uma holandesa, continuou sua vida de peregrino a serviço das boas causas.
A morte de Nailton ficou sabida em Salvador por notícia de A TARDE. Ele já não era lembrado por essas bandas; quando vinha aqui, ficava quase despercebido, hospedado no Praia Mar Hotel. Seu palco havia mudado, seus contracenantes já não eram vistos mais. Nailton era amigo de Edivaldo Boaventura e este, fiel à condição de católico praticante, mandou celebrar missa por ele, na Igreja da Vitória. Lá estávamos os amigos, amigos de diversas épocas. Edivaldo falou, elogiou o morto, disse que morreu de repente olhando para as nuvens, para o céu , e que estava ao lado da esposa.
Terminada a sua fala, franqueou o microfone para algum amigo que quisesse fazer uso da palavra, dando depoimento do Nailton que conhecera. Ninguém se movimentou. Logo, o espaço era meu. Levantei, dirigi-me para o altar, e perguntei a Edivaldo no caminho : - posso falar? –Claro,- disse ele. E eu falei. Ou melhor, tentei falar. Que coisa difícil é falar sobre a morte de um amigo, principalmente no altar de uma igreja! Mas dei conta do recado, dentro de minhas possibilidades emocionais.
Não falei o que gostaria de ter dito, mas referi-me às travessuras de Nailton, às ricas travessuras de Nailton, à sua genialidade, às suas gargalhadas provocativas. Gostaram. A mulher de um dos amigos presentes disse para mim:- gostei do que você falou. Você, quem é?- Vejam, os amigos mais recentes de Nailton e de convivência mais longa com ele estavam lá, conheciam-no bem, eram cultos, mas nenhum teve a coragem que eu tive. Ouvi, na hora, uma pequena discussão entre eles, um cobrando a fala que não houve por parte do outro.
É. É difícil falar numa igreja, mesmo sendo agnóstico. Mas eu falei.
Salvador, 21 de janeiro de 2006
Nailton Santos, irmão do famoso geógrafo Milton Santos, foi meu companheiro de política estudantil. A vida nos separou e depois nos encontramos apenas duas vezes, e conversamos, conversamos. Nailton era um negro inteligente, desaforado, irônico, sarcástico, brilhante e bote adjetivo nisso. Metia medo nas assembléias estudantis de que participava, nos idos de 1956 a 1960 . Os oradores que falavam depois dele tinham quase um refrão: ”como bem disse o colega Nailton, da Bahia”...ou “eu concordo plenamente com o colega Nailton”, coisas assim. Era um passaporte que usavam para ganhar a tolerância dele.
Depois do golpe, Nailton percorreu o mundo, sempre a trabalho. ONU, UNICEF, Europa, África. Voltando ao Brasil, foi Secretário de Miguel Arraes, em Pernambuco. Casado com uma holandesa, continuou sua vida de peregrino a serviço das boas causas.
A morte de Nailton ficou sabida em Salvador por notícia de A TARDE. Ele já não era lembrado por essas bandas; quando vinha aqui, ficava quase despercebido, hospedado no Praia Mar Hotel. Seu palco havia mudado, seus contracenantes já não eram vistos mais. Nailton era amigo de Edivaldo Boaventura e este, fiel à condição de católico praticante, mandou celebrar missa por ele, na Igreja da Vitória. Lá estávamos os amigos, amigos de diversas épocas. Edivaldo falou, elogiou o morto, disse que morreu de repente olhando para as nuvens, para o céu , e que estava ao lado da esposa.
Terminada a sua fala, franqueou o microfone para algum amigo que quisesse fazer uso da palavra, dando depoimento do Nailton que conhecera. Ninguém se movimentou. Logo, o espaço era meu. Levantei, dirigi-me para o altar, e perguntei a Edivaldo no caminho : - posso falar? –Claro,- disse ele. E eu falei. Ou melhor, tentei falar. Que coisa difícil é falar sobre a morte de um amigo, principalmente no altar de uma igreja! Mas dei conta do recado, dentro de minhas possibilidades emocionais.
Não falei o que gostaria de ter dito, mas referi-me às travessuras de Nailton, às ricas travessuras de Nailton, à sua genialidade, às suas gargalhadas provocativas. Gostaram. A mulher de um dos amigos presentes disse para mim:- gostei do que você falou. Você, quem é?- Vejam, os amigos mais recentes de Nailton e de convivência mais longa com ele estavam lá, conheciam-no bem, eram cultos, mas nenhum teve a coragem que eu tive. Ouvi, na hora, uma pequena discussão entre eles, um cobrando a fala que não houve por parte do outro.
É. É difícil falar numa igreja, mesmo sendo agnóstico. Mas eu falei.
Salvador, 21 de janeiro de 2006
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