domingo, 10 de maio de 2009

Minha querida rua treze (1ª parte)

Almir Ferreira Santos
Engenheiro Civil
Cultiva o mar, a lua, música e as histórias da Cidade do Salvador


A origem do topônimo nunca me foi explicada convincentemente. Alguns dizem que todo o dia 13 de maio, Seu Fausto, um misto de músico, mestre de obra e marceneiro, reunia os músicos da família, que eram muitos, e amigos para uma apresentação. Há outras tantas histórias, mas de fato, quando me entendi já havia a placa Rua Souza Uzel colocada justamente na minha casa, n.° 6, a primeira da rua.
Confesso que não sei quem foi o homenageado que deu nome à rua, mas há registro na história de Salvador de uma escritora Carmosina de Souza Uzel, filha de Francisco Carlos de Souza Uzel.
Seu Fausto era o decano da rua. Morava na casa n.° 20. Lembro-me bem do seu aniversário. 10 de dezembro, sempre comemorado festivamente.
Os meus pais foram morar lá em 1933, numa casa construída para se casarem. Lá nasceram e cresceram seus 13 filhos. Norma, Almir, Ayrton, Norma Maria, Noélia, Antônio, Nely, Ari, Adi, Nildes, Ademir, Alvinho e Nubinha. Só nos mudamos em 1973.
Por isso temos muitas histórias pra contar, muitas recordações e muitas alegrias. Era uma rua pequena. Grandes eram os seus moradores que formavam praticamente uma família.
Lembro bem dos nossos primeiros vizinhos: Seu Arnaldo e Dona Alice. As nossas casas eram separadas por um muro baixo que dava para minha mãe, Núbia, e Dona Alice baterem um papo diário, atualizando os acontecimentos.
Conta minha mãe uma história que o primeiro nome que falei, para orgulho de Dona Alice e ciúme dela, foi Lice.
A filha Marina era muito ativa. Gostava muito de cantar, pular corda, correr, brincar de roda, andar em alta velocidade no velocípede.
Organizava trezenas de Santo Antônio, cujas velas de tostão eram colocadas em castiçais improvisados. Tampas de cerveja.
Depois vinha a casa de Seu Epifânio, (um empregado da Companhia Linha Circular), Seu Barreto, Seu Anísio (também empregado da Circular), Seu Pacífico, Seu Fausto, Seu Anfilófio (Seu Tatá)...
Uma coisa que me marcou nessa época foi Doralice, filha de seu Epifânio, cantando A VIDA É UMA ROLETA e pedindo-me para cantar O VAGABUNDO de Vicente Celestino. Barbaridade ! ! !
Do outro lado da rua moravam seu Manuel, cuja casa foi desapropriada para alargamento da rua. Com isso a primeira casa desse lado ficou sendo a de dona Damiana, embora sua fachada desse para a Rua Garibaldi.
Em seguida havia a casa de Dona Flora, mãe de Mocinha. Era uma casa de taipa coberta com pedaços de telha e zinco, muito pequena situada numa baixada. Depois, o n.° 13, de propriedade de Seu Fausto que alugava. Sempre estava mudando de inquilino.
O 15 era o armazém e residência de Seu Abílio, um português, casado com Dona Alice, que viria ser madrinha de um dos meus irmãos.
No n.° 17, morava Dona Menininha, mãe de Joaninha que mais tarde casaria com meu tio Edmundo.
No 19, Seu Joaquim, um sertanejo muito engraçado, em cuja casa tomei o primeiro pileque de minha vida numa festa de São Pedro. Falava demais, por isso foi até preso político.
Mais adiante moravam Seu Jorge, Seu Miguel, Seu Francisco Bocão, Argemiro Sapateiro, Tenente Artur Chagas, Seu Cristóvão, dono de uma pequena venda, Seu Mota, Dona Dudu, Seu Macedo e Chico Português, estes, donos de hortas. Paulo Lima a quem meu pai costumava visitar aos domingos para tomar um copo de cerveja era o mais distante morador.
Transversal à Rua Treze era a subida para o Alto do Candomblé, hoje chamado Alto do Gantois.
Lá moravam Seu Santinho, (que disputava com meu pai as pegadas de arraia), Seu Lili (o pintor), Zeca das Gueixas, (um carnavalesco que organizava o cordão As Gueixas em Folia) Zeca Maria, Honório, Dona Catarina.
Nezinho era filho de dona Catarina. Ele entrou na Marinha e foi à segunda guerra mundial. Sempre aplicado e com o tempo de guerra contado em dobro conseguiu, muito novo, entrar para a reserva como tenente. Um vencedor. Um exemplo de pessoa. Por sinal tomou-me para padrinho do seu filho Sidnei.
Honório trabalhava na marinha mercante. Muito simpático, destacava-se pelo fato de falar inglês e gostar de praticar atividades físicas. Grande figura.
Esse era o desenho mais remoto que tenho dos moradores da rua quando comecei a me entender. (continua...)

3 comentários:

  1. Que maravilha, incrível a memória do escritor na narração minuciosa dos fatos e pessoas daquela artéria da Capital. Fui morar lá criancinha, no início da década de 60, mas lembro do nome e feições de todos da família de Seu Álvaro e dona Núbia, bem como de alguns dos outros moradores citados ainda vagam na minha mente. Bons tempos.

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  2. Que maravilha, incrível a memória do escritor na narração minuciosa dos fatos e pessoas daquela artéria da Capital. Fui morar lá criancinha, no início da década de 60, mas lembro do nome e feições de todos da família de Seu Álvaro e dona Núbia, bem como de alguns dos outros moradores citados ainda vagam na minha mente. Bons tempos.

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  3. Professor Roberto (Ninho de Julieta)18 de maio de 2024 às 10:21

    Bom dia, eu morei lá por 20 anos na casa de número 1 que ia para o Cantois de mãe Menininha. Lembro-me quando criança via descer para pegar água na fonte de dona "Boza" muitos famosos.
    Caetano, Gil, Gal e tantos outros.
    Há muitas histórias não contadas da Rua Treze que precisamos resgatar.

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