Sobre as recentes manifestações de revolta em vários bairros de Salvador, como ocorreu em São Cristóvão, não temos análises nem pesquisas de estudiosos, que apontem para uma mudança de comportamento da população acusada de conformismo. Serão fatos isolados? Se a mudança é ocasional, o futuro dirá. Pois a fama do baiano sempre foi de acomodado, preferindo engolir o sapo a reivindicar. Não conheço estudos a respeito da dificuldade das pessoas não reclamarem seus direitos, dos mais simples aos mais graves. Descrédito? Descaso? Preguiça? Vergonha? Cansaço? Hábito entranhado? Tolerância mil? Medo de ser chato ou antipático? Ninguém ainda reclamou! É réplica comum às raras queixas provocadas por algum produto com defeito, ou algum prato de restaurante mal–feito. Em geral, o baiano não reclama. Mas também não volta. Antes mesmo da propalada crise, não foram poucos os restaurantes, lanchonetes, lojas fechados, aumentando o nível de desemprego. Há quem diga que, em nossa terra, os locais entram na moda e rapidamente saem. No início, todos cheios, fazendo furor, filas de espera. E depois, o esvaziamento, especialmente se o serviço e o que for oferecido não for muito especial. Este tipo de comportamento conformista é mais difícil de entender, quando se trata de exigências relativas à conservação da própria vida. Todo ano, quando chove, encostas caem, casas desabam, carros ficam submersos, arrastões acontecem em engarrafamentos quilométricos, pessoas morrem e dão graças aos céus quando enfrentam ‘apenas’ a perda dos seus lares. Assistimos, ao vivo e a cores, cenas filmadas das tragédias, lamúrias, resignação, e nenhuma iniciativa para resolver o problema crônico, ou reivindicações sérias e organizadas, para que os órgãos responsáveis tomem providências. Mais fácil afirmar que foi a vontade de Deus. Espectadores se comovem, muitos enviam alimentos e roupas, e logo esquecem, pois o permanente verão baiano reaparece. Rapidamente voltamos à idéia de somos um país tropical, abençoado por Deus. Não temos neve, furacões, ciclones, maremotos. Ainda! Mas temos árvores ocas caindo, ameaçando pedestres e carros, graças à gula dos cupins. Temos violência urbana, falhas de atendimento médico, salas de aulas precárias, que não dependem da natureza, e também continuam sem solução. O tema do conformismo aparece na imprensa, em artigo assinado por João Carlos Teixeira Gomes, ‘nosso’ Joca, em ‘A Tarde’ do dia 14 p. p. intitulado Vem quem quer . Escreve o autor: " Claro, protestar para quê? Temos de aceitar os fatos como são. (...) é assim, a grosso modo, o brasileiro. Passivo. Envergonhado de gritar de público diante das injustiças ou dos prejuízos que lhe causam. (...) No coletivo, é um ser resignado ". O artigo nos mostra que o conformismo não se limita aos baianos, como tantos apostam. Apelar pelos direitos, parece ter se transformado em uma forma de agressão. Joca conta que pagou mico, no Rio, ao cobrar bom atendimento, em ocasiões em que idosos estavam sendo indevidamente tratados. E qual não foi sua surpresa ao escutar de uma velhinha: Meu senhor, vem quem quer, não é verdade? Conta também que, de outra vez, ao alertar para o perigo de um elevador por demais cheio, ouviu de outra velhinha: “Para de falar, chega, chega, o senhor está aqui espalhando terrorismo!” Difícil explicar este fenômeno que deve escandalizar estrangeiros, pois estes, segundo dizem, estão sempre prontos a exigirem bom funcionamento, bom atendimento. Eu mesma tive oportunidade de, na Inglaterra, vivenciar um exemplo: havia colocado uma moeda numa máquina de refrigerantes de hotel, e a máquina não funcionou. Uma velhinha, que estava ao lado, ficou espantada de eu desistir, e não pedir de volta a moeda. Eu repliquei que eram apenas centavos. Ela, então, abriu a bolsa, achando que eu não havia compreendido, e sacudiu as moedas exclamando enfaticamente: money! certamente criticando alguém que parecia não valorizá–lo.Tive que prometer que iria reclamar, só para tranquilizar uma velha senhora agoniadíssima. Desconfiando de que eu não pretendia fazer nada, ela arrancou uma página de um bloquinho que carregava na sacola, e escreveu em letras grandes: out of order pendurando o pequeno cartaz na máquina grevista. E saiu muito empertigada, com ar de quem cumprira um dever cívico. Motivada por uma simples moedinha... A impressão é de que, além do receio de ser chato ou rabugento, está havendo uma aversão generalizada a cobranças, queixas, reclamações, sejam lá do tipo que forem. Mesmo que dirigidas a quem os está prejudicando. Em contrapartida, os silenciosos prejudicados queixam–se entre si ou aos seus analistas. Poucos aguentam tomar diariamente conhecimento de crimes, violência urbana, corrupção, cinismo. Em contrapartida, vivem assustados, ou transformam as críticas em humor, que espalham pela Internet. Volto ao artigo citado: “Vem que quer! Quando ouço ainda hoje estas palavras, que ressoam como uma maldição em meus ouvidos inconformados, lembro–me sempre da bela e poderosa frase, segundo a qual um povo que não luta pelos seus direitos verdadeiramente não merece tê–los. Assino em baixo”. Assinando, também, em baixo do texto de Joca, lanço a pergunta neste blog intitulado SALVADOR DO FUTURO. O que fazer para que, no futuro, o povo de Salvador saia da apatia, descubra fórmulas sem violência para ter assegurados seus direitos de cidadão? Admitimos que reclamar é necessário, mas não basta. Pode ser, no entanto, um indício de insatisfação, que dê pistas aos responsáveis interessados no bem comum. Por isso, mesmo não tendo fácil acesso às camadas menos favorecidas economicamente, este blog vem sendo um espaço para a expressão de idéias relativas aos problemas de nossa cidade. Sugiro, pois, que seja cada vez mais ampliado o número de pessoas que apresentem sugestões não utópicas, viáveis, para os problemas que nos atingem, e possíveis de serem realizadas, pelos que não desejam virar postes. Lembrando que até estes podem cair, com uma ventania mais forte...
Excelente, Angelina. Estava sentindo sua falta.
ResponderExcluirDe fato, há pessoas que se sentem constrangidas em reclamar mesmo com as facilidades que os meios de comunicação nos oferecem. Jornais, emissoras de rádio, telefone, fax, internet...
Não se utilizam esses instrumentos. Concordo que cabe um estudo nesse sentido. Tudo indica que, em geral, o baiano não reclama.
Não quero ser exceção, mas não abro mão da cidadania, pelo contrário. Reclamo de tudo de interesse da cidade: trânsito, transporte, urbanização, religião, futebol, restaurantes, garçons, serviços em geral. Sou tido até como lugar comum nas colunas especializadas de todos os jornais da cidade. Não tenho receio de ser chato ou rabugento,
Por que a história se repete todo ano, quando chove? Deslizamentos, alagamentos, desabamentos, mortes, prejuízos matérias. Só se reclama quando a tragédia acontece ou não se reclama?
Mas há de convir que Teixeira Gomes tem uma certa razão quando diz: "Claro, protestar para quê?”
Um exemplo gritante em Salvador é o motorista de ônibus não atender ao sinal de embarque de passageiros, principalmente se for um idoso. É como se fosse uma diversão.
O que acontece com ele quando usuário reclama junto à empresa ou à Prefeitura? Sem medo de errar, parece que nada, pois o fato se repete muitas vezes ao dia, e continuará acontecendo.
Prefeitura, Empresas de Transportes, Comunidades, Associações de Bairros, usuários em geral têm responsabilidade sobre isso.
Aceitam-se esses e outros fatos passivamente porque não se acredita em quem tem obrigação de corrigir tais aberrações.
Parabéns, Angelina.
Almir Santos