Uma aparência de anacronismos: os tempos não se harmonizam na paisagem diversa da Cidade Baixa, do Comércio. Uma decadência ali se estabeleceu como uma gangrena em um corpo senil, como se a própria senilidade já não fosse, ela própria, uma promessa de aniquilamento. Prédios, igrejas, lugares abandonados, sujos, arruinados, testemunhados pela vitalidade da cidade inquieta, da gente que trabalha de mil modos para prover suas necessidades, produzindo coisas, cores, sons e odores, para tudo converter em dinheiro, única e grande razão de todos os esforços.
Anônimos, que não se querem esquecidos, picham e grafitam, ou melhor, picham, sujam, muros e paredes, fachadas de prédios, uma escrita, quase sempre feia, desesperada, identitária de pessoas e grupos, que macula a cidade, risca nas faces dos prédios e dos muros sujeiras como uma linguagem tosca, maquiagem malfeita ou que se desfaz e logo lambuza mais que desenha ou enfeita; feições de decadência a dominar as expressões. São tristes essas assinaturas que gritam por presença, que trazem afogados à tona. São tristes porque são desesperadas e sem esperanças, são presenças feias, deselegantes como intromissões, anti-heroísmo dos deserdados que se recusam à exclusão. Mas, assim é a cidade dos silenciados, os deserdados que se querem fazer ver e ouvir, mesmo em seus gritos roucos e em sua linguagem desconexa, em suas imagens grotescas. Há homens e mulheres grotescos na cidade, que também se torna grotesca na forma de contê-los. De fazê-los grotescos em seus espaços como seus conteúdos. Nessa diversidade, a cidade se expressa, evoca situações e condições de vida de seus habitantes, nem todos bem inseridos no cotidiano de vida que, para muitos, é uma luta nas incertezas das situações imediatas em que vivem(...) Há um ar de decadência rondando toda essa área da cidade, em que pese o fato de que houve uma intervenção urbana há poucos anos por ali, que deu à Praça Deodoro a aparência e as funções atuais. Antes, um grande estacionamento de caminhões de carga à espera de contratos de transporte e na encosta prédios em condição de arruinamento, e por lá uma gente pobre, desafortunada, alojada em cubículos, ou entre paredes entreabertas de prédios semi tombados, mas também o famoso prostíbulo proletário, o Julião, cuja hierarquia sempre fora mais baixa do que aquele outro, mais ao alto, no emaranhado das ruas do centro histórico, nas vizinhanças do Pelourinho, o Maciel, o maior de todos, com centenas de mulheres e travestis, (Espinheira, 1971, 1984), tudo isso no prolongamento do processo de esclerose e gangrena urbanas, que contaminam certas partes da cidade (...)
Carlos Geraldo D'Andrea Espinheira, falecido em 17 de março de 2009, era Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Líderava o Grupo de Pesquisa: “Cultura, cidade e democracia: sociabilidade, representações e movimentos sociais”.
Anônimos, que não se querem esquecidos, picham e grafitam, ou melhor, picham, sujam, muros e paredes, fachadas de prédios, uma escrita, quase sempre feia, desesperada, identitária de pessoas e grupos, que macula a cidade, risca nas faces dos prédios e dos muros sujeiras como uma linguagem tosca, maquiagem malfeita ou que se desfaz e logo lambuza mais que desenha ou enfeita; feições de decadência a dominar as expressões. São tristes essas assinaturas que gritam por presença, que trazem afogados à tona. São tristes porque são desesperadas e sem esperanças, são presenças feias, deselegantes como intromissões, anti-heroísmo dos deserdados que se recusam à exclusão. Mas, assim é a cidade dos silenciados, os deserdados que se querem fazer ver e ouvir, mesmo em seus gritos roucos e em sua linguagem desconexa, em suas imagens grotescas. Há homens e mulheres grotescos na cidade, que também se torna grotesca na forma de contê-los. De fazê-los grotescos em seus espaços como seus conteúdos. Nessa diversidade, a cidade se expressa, evoca situações e condições de vida de seus habitantes, nem todos bem inseridos no cotidiano de vida que, para muitos, é uma luta nas incertezas das situações imediatas em que vivem(...) Há um ar de decadência rondando toda essa área da cidade, em que pese o fato de que houve uma intervenção urbana há poucos anos por ali, que deu à Praça Deodoro a aparência e as funções atuais. Antes, um grande estacionamento de caminhões de carga à espera de contratos de transporte e na encosta prédios em condição de arruinamento, e por lá uma gente pobre, desafortunada, alojada em cubículos, ou entre paredes entreabertas de prédios semi tombados, mas também o famoso prostíbulo proletário, o Julião, cuja hierarquia sempre fora mais baixa do que aquele outro, mais ao alto, no emaranhado das ruas do centro histórico, nas vizinhanças do Pelourinho, o Maciel, o maior de todos, com centenas de mulheres e travestis, (Espinheira, 1971, 1984), tudo isso no prolongamento do processo de esclerose e gangrena urbanas, que contaminam certas partes da cidade (...)
Carlos Geraldo D'Andrea Espinheira, falecido em 17 de março de 2009, era Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Líderava o Grupo de Pesquisa: “Cultura, cidade e democracia: sociabilidade, representações e movimentos sociais”.
Artigo publicado originalmente no Blog : Estabelecidos e Desafortunados do Centro Histórico em 21/08/07. Fotos de Antonio Mateus, Isabela Duplat e Raul Bairrio
Luiz Britto me indicou este blog. Naveguei, gostei muito. Encontrei meu amigo Fernando da Rocha Peres. Vi fotos excelentes. Parabéns pelo blog!
ResponderExcluirOlá, agradeço por colocar as referências. O blog estabelecidosedesafortunados.blogspot.com em breve receberá novas atualizações, textos e fotografias
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