Antônio Risério*
Politicamente
ridículo e intelectualmente vexaminoso o texto dos “partidos governistas”
dizendo que setores conservadores da sociedade brasileira estão querendo fazer,
com Lula, o que fizeram com Getúlio Vargas em 1954 e com Jango Goulart, dez
anos depois. Falar de “golpismo” e “ataque a democracia”, no contexto atual, é
mais rasteiro do que confundir tratado-de-tordesilhas com tarado-atrás-das-ilhas.
Aciona-se completamente fora de propósito, a velha retórica esquerdista da
década de 1960.
O
mito Lula foi ferido, sim. O de Vargas, também. Pouco antes de ele se matar,
seu governo andava atolado em corrupção e denuncias de corrupção (com Samuel
Wainer na mira), - e ainda sobrou o tiro disparado contra Carlos Lacerda. Mas
mitos não são destruídos facilmente. E há toda a grandeza de Lula a impedir
isso. A forte transformação do Brasil e da sociedade brasileira em seus
governos – especialmente em matéria de diminuição das distâncias sociais. Mas
não é isso o que quero discutir. Em vez de ficar na antropologia (leitura do
mito), ou na defesa do ex-presidente (até muito fácil de fazer, em termos
comparativos), meu tema diz respeito a um campo particular da sociologia
política. À sociologia dos partidos e do voto no Brasil.
Porque
nos ensinaram quase tudo errado nessa matéria. Principalmente, a sociologia
paulista, que vinha fazendo nossas cabeças desde a década de 1960. O que ela
dizia? O professoral, com seus dados e suas pesquisas supostamente científicas?
Simples. Que o voto na direita era coisa ligada ao atraso econômico, coisa mais
do campo e de baixo grau de urbanização. O voto “progressista”, ao contrário,
era típico de lugares que conheciam o avanço econômico, a modernização técnica,
a expansão urbana.
A
gente ouvia e seguia repetindo os clichês, acreditando que era isso mesmo. A
cegueira de nossos sociólogos, no entanto, era espantosa. Algo de simplesmente
inacreditável. Afinal, eles estavam plantados numa cidade que negava, direta e
espetacularmente (e até mesmo com estardalhaço), as suas lições: São Paulo. Se
a tese sociológica estivesse certa, São Paulo deveria ser uma cidade totalmente
entregue ao voto “progressista”. Mas, o que acontecia ali era justamente o
contrário. Os chamados “progressistas” na maioria das vezes eram (e ainda hoje
são) batidos, inclusive com Dilma Rousseff perdendo para José Serra, o grande
guerreiro da condenação e do combate ao aborto. São Paulo aparecia então – e continuaria
aparecendo- como território direitista e expressão fortíssima do voto de
direita.
Uma
cidade basicamente conservadora, quase reacionária, direitista, onde Getúlio
Vargas e Lula nunca venceram disputas eleitorais. A cidade que elegia Adhemar
de Barros, Jânio Quadros (sempre vencedor, atravessando décadas para dar uma
surra em Fernando Henrique Cardoso, em disputa pela prefeitura paulistana.),
Paulo Maluf, Gilberto Kassab (que era do DEM) – e que agora, depois de eleger
Kassab e Celso Pitta, pode vir a eleger mais uma cria do malufismo, o
espertíssimo Celso Russomano. A cidade do populismo de direita, enquanto o Rio
de Janeiro, apesar de Carlos Lacerda, tinha portas abertas ao populismo de
esquerda – e, por isso mesmo, votou em Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, com a
nossa mais recente volta à democracia.
Como
nossos ilustres sociólogos não viam isso? Como não viam a poderosa presença
política da direita no horizonte da cidade, na vida e na cabeça de seus
habitantes? Como não sabiam levar, para suas análises e reflexões, o rosário de
vitórias direitistas, que só conheceria um intervalo recente, entre o final do
século passado e o começo deste, com as eleições de Luiza Erundina, em 1989 e
Marta Suplicy em 2000? Não sei. Mas o fato é que, nesse campo, nossa sociologia
política (quase toda ela de extração marxista) se revelava incapaz de enxergar
um palmo diante do nariz, incapaz de conhecer o movimento das ruas, o que
rolava ao ar livre na cidade.
*Escritor
e antropólogo. Trabalha atualmente na campanha de Fernando Haddad em São Paulo.
** Artigo publicado no jornal A Tarde de 29/09/2012
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