Antônio Risério*
Sem
projetos que prestem e sem investimentos relevantes, largada ao demo-dará pelos
poderes públicos, Salvador vê sua projeção na cena brasileira encolher a cada
dia. Veja-se agora, na conjuntura eleitoral. Pousado em São Paulo, trabalhando
nesta área, me bato diariamente com o noticiário sobre o assunto. E a
irrelevância de Salvador chega a ser chocante.
A
mídia fala das eleições aqui, no Rio, em Belo Horizonte, no Recife, em Porto
Alegre, Curitiba e mesmo Florianópolis (que lançou o beijo gay e faz a defesa
da descriminalização da maconha na campanha do candidato do PSOL) e Fortaleza.
Sempre. O que é raro é ter notícias de Salvador. O grau de desimportância da
cidade chega a impressionar. É como se, nesses últimos tempos, ela tivesse se
tornado uma estrela apagada no mapa do país. Nas eleições então, ela passa em
brancas nuvens. Outro dia, aliás, em entrevista para a revista Continente, de
Pernambuco, me perguntaram sobre a crise urbana brasileira e lá fui eu,
obrigado a retratar nossa situação lastimável.
Hoje,
na verdade, a crise é geral. Não há uma só metrópole brasileira que não se
encontre em crise. Nenhuma cidade importante, de uma ponta a outra do país,
vive dias tranquilos. Brasília vai ficando cada vez mais violenta. Curitiba,
com aquela arquitetura pesada e fechada como boa parte de seus moradores,
experimentou alguns avanços, mas, com suas favelas e discriminações, pouco tem
a ver com retóricas à Lerner. Etc. O Brasil fez seu grande movimento de
transição urbana – coisa que hoje vemos na China, na Índia e em países
africanos como a Nigéria – entre as décadas de 1950 e 1970. Foi aí que tivemos
a migração massiva do campo para a cidade, com o país deixando de ser
vastamente rural para se tornar predominantemente urbano. Mas os problemas não
foram resolvidos.
São
Paulo se tornou mais desequilibrada, desigual e segregada, com uma nova e
imensa periferia, formando-se a partir da década de 1950, no rastro da
indústria automobilística – desta vez, não mais com imigrantes europeus, mas
com a migração nordestina. Hoje, ainda é a nossa cidade mais rica e poderosa,
mas é um lugar onde a “mobilidade urbana” corre o risco de se converter em
ficção urbanística e os serviços públicos são de baixa qualidade. Mas triste,
mesmo, é a situação de Salvador, mergulhada num estágio avançado de
deterioração física e simbólica, com uma prefeitura que mescla corrupção e incompetência,
um governo estadual omisso e uma população surpreendentemente apática. Para
sair da grande crise urbana brasileira vamos precisar de um verdadeiro
Ministério das Cidades, de uma verdadeira reforma urbana nacional e de uma verdadeira vontade coletiva de sair
do buraco.
A
jornalista me pergunta o que “a sociedade civil organizada poderia fazer para
estimular a reeducação entre as pessoas e a cidade”. Começar a pensar em sua
própria educação. – respondo. Procurar educar-se a si mesma. Porque essa ”sociedade
civil” não é nenhum exemplo. É a grande criadora de problemas em nossa cidade,
da grossura no trânsito à privatização escandalosa de espaços públicos. O
problema hoje começa na educação doméstica e se prolonga na educação urbana. As
pessoas perdem o senso dos padrões razoavelmente aceitáveis de conduta urbana.
Num certo sentido, a expressão “urbanidade” , na minha adolescência, era nosso
equivalente da sociabilité dos
franceses. E hoje? A sociedade tem de reaprender até os chamados “bons modos”.
Bem.
Toca o telefone. É meu amigo Adolpho Schindler. Notícias de Salvador. Entre
outras coisas, ele me diz que tem gente do PT furiosa porque nossa first lady Fátima Mendonça declarou voto
numa candidata a vereadora do Partido Socialista: Fabíola Mansur. Ora, o PT que
se dane. Já não aguento mais essa voracidade patológica dos “companheiros”, com
sua busca de tudo a qualquer preço e oportunismo para dar e vender. E como
alguém pode se aborrecer com o voto de Fátima em Fabíola? Fabíola é mesmo o melhor
nome para levantar esta nossa tão decaída Câmara. Também voto nela , claro.
*Antropólogo
e escritor. Trabalha na campanha de Fernando Haddad em São Paulo.
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