Sérgio Costa*
Em
saborosa crônica sobre a informalidade baiana, o jornalista Victor Uchôa
fechava com frase ótima para fazer pensar: “Não tenho certeza se é bom ou ruim,
mas o baiano acha quase tudo normal”.
Dias
depois, num debate na Fieb, o superintendente do Meio Ambiente de Salvador,
Luiz Antunes Nery, somou tom indignado à bem-humorada reflexão de Uchoa: “
Aqui, tudo o que é formal acaba na justiça, só a informalidade é inquestionável”.
Nery
deu o exemplo das invasões na Gamboa, consideradas ‘normais’, em contraponto às
dificuldades para se fazer um empreendimento legal na Cidade Baixa, sempre
juridicamente enrolado.
Naquele
território – e só para ficar no entorno do Mercado Modelo - , estão dadas todas
as condições para a criação de um moderno sítio de ruínas, com toques de
zumbilândia, povoada pela apavorante equipe que ajudou o Brasil a conquistar
medalha de ouro no Mundial de Crack.
As
três maiores cidades do país têm muito a aprender entre si. São Paulo, Rio e
Salvador concentram milhões de brasileiros e achegados. São espaços urbanos de
convivência em massa, com todos os problemas que isso acarreta.
A
menorzinha das três, Salvador, exibe a maior densidade demográfica da turma.
Sobra em aglomeração urbana. Não dá para achar tudo “normal” quando se vive
amontoado.
A
convivência aos milhares e milhões exige – por mais que possamos atribuir à
cultura soteropolitana aversão a elas – regras claras e comuns a todos. A maior
parte deveria ser filhas do bom senso.
Seria
ingênuo e descabido impor a Salvador um modelo urbano paulistano, repleto de
interdições em nome de um bem coletivo – que nem funciona tão bem assim. Soaria
demais para uma vila onde certa militância da esculhambação é vista com bons
olhos e defendida com ardor.
Mas
um estágio nos bons serviços prestados por profissionais bem treinados de São
Paulo faria bem enorme a uma economia que precisa crescer e tem no item Turismo
um dos motores do seu desenvolvimento. Os viajantes, não raramente, comparam
locais visitados. E costumam rejeitar experiências negativas.
Evocar
um despojamento carioca ao soteropolitano, exigir que ele exerça a democracia
social de um domingo de sol na orla do Aterro do Flamengo ao final do Leblon,
resultaria igualmente ocioso.
Em
Salvador, as diferenças não convivem bem em espaços públicos e comuns –
retiradas desta frase todas as exceções de praxe, do Carnaval ao futebol. Há um
evidente apartheid social tácito na maior parte do tempo.
Entretanto,
um exemplo que deveria ser considerado é o da revitalização da Lapa carioca. No
passado, região com ares de decadentes com a Cidade Baixa do Mercado. Hoje, um
espaço plural de convivência de tribos urbanas e de pujança econômica que
contagiou, com seu sucesso, muitas áreas na redondeza.
Salvador
é possível. Claro que é. Ainda é. Mas precisa deixar de achar “normal” muito
sintoma do que já é – grave doença urbana. Antes que vire terminal. Aí terá
sido tarde parar de generalizar a falta de estranheza com quase tudo.
*Jornalista e diretor de Redação do
jornal Correio da Bahia
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