Vinte e sete de setembro está chegando. A Bahia se prepara
para brincar com as crianças, com muito caruru e doces. Coisa boa é criança,
coisa boa é brincar. Enquanto festa, que mal pode existir na cerimônia de se
reunir para comer o popularmente conhecido “Caruru de Cosme e Damião” e/ou
“Caruru de Ibeji”? Creio que nenhum. Entretanto, tudo muda quando se fala em
culto religioso. Repito: enquanto cultura popular, maravilha; enquanto
religião, fazem-se necessários alguns esclarecimentos.
Para uma população que busca cada vez
mais o conhecimento, nenhum sentido tem a frase: “Minha mãe sempre fez assim”.
Afinal, nossas mães passavam roupa com ferro a carvão e nem por isto
continuamos a usá-lo. Também não adianta dizer: “Eu sempre dei o caruru e
sempre me dei bem”. Claro! Será que São Cosme e São Damião ou mesmo Ibeji se
aborreceriam com festas feitas com tanta devoção e carinho? Não acredito.
Minha intenção com este artigo não é a
de criar polêmicas, mas sim a de transmitir o conhecimento que possuo sobre
Ibeji, para que o alegre povo baiano possa ampliar cada vez mais seus
conhecimentos e, assim, possa realizar suas festas populares com a alegria que
lhe é peculiar e que tanto agrada aos povos de outras localidades.
Entender o porquê da data 27 de
setembro ser escolhida para a realização dos carurus é fácil: esta era a data
em que a Igreja Católica Apostólica Romana celebrava os santos Cosme e Damião
(hoje, para a Igreja, estes santos são festejados no dia 26 do mesmo mês). Mas
não sei onde foi encontrada a relação dos amados santos católicos com Ibeji –
seres espirituais cultuados pelos africanos. A única semelhança que até hoje
percebi é o fato de os referidos santos terem sido irmãos. Já que ibeji é a
palavra yorubá que significa gêmeos. Se houver outras semelhanças, peço aos
leitores que nos transmitam o que sabem, a fim de que nossa cultura popular
torne-se mais consistente, consequentemente mais fortalecida.
Não podemos ser vaidosos, nem
preconceituosos com um assunto que interessa a todos, indistintamente. Somos
todos baianos. Para que se compreenda essa necessidade, cito o exemplo de uma
“filha de santo” que me fez a seguinte pergunta: “Minha mãe, tem algum problema
eu ir num caruru de Cosme, Damião e Dou?”. Diante daquela pergunta, não me
restou alternativa a não ser indagar-lhe: Cosme e Damião são conhecidos, mas
quem é Dou?. Ao que ela, cheia de opinião, respondeu-me: “Oxente, mãe Stella, é
o irmão de Cosme e Damião!”. Cumpro aqui, portanto, o que considero uma das
funções de uma iyalorixá: esclarecer os devotos da religião de que é
sacerdotisa, como também a toda a população, temas que se cristalizaram de
forma equivocada.
Ibeji não é Cosme e Damião! Ibeji é a
palavra usada pelo povo yorubá quando quer referir-se a qualquer gêmeo nascido.
Em uma família yorubá, o primeiro gêmeo (ibeji) nascido se chama taiwo –
nasce com a luz; já ao segundo gerado se dá o nome de kéhìndè – sobrevive para
unir; a terceira criança que chega ao mundo depois do nascimento de gêmeos
é ìdowu – tem prazer em unir; a quarta criança nascida é alabá – aquela
que recebe e aceita os sonhos e visões.
O seguinte mito explica, muito bem,
essa relação familiar: Egbé – redemoinho de vento (Iansã), mãe de gêmeos
(ibeji) – vivia inquieta e alarmada. Sua casa estava sempre em reforma, porque
seus filhos, muitos travessos, gostavam de brincar colocando fogo na casa.
Egbé, então, resolveu consultar um babalawô, a fim de tentar uma solução para o
problema. Ele aconselhou a mãe dos gêmeos a ter mais um filho. Assim ela fez, e
o terceiro filho (idowù) conseguiu com a sua chegada acalmar os seus irmãos
ibeji. Eles pararam de brincar com fogo e Egbé voltou a ter calma.
Ibeji são crianças que gostam de
brincadeiras e doces. Ibeji gosta de quiabo com azeite, gosta de caruru.
Afinal, são crianças africanas. São filhos de divindades (Xangô e Iansã), sendo
também cultuados como divindades. Dar caruru a Ibeji é atrair alegria,
inocência, renovação… Enfim, é fazer renascer a cada ano a criança que habita
em nós.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do
Ilê Axé Opô Afonjá. Seus artigos são publicados, quinzenalmente, sempre às
quartas-feiras.
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