sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Edgar Santos, o Reitor visionário

Jary Cardoso*
Depois de um período de reciclagem, estou de volta ao blog Jeito Baiano, e recomeço saudando a notícia de que Antonio Risério vai escrever a biografia de Edgard Santos, o fundador da Universidade Federal da Bahia (UFBa), em 1946, e seu primeiro reitor. Durante os 15 anos de seu reitorado, ele abriu as portas e caminhos para um renascimento multicultural na Bahia que se expandiu para São Paulo e Rio e gerou o Cinema Novo e a Tropicália.
Quem deu a notícia dessa biografia foi o editor José Enrique Barreiro em entrevista publicada em 30.1.2011 pela revista Muito (suplemento dominical do jornal A Tarde). Barreiro convidou Risério para tal empreitada certamente levando em conta que o escritor baiano é o autor de Avant-garde na Bahia, editado em 1996 pelo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi.
Avant-garde na Bahia, originalmente, a tese apresentada por Risério para a obtenção do grau de Mestre em Sociologia pela UFBa, trata daquele período liderado pelo reitor Edgard Santos, que trouxe para a universidade grandes cabeças de fora da Bahia, como o compositor erudito de vanguarda, maestro, flautista e crítico de arte Hans-Joachim Koellreutter, de origem alemã e que dirigiu os Seminários Livres de Música em Salvador; o filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva, que criou o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao); a polonesa Yanka Rudzka, diretora da Escola de Dança; e o cenógrafo e diretor de teatro Eros Martins Gonçalves, pernambucano, que dirigia a Escola de Teatro.
A UFBa, sob o comando de Edgard Santos, avançava e fazia convergir os movimentos de arte e cultura existentes na Cidade da Bahia que tinham como protagonistas o crítico de cinema Walter da Silveira, o geógrafo Milton Santos, o arquiteto e urbanista Diógenes Rebouças, o artista plástico Mário Cravo, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o artista plástico baiano-argentino Carybé, o arquiteto (como fazia questão de ser chamada) Lina Bo Bardi, italiana, que estava à frente do Museu de Arte Moderna da Bahia, o fotógrafo e etnógrafo Pierre Verger, francês, o músico inventor Walter Smetak, suíço, entre outros.
E entre os jovens que despontavam na época, muitos deles alunos da UFBa, figuravam Glauber Rocha, Caetano Veloso, Waly Salomão, João Ubaldo Ribeiro, Rogério Duarte, Roberto Pinho, José Carlos Capinan, Gilberto Gil, Carlos Nelson Coutinho, Duda Machado.
Toda essa gente contribuía para um ambiente de invenção e ousadia cultural, regido pelo visionário Edgard Santos. Sobre ele escreveu Jorge Amado, em Bahia de Todos os Santos – Guia de Ruas e Mistérios (citado por Risério em avant-garde na bahia):
“Mestre Edgard Santos era um fidalgo da Renascença e ao mesmo temo dinâmico cidadão do mundo de hoje… Quando o tiraram de sua Universidade, ou seja do formidável trabalho que estava realizando, já não teve motivos para viver, foi-se embora primeiro para o Rio, depois para sempre. A ele se deve, em grande parte, o atual prestígio cultural da Bahia, o desenvolvimento não apenas dos estudos universitários mas de toda nossa vida intelectual”.
Caetano Veloso dá seu depoimento na apresentação do livro avant-garde na bahia:
“(…) O fato de a Universidade estar tão presente na vida da cidade, com seu programa de formação artística levado a cabo por criadores arrojados chamados à Bahia pelo improvável Reitor Edgard Santos, fazia de minha vida ali um deslumbramento. (…)
O que aconteceu na Bahia do final dos anos cinquentas ao início dos sessentas é ainda um aspecto pouco conhecido – embora determinante – da história recente da cultura brasileira. Este livro vem fazê-lo inteligível. Para mim, Risério revela nele o sentido de minha própria inserção no mundo (…)".
A biografia a ser escrita por Antonio Risério certamente irá contribuir para um melhor conhecimento da “Era Edgard Santos” e nos ajudará a entender e a definir o quanto falta atualmente para haver um novo renascimento civilizatório da Cidade da Bahia.
Entrevista de Barreiro à Muito
José Enrique Barreiro é o criador e CEO (Chief Executive Officer, o mais alto cargo executivo) da Editora Versal, com sede no Rio, mas ele mesmo é gente da Bahia – e de sucesso: começou, aos 16 anos, como jornalista do Jornal da Bahia, comandou a TVE no governo Waldir Pires, coordenou o núcleo de publicações da Odebrecht. Pois as duas respostas finais da entrevista de Barreiro à Muito me interessam em especial como blogger do Jeito Baiano.
Na primeira, José Enrique Barreiro responde à repórter Tatiana Mendonça que entre os futuros lançamentos de suas duas editoras (além da Versal, ele é o novo dono da editora carioca Guarda-Chuva), está prevista a biografia de Edgard Santos.
Na segunda resposta, instigada pela repórter, Barreiro faz coro com os descontentes (todos nós) e reclama de tanta coisa errada na Cidade da Bahia, uma situação que está nas antípodas do tempo em que Edgard Santos, o personagem destacado na pergunta anterior, era o reitor da Universidade Federal da Bahia.
TATIANA – Quais são os próximos lançamentos das suas editoras?
BARREIRO – (…) sobre a Bahia, vamos publicar [pela Versal], dentro do Prêmio Clarival do Prado Valladares, da Odebrecht, um livro de arte sobre o Mosteiro de São Bento. E estou fechando com Antonio Risério uma biografia de Edgard Santos. É uma figura que precisa ser resgatada e conhecida. Se houve Tropicalismo, se houve Cinema Novo, isso deve ser creditado largamente a ele. Foi Edgard Santos quem deu um ambiente cultural a esta cidade, propiciou a circulação de ideias. Porque talento nós temos de sobra. Talvez isso seja até um problema, porque a gente fica acomodado no talento, e aí é pouco rigoroso, pouco estudioso, pouco elaborativo… Porque a Bahia, realmente… Nossa gente é maravilhosa. Estou fazendo 20 anos no Rio. Mas venho sempre a Salvador. Tenho até um apartamento aqui, pago IPTU.
TATIANA – Então tem muito do que reclamar.
BARREIRO – É, a cidade está sem… Tenho visto algumas cidades brasileiras, como o Rio e São Paulo, andando para a frente, tentando resolver seus problemas. E Salvador, se não andou para trás, também não andou para frente. Tem problemas de trânsito, tem a questão da especulação imobiliária fortíssima… Tenho receio de que assim a gente possa vir a perder aquilo que nos é mais especial, nossa hospitalidade, nosso jeito tranquilo de ser, nossa amizade. Tomara que se faça algo nesse sentido, e também no sentido cultural. Alguma coisa precisa acontecer para que a gente dê um salto maior. Nós exportamos o Tropicalismo, foi um feito notável. Mas, depois disso, a gente se concentrou muito no Carnaval. A força desse esquema é tão grande, envolve tanta gente, que acabou tomando conta das nossas possibilidades culturais. Não podemos chegar ao resto do País só com o Rebolation. É muito pouco. Temos capacidade para produzir muito mais.
*Jary Cardoso é editor do Jornal A Tarde e do blog Jeito Baiano
** Artigo publicado originalmente no blog Jeito Baiano

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