Paulo Ormindo de Azevedo*
O que iguala um operário e um empresário em dia de chuva em Salvador? A incerteza da hora que vai chegar a casa, o medo de um assalto no engarrafamento e a esperança de não encontrar o fogão ou o BMW flutuando na garagem. Esta perda de qualidade de vida é o retrato da desconstrução do setor público na Bahia. O “Estado mínimo” acabou se transformando em “Estado zero”. Com raras exceções não existem mais corpos técnicos na prefeitura e no Estado capazes de formular políticas públicas, redigir termos de referência e programas de obras ou avaliar os presentes de grego das empreiteiras. Os técnicos se aposentaram ou foram demitidos para serem substituídos por gestores partidários. Os poucos que restam são marginalizados.
Por esta razão, não temos políticas de Estado, nem memória institucional, só ações circunstanciais, de curto prazo, eleitoreiras. O vácuo e a desarticulação são os mesmos na economia, infra-estrutura, habitação, educação e saúde. Enquanto o Rio e São Paulo debatem estratégias de desenvolvimento e capacitam seus gestores em fundações como Getúlio Vargas e Casa de Ruy Barbosa; Minas o faz na Fundação João Pinheiro e Pernambuco na Joaquim Nabuco, nós não possuímos centros de pensamento nem capacitação. Criou-se entre os nossos políticos a ideia de que o saber e a técnica só atrapalham, que progresso se conquista com concreto e ferro e o resto é blá-blá-blá. A medida do desapreço dos nossos dirigentes pelo saber se mede pelo fato de só atrairmos duas universidades federais para a Bahia, enquanto Minas Gerais tem nove.
Mas já tivemos políticos mais sensíveis. Salvador teve, no início da década de 1940, o Epucs (Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador), equivalente do Ippuc de Curitiba, que colocou aquela cidade como referência mundial em gestão urbana. Foram as avenidas de vale do Epucs que catapultaram ACM ao governo do Estado, mas poucos se lembram. Na mesma época, possuíamos um centro de referência de engenharia, o Derba, hoje reduzido a pó. No início da década de 60, tivemos a CPE, de Rômulo Almeida, responsável pelos únicos projetos públicos de industrialização da Bahia, o CIA e o Copec. De lá para cá nada. O ISP-Ufba trabalha hoje mais para outros estados, empresas privadas e municípios que para o governo da Bahia.
Sem planejamento nem projetos, os governos estadual e municipal não têm mando, são meras instâncias reativas, homologadoras de projetos do empresariado, num ritual que passa pela adoção de projetos carimbados, doação de terreno e infra-estrutura, financiamento e isenções fiscais, sem nenhuma discussão com a sociedade ou avaliação do custo/ benefício. O resultado disto é um passivo de custosas obras desarticuladas, sem sustentabilidade, ou paralisadas, como o CAB, Aeroclube, VLT (veículo leve sobre trilhos), Metrô Rótula do Abacaxi, shopping Pelourinho, Via Náutica e viadutos que não levam a nada.
Se a gestão da Bahia e de Salvador estão mal é consequência de uma crise maior. Nosso quadro político atual é formado pelos netos de interventores de Vargas e da ditadura de 64, por emergentes religiosos e sindicais, todos sem projetos, que se odeiam mutuamente, mas estão atados entre si pelas teias do poder. Por falta de entendimento e planejamento não temos uma economia forte, não atraímos investimentos, não potencializamos a RMS (Região Metropolitana de Salvador) ou reduzimos a obesidade mórbida de Salvador. O sintoma mais eloquente dessa doença é a incapacidade do Estado e da prefeitura de elaborarem um projeto urbano para 2014.
Não é, portanto, surpresa que o IBGE constate que Salvador tem o penúltimo PIB (Produto Interno Bruto) per capita do País, perdendo apenas para a pequenina Teresina. Por falta de uma política metropolitana, municípios riquíssimos, como São Francisco do Conde, primeiro no ranking nacional de PIBs, não tenham nada e Candeias seja um favelão. E que um cidadão capixaba tenha seis vezes mais renda que um baiano. Neste ano novo, desejo ao povo baiano que eleja um governo que desprivatize e restaure o setor público, para que possamos voltar a ter um rumo e crescer.
* Arquiteto, é Diretor do CREA e do IAB - BahiaArti
O que iguala um operário e um empresário em dia de chuva em Salvador? A incerteza da hora que vai chegar a casa, o medo de um assalto no engarrafamento e a esperança de não encontrar o fogão ou o BMW flutuando na garagem. Esta perda de qualidade de vida é o retrato da desconstrução do setor público na Bahia. O “Estado mínimo” acabou se transformando em “Estado zero”. Com raras exceções não existem mais corpos técnicos na prefeitura e no Estado capazes de formular políticas públicas, redigir termos de referência e programas de obras ou avaliar os presentes de grego das empreiteiras. Os técnicos se aposentaram ou foram demitidos para serem substituídos por gestores partidários. Os poucos que restam são marginalizados.
Por esta razão, não temos políticas de Estado, nem memória institucional, só ações circunstanciais, de curto prazo, eleitoreiras. O vácuo e a desarticulação são os mesmos na economia, infra-estrutura, habitação, educação e saúde. Enquanto o Rio e São Paulo debatem estratégias de desenvolvimento e capacitam seus gestores em fundações como Getúlio Vargas e Casa de Ruy Barbosa; Minas o faz na Fundação João Pinheiro e Pernambuco na Joaquim Nabuco, nós não possuímos centros de pensamento nem capacitação. Criou-se entre os nossos políticos a ideia de que o saber e a técnica só atrapalham, que progresso se conquista com concreto e ferro e o resto é blá-blá-blá. A medida do desapreço dos nossos dirigentes pelo saber se mede pelo fato de só atrairmos duas universidades federais para a Bahia, enquanto Minas Gerais tem nove.
Mas já tivemos políticos mais sensíveis. Salvador teve, no início da década de 1940, o Epucs (Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador), equivalente do Ippuc de Curitiba, que colocou aquela cidade como referência mundial em gestão urbana. Foram as avenidas de vale do Epucs que catapultaram ACM ao governo do Estado, mas poucos se lembram. Na mesma época, possuíamos um centro de referência de engenharia, o Derba, hoje reduzido a pó. No início da década de 60, tivemos a CPE, de Rômulo Almeida, responsável pelos únicos projetos públicos de industrialização da Bahia, o CIA e o Copec. De lá para cá nada. O ISP-Ufba trabalha hoje mais para outros estados, empresas privadas e municípios que para o governo da Bahia.
Sem planejamento nem projetos, os governos estadual e municipal não têm mando, são meras instâncias reativas, homologadoras de projetos do empresariado, num ritual que passa pela adoção de projetos carimbados, doação de terreno e infra-estrutura, financiamento e isenções fiscais, sem nenhuma discussão com a sociedade ou avaliação do custo/ benefício. O resultado disto é um passivo de custosas obras desarticuladas, sem sustentabilidade, ou paralisadas, como o CAB, Aeroclube, VLT (veículo leve sobre trilhos), Metrô Rótula do Abacaxi, shopping Pelourinho, Via Náutica e viadutos que não levam a nada.
Se a gestão da Bahia e de Salvador estão mal é consequência de uma crise maior. Nosso quadro político atual é formado pelos netos de interventores de Vargas e da ditadura de 64, por emergentes religiosos e sindicais, todos sem projetos, que se odeiam mutuamente, mas estão atados entre si pelas teias do poder. Por falta de entendimento e planejamento não temos uma economia forte, não atraímos investimentos, não potencializamos a RMS (Região Metropolitana de Salvador) ou reduzimos a obesidade mórbida de Salvador. O sintoma mais eloquente dessa doença é a incapacidade do Estado e da prefeitura de elaborarem um projeto urbano para 2014.
Não é, portanto, surpresa que o IBGE constate que Salvador tem o penúltimo PIB (Produto Interno Bruto) per capita do País, perdendo apenas para a pequenina Teresina. Por falta de uma política metropolitana, municípios riquíssimos, como São Francisco do Conde, primeiro no ranking nacional de PIBs, não tenham nada e Candeias seja um favelão. E que um cidadão capixaba tenha seis vezes mais renda que um baiano. Neste ano novo, desejo ao povo baiano que eleja um governo que desprivatize e restaure o setor público, para que possamos voltar a ter um rumo e crescer.
* Arquiteto, é Diretor do CREA e do IAB - BahiaArti
**Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde
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