segunda-feira, 6 de abril de 2009

Um Lugar pra chamar de seu

REGINA MEYER

As cidades estão na ordem do dia, sobretudo as grandes cidades. Qual será a explicação, ou melhor, as explicações para esse protagonismo? Uma hipótese, entre outras, é que as cidades possuem atributos concretos por meio dos quais é possível avaliar as fortes e abrangentes transformações que estão em andamento em todas as esferas da organização da sociedade. É no interior das cidades que estão se reorganizando as atividades produtivas, cujas dimensões espaciais, sociais e culturais ganham forma. Seu caráter intrinsecamente ambivalente e material é, justamente, o tema de dois livros que se situam no interior de um grande arco de tempo que tem o ponto de partida no século 15 e o de chegada na primeira década do século 21. Estão aí presentes cinco séculos decisivos para a história da cidade. Nos dois extremos desse percurso situam-se "A Cidade do Primeiro Renascimento", de Donatella Calabi, arquiteta e professora no Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza, e "Confiança e Medo na Cidade", do sociólogo Zigmunt Bauman. Professor nas universidades de Leeds e Varsóvia, é um dos mais profícuos autores da atualidade, com 17 livros já publicados no Brasil. Embora muito diferentes nas suas abordagens, ambos se situam em pontos distintos de um processo marcado por mudanças no quadro físico que as cidades experimentaram. Numa ponta situa-se o período identificado como primeiro Renascimento, patrocinado por príncipes que entenderam e exerceram com energia o poder a partir da edificação de espaços urbanos "mais organizados" no século 15. Na outra, os espaços da cidade contemporânea, que Bauman aponta como pós-moderna, regidos por príncipes multinacionais e globalizados cujas manifestações iniciais ocorreram no final do século 20. Enquanto Calabi utiliza instrumentos de análise que destacam a articulação entre os aspectos físicos e ideológicos das operações urbanas praticadas no século 15 europeu, Bauman aponta para a experiência desprovida de urbanidade que caracteriza a vida na cidade contemporânea. Entretanto, é indiscutível que ambos analisam de forma distinta um mesmo tema: as relações entre cidade e a sociedade. Nos dois casos fica evidente o acerto da análise de Manuel Castells [sociólogo espanhol] quando diz que a cidade não pode nunca ser vista como mero reflexo da sociedade, mas o seu principal instrumento de realização.


Fonte: Caderno Mais - Folha de São paulo,05/04/09

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