Oliveiros Guanais de Aguiar
Em 50 anos de militância política, iniciando por cargos eletivos aqui e logo depois no cenário nacional, foi lá, no senado federal, que o seu talento pôde afirmar-se e fazê-lo reconhecido como uma das maiores cerebrações nacionais. E olha que no seu tempo o senado reunia as maiores expressões da inteligência e da cultura do Brasil, não era esse galinheiro de hoje. Para ser o melhor naquela época, era preciso ser alguém de genialidade excepcional. Pois o nosso senador o era. Chamava-se Rui Barbosa. Não vou falar de todos os campos em que o seu gênio brilhou. Ficarão também de lado as controvérsias que aconteceram em torno de suas ações e de sua maneira de ser, com os que não gostavam dele, por inferioridade ou por inveja, apontando traços negativos em suas obras e em seu estilo: acusações que lhe foram feitas, em vida, deram-lhe oportunidade de contestá-las todas, com um ímpeto que causava medo e silêncio nos seus detratores. Verboso, de palavreado longo, alheio às realidades nacionais, voltado para a cultura de outros povos e de outros tempos, advogado de interesses estrangeiros, tudo isso e muito mais disseram dele... Há um pouco de razão em algumas dessas críticas, mas, afinal, ninguém é perfeito. E quem o atacava? Micos, gente pequena, porque todos ficavam pequenos comparados a ele. E, de qualquer forma, as suas maiores virtudes relacionam-se ao enfrentamento dos poderosos, ao combate ao militarismo, à contribuição jurídica doutrinária e ao ativismo de uma advocacia desassombrada, criando dificuldades imensas para Floriano Peixoto e envergonhando ( já naquele tempo) o Supremo Tribunal Federal no julgamento do primeiro “Habeas Corpus” que lá chegou, apresentado por Rui em defesa de oficiais revoltosos da marinha.
Por seu enfrentamento ao “Marechal de Ferro”, foi obrigado a pedir asilo na embaixada chilena e a seguir depois em exílio para Argentina e de lá para a Inglaterra. E vale destacar ainda a “sua coragem pessoal, [que foi] até maior do que o seu talento -se isso for possível”- como afirmou o seu mais respeitável opositor no senado, o grande representante do Rio Grande do Sul, Pinheiro Machado. É da relação entre os dois que vamos falar um pouco. Foram amigos e correligionários políticos, depois ficaram em campos opostos, mas um admirava e respeitava o outro. Pinheiro, como líder do Partido Republicano Conservador, se batia muito com Ruy, líder liberal. E uma vez, no curso dos debates, disse assim – “ Deus sabe o sacrifício que me custa enfrentar V.Ex. nesta tribuna”. E, em outra ocasião, afirmou: “ –Quando Rui fala, eu fico mais inteligente. Ele diz o que eu quisera dizer”. Pinheiro, sexagenário, andava em conquistas femininas, o que levou Ruy a dizer num discurso, dirigindo-se ao seu opositor: “V. Ex., touro osco do Sul”... [ Osco, no Rio Grande, é o tom acinzentado do pelo do gado vacum]. Ao que Pinheiro redargüiu : -“ E V. Ex., brilhante sagüi dos canaviais do Nordeste”...
Certa vez, o deputado Germano Hasslocher, freqüentador do mansão do Morro da Graça ( residência do senador gaúcho), furioso com um ataque que Rui desferiu contra Pinheiro Machado, esbravejou: -“ Amanhã vou reduzir Rui a farelo”. Pinheiro interveio: -“Não. Tu não vais fazer nada disso. Primeiro, porque reduzir Rui a farelo não é tarefa ao alcance do poder humano. Segundo , porque, dado que o conseguisses, que sobraria depois neste país?”
Quando Pinheiro Machado foi apunhalado pelas costas no Hotel dos Estrangeiros, Rui recusou, irado, a proteção de uma patrulha mandada para protegê-lo na eventualidade de uma manifestação da ira popular.
Dias depois, o nosso senador preparava-se para comparecer à missa de sétimo dia por alma de Pinheiro, quando lhe chega um amigo para uma consulta de ordem jurídica. Rui sobe numa escada em busca de um livro da última prateleira e cai. Ao tentar levantar-se, não consegue. Tinha quebrado a perna. O médico que o atendeu decretou: setenta dias de repouso. Ruy então comentou, com bonomia: “Foi a última rasteira que o Pinheiro me passou. Não quis que eu fosse à sua missa.”
Rui não deve ser lembrado como a “Águia de Haia”, nem como o homem que “falava todas as línguas”, ou se propunha a “ensinar inglês aos ingleses”, tudo isso fruto da reverente imaginação popular. Rui deve ser lembrado como defensor das liberdades, da justiça, da igualdade entre as nações em face do Direito. Deve ser lembrado pela coragem que teve de enfrentar sábios e poderosos, armados ou não.
Por seu enfrentamento ao “Marechal de Ferro”, foi obrigado a pedir asilo na embaixada chilena e a seguir depois em exílio para Argentina e de lá para a Inglaterra. E vale destacar ainda a “sua coragem pessoal, [que foi] até maior do que o seu talento -se isso for possível”- como afirmou o seu mais respeitável opositor no senado, o grande representante do Rio Grande do Sul, Pinheiro Machado. É da relação entre os dois que vamos falar um pouco. Foram amigos e correligionários políticos, depois ficaram em campos opostos, mas um admirava e respeitava o outro. Pinheiro, como líder do Partido Republicano Conservador, se batia muito com Ruy, líder liberal. E uma vez, no curso dos debates, disse assim – “ Deus sabe o sacrifício que me custa enfrentar V.Ex. nesta tribuna”. E, em outra ocasião, afirmou: “ –Quando Rui fala, eu fico mais inteligente. Ele diz o que eu quisera dizer”. Pinheiro, sexagenário, andava em conquistas femininas, o que levou Ruy a dizer num discurso, dirigindo-se ao seu opositor: “V. Ex., touro osco do Sul”... [ Osco, no Rio Grande, é o tom acinzentado do pelo do gado vacum]. Ao que Pinheiro redargüiu : -“ E V. Ex., brilhante sagüi dos canaviais do Nordeste”...
Certa vez, o deputado Germano Hasslocher, freqüentador do mansão do Morro da Graça ( residência do senador gaúcho), furioso com um ataque que Rui desferiu contra Pinheiro Machado, esbravejou: -“ Amanhã vou reduzir Rui a farelo”. Pinheiro interveio: -“Não. Tu não vais fazer nada disso. Primeiro, porque reduzir Rui a farelo não é tarefa ao alcance do poder humano. Segundo , porque, dado que o conseguisses, que sobraria depois neste país?”
Quando Pinheiro Machado foi apunhalado pelas costas no Hotel dos Estrangeiros, Rui recusou, irado, a proteção de uma patrulha mandada para protegê-lo na eventualidade de uma manifestação da ira popular.
Dias depois, o nosso senador preparava-se para comparecer à missa de sétimo dia por alma de Pinheiro, quando lhe chega um amigo para uma consulta de ordem jurídica. Rui sobe numa escada em busca de um livro da última prateleira e cai. Ao tentar levantar-se, não consegue. Tinha quebrado a perna. O médico que o atendeu decretou: setenta dias de repouso. Ruy então comentou, com bonomia: “Foi a última rasteira que o Pinheiro me passou. Não quis que eu fosse à sua missa.”
Rui não deve ser lembrado como a “Águia de Haia”, nem como o homem que “falava todas as línguas”, ou se propunha a “ensinar inglês aos ingleses”, tudo isso fruto da reverente imaginação popular. Rui deve ser lembrado como defensor das liberdades, da justiça, da igualdade entre as nações em face do Direito. Deve ser lembrado pela coragem que teve de enfrentar sábios e poderosos, armados ou não.
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