Claudio Frischtak, Victor Chateaubriand e Felipe Katz* A infraestrutura do Brasil continua se deteriorando. Talvez o indicador mais sintético seja o nível de gastos no setor: oscilando em torno de 2% do PIB na década, não chegou a 3% no auge do PAC (o ano 2010), considerado o mínimo para repor a depreciação do capital fixo investido. Resultado: congestionamentos crescentes nos sistemas de transporte urbanos e suburbanos, notadamente nas regiões metropolitanas; deterioração da rede aeroportuária, com excesso de demanda e lenta resposta nos principais pontos nodais (Guarulhos, Brasília, Congonhas); piora palpável da qualidade de serviços de telecomunicações; indicadores sofríveis de cobertura da rede de esgoto; e falhas recorrentes nos sistemas de transmissão e principalmente distribuição de energia.
Esta situação é incompatível com as necessidades de um país em rápida transformação, crescentes aspirações das camadas cujo nível de renda e consumo vem se expandindo, e as próprias obrigações do Estado de garantir os serviços básicos à população. Para tanto teríamos de estar alocando cerca de 5% a 6% do PIB, e possivelmente mais - algo próximo a 7% a 8% como os países asiáticos vêm fazendo - para garantir a modernização e universalização de acesso aos serviços, e a competitividade da nossa economia. Neste último aspecto, vale lembrar que custos crescentes de infraestrutura, acompanhados de uma pressão tributária elevada, e ainda baixa produtividade dos fatores na economia brasileira vêm dificultando há alguns anos o Brasil expandir, ou mesmo manter sua posição nos mercados mundiais. Consumimos no presente, poupamos pouco para o futuro, investimos o insuficiente, e nada nos assegura que apenas o dinamismo do mercado interno será suficiente para sustentar no médio e longo prazo um crescimento que se quer inclusivo e equilibrado.
É provável que os investimentos públicos, exclusivos e sob a forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total
A insuficiência nas infraestruturas se manifesta de forma aguda nas cidades: problemas de mobilidade, acessibilidade, poluição hídrica, dentre outros, caracterizam nossas regiões metropolitanas. A escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo em 2014 e a cidade do Rio para os Jogos Olímpicos em 2016 gerou sentimentos contraditórios. Por um lado, grandes expectativas quanto à modernização das infraestruturas das cidades sede desses eventos; por outro, forte preocupação quanto ao desempenho do país como anfitrião. Para muitos, prevaleceu uma política do fato consumado, na medida em que os processos de candidatura tenham tido uma participação marginal do Congresso e a rigor a população não tenha sido consultada, o que é grave dada as implicações para os gastos públicos.
De qualquer forma, uma vez feita a escolha, e os governos - nos três níveis - tenham assumido formalmente os compromissos com a FIFA e o COI, há pouco o que fazer senão assegurar que os gastos sejam realizados judiciosamente, evitando os erros cometidos aqui e alhures. Infelizmente, com pouquíssimas exceções (os jogos de Barcelona em 1992 sendo o caso paradigmático) esses mega eventos deixam frequentemente um legado adverso: gastos inflados, obras rigorosamente não prioritárias, equipamentos subutilizados e pesada herança fiscal. Governo e sociedade civil devem assim garantir que o fenômeno Pan não venha a se repetir. Apenas para relembrar, os gastos realizados foram um múltiplo do programado originalmente. Quando a candidatura do Rio foi ratificada em 2002, previa-se R$ 414 milhões; ao final dos Jogos Pan-Americanos em 2007 tinha-se despendido nada menos do que R$ 3,7 bilhões! Mesmo considerando a inflação no período, obviamente o valor orçado originalmente parece ter sido propositalmente subestimado, enquanto que o realizado refletiu desperdício e má alocação de recursos. Com gastos previstos de R$ 36,4 bilhões ou 1% do PIB, a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 não são uma proposta barata. Os investimentos irão possivelmente atingir seu pico em 2013-14, dado os atrasos que já vem se verificando (Tabela 1). A pressão para terminar a tempo as obras e o consequente relaxamento das regras licitatórias sugerem ser altamente provável que os gastos realizados serão superiores, podendo chegar a 1,5% do PIB. Assim, o país estará gastando com esses dois eventos cerca de metade do que despende em infraestrutura num ano ou, tomando apenas os cinco anos críticos (2011-2015), entre 10% e 15% dos gastos anuais no setor.
Uma questão relevante diz respeito à responsabilidade pelos investimentos. A Copa e os Jogos serão eventos basicamente financiados e de responsabilidade do setor público nas suas três instâncias. Ainda que somente a posteriori seja possível estabelecer qual a efetiva participação privada, os orçamentos dos projetos desde logo sugerem que ela será minoritária ou residual. Por um lado, ao menos 54,8% dos investimentos serão de responsabilidade direta dos governos, e no caso dos aeroportos, da Infraero; por outro, 32,8% serão financiados pela Caixa, BNDES e BNB. Ao mesmo tempo, 10,4% serão executados sob a forma de Parcerias Público-Privadas. No todo, é provável que investimentos públicos, exclusivos e sob forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total.
Riscos de atrasos, custos excessivos e corrupção são elevados, e o país pode não cumprir o prometido
Se recursos públicos predominam, há uma preocupação central, além do potencial desperdício envolvido em obras do governo: qual a sua utilização futura. Pela Tabela 2, cerca de 50,3% dos gastos serão alocados para mobilidade urbana (29,3% ligações rodoviárias, 19,5% metroviárias e 1,6% ferroviárias), assim como 17,6% em melhorias aeroportuárias. Restam poucas dúvidas da necessidade desses investimentos; é importante, contudo, assegurar que no caso de mobilidade ao menos tenham um impacto material nas cidades contempladas, e que junto com os investimentos aeroportuários sejam capazes de responder à demanda e levar à redução dos congestionamentos nos próximos anos.
Predominam no restante dos investimentos instalações esportivas e acomodações. Talvez o maior risco resida nessas duas categorias: estádios que nunca irão se pagar, equipamentos que ficarão subutilizados ou esquecidos a maior parte do ano. Quase R$ 10 bilhões estão em jogo, e a experiência indica que o risco na construção, operação e/ou utilização dessas instalações e equipamentos deveria ser compartilhado com o setor privado, que geralmente sabe fazer contas de forma mais precisa do que o governo. Infelizmente, à medida que o tempo passa e a equação financeira não fecha, o setor público será impelido a tomar riscos cada vez maiores, até porque tanto no caso da Copa quanto dos Jogos foi assumido um compromisso soberano pelo Estado brasileiro. A ideia propalada à época em que o país foi escolhido para sediar a Copa de que o setor privado iria bancar os estádios, dentre outras responsabilidades, se provou falsa em retrospectiva.
Este não é um quadro muito róseo desses dois grandes eventos. Sem dúvida os riscos de atrasos, custos excessivos, corrupção e desperdício são elevados, e mesmo o país não conseguir cumprir com os compromissos assumidos. Dado a magnitude dos riscos, como, portanto, justificar esses gastos?
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por compensar os gastos. O argumento não é destituido de razão, mas a evidência sugere que os eventos em si não são determinantes, mas sim a capacidade de demonstrar ao mundo a competência na sua execução. A obediência ao cronograma programado, a ausência de escândalos que manchem a reputação do país organizador, a qualidade dos equipamentos e instalações, a disciplina operacional e a eficiência com que as competições são realizadas, assim como os legados urbanos mais aparentes são os principais parâmetros usados para julgar se esses grandes eventos deixarão ao fim e ao cabo uma imagem positiva e transformadora do Brasil. Segundo, muitos vêm a Copa e os Jogos como uma oportunidade única de mobilizar recursos - particularmente federais - para investir em projetos de infraestrutura que de outra forma não seriam financiados. É um sentimento compreensível tanto para governantes como cidadãos que aspiram uma melhor qualidade de vida. Porém apesar de que para muitas intervenções recursos volumosos são imprescindíveis, nossa história está coalhada de exemplos de projetos mal concebidos e/ou executados.
Agora resta vigiar, gritar - com apoio da mídia, das organizações sociais e dos parlamentares mais cônscios e responsáveis - e esperar que os governos não abdiquem de sua responsabilidade com o dinheiro público e do imperativo de seu uso correto, e no beneficio da maioria da população.
* Claudio Frischtak é presidente da Inter.B Consultoria, diretor de país do International Growth Center
Victor Chateaubriand, formado em administração pela Wharton School of Business, é fellow do International Growth Center e analista financeiro da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Felipe S. Katz, formado em economia pela PUC-Rio é analista econômico da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Notícia veiculada originalmente no jornal Valor Econômico- 02/05/2011
Esta situação é incompatível com as necessidades de um país em rápida transformação, crescentes aspirações das camadas cujo nível de renda e consumo vem se expandindo, e as próprias obrigações do Estado de garantir os serviços básicos à população. Para tanto teríamos de estar alocando cerca de 5% a 6% do PIB, e possivelmente mais - algo próximo a 7% a 8% como os países asiáticos vêm fazendo - para garantir a modernização e universalização de acesso aos serviços, e a competitividade da nossa economia. Neste último aspecto, vale lembrar que custos crescentes de infraestrutura, acompanhados de uma pressão tributária elevada, e ainda baixa produtividade dos fatores na economia brasileira vêm dificultando há alguns anos o Brasil expandir, ou mesmo manter sua posição nos mercados mundiais. Consumimos no presente, poupamos pouco para o futuro, investimos o insuficiente, e nada nos assegura que apenas o dinamismo do mercado interno será suficiente para sustentar no médio e longo prazo um crescimento que se quer inclusivo e equilibrado.
É provável que os investimentos públicos, exclusivos e sob a forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total
A insuficiência nas infraestruturas se manifesta de forma aguda nas cidades: problemas de mobilidade, acessibilidade, poluição hídrica, dentre outros, caracterizam nossas regiões metropolitanas. A escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo em 2014 e a cidade do Rio para os Jogos Olímpicos em 2016 gerou sentimentos contraditórios. Por um lado, grandes expectativas quanto à modernização das infraestruturas das cidades sede desses eventos; por outro, forte preocupação quanto ao desempenho do país como anfitrião. Para muitos, prevaleceu uma política do fato consumado, na medida em que os processos de candidatura tenham tido uma participação marginal do Congresso e a rigor a população não tenha sido consultada, o que é grave dada as implicações para os gastos públicos.
De qualquer forma, uma vez feita a escolha, e os governos - nos três níveis - tenham assumido formalmente os compromissos com a FIFA e o COI, há pouco o que fazer senão assegurar que os gastos sejam realizados judiciosamente, evitando os erros cometidos aqui e alhures. Infelizmente, com pouquíssimas exceções (os jogos de Barcelona em 1992 sendo o caso paradigmático) esses mega eventos deixam frequentemente um legado adverso: gastos inflados, obras rigorosamente não prioritárias, equipamentos subutilizados e pesada herança fiscal. Governo e sociedade civil devem assim garantir que o fenômeno Pan não venha a se repetir. Apenas para relembrar, os gastos realizados foram um múltiplo do programado originalmente. Quando a candidatura do Rio foi ratificada em 2002, previa-se R$ 414 milhões; ao final dos Jogos Pan-Americanos em 2007 tinha-se despendido nada menos do que R$ 3,7 bilhões! Mesmo considerando a inflação no período, obviamente o valor orçado originalmente parece ter sido propositalmente subestimado, enquanto que o realizado refletiu desperdício e má alocação de recursos. Com gastos previstos de R$ 36,4 bilhões ou 1% do PIB, a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 não são uma proposta barata. Os investimentos irão possivelmente atingir seu pico em 2013-14, dado os atrasos que já vem se verificando (Tabela 1). A pressão para terminar a tempo as obras e o consequente relaxamento das regras licitatórias sugerem ser altamente provável que os gastos realizados serão superiores, podendo chegar a 1,5% do PIB. Assim, o país estará gastando com esses dois eventos cerca de metade do que despende em infraestrutura num ano ou, tomando apenas os cinco anos críticos (2011-2015), entre 10% e 15% dos gastos anuais no setor.
Uma questão relevante diz respeito à responsabilidade pelos investimentos. A Copa e os Jogos serão eventos basicamente financiados e de responsabilidade do setor público nas suas três instâncias. Ainda que somente a posteriori seja possível estabelecer qual a efetiva participação privada, os orçamentos dos projetos desde logo sugerem que ela será minoritária ou residual. Por um lado, ao menos 54,8% dos investimentos serão de responsabilidade direta dos governos, e no caso dos aeroportos, da Infraero; por outro, 32,8% serão financiados pela Caixa, BNDES e BNB. Ao mesmo tempo, 10,4% serão executados sob a forma de Parcerias Público-Privadas. No todo, é provável que investimentos públicos, exclusivos e sob forma de PPPs, atinjam cerca de 94% do total.
Riscos de atrasos, custos excessivos e corrupção são elevados, e o país pode não cumprir o prometido
Se recursos públicos predominam, há uma preocupação central, além do potencial desperdício envolvido em obras do governo: qual a sua utilização futura. Pela Tabela 2, cerca de 50,3% dos gastos serão alocados para mobilidade urbana (29,3% ligações rodoviárias, 19,5% metroviárias e 1,6% ferroviárias), assim como 17,6% em melhorias aeroportuárias. Restam poucas dúvidas da necessidade desses investimentos; é importante, contudo, assegurar que no caso de mobilidade ao menos tenham um impacto material nas cidades contempladas, e que junto com os investimentos aeroportuários sejam capazes de responder à demanda e levar à redução dos congestionamentos nos próximos anos.
Predominam no restante dos investimentos instalações esportivas e acomodações. Talvez o maior risco resida nessas duas categorias: estádios que nunca irão se pagar, equipamentos que ficarão subutilizados ou esquecidos a maior parte do ano. Quase R$ 10 bilhões estão em jogo, e a experiência indica que o risco na construção, operação e/ou utilização dessas instalações e equipamentos deveria ser compartilhado com o setor privado, que geralmente sabe fazer contas de forma mais precisa do que o governo. Infelizmente, à medida que o tempo passa e a equação financeira não fecha, o setor público será impelido a tomar riscos cada vez maiores, até porque tanto no caso da Copa quanto dos Jogos foi assumido um compromisso soberano pelo Estado brasileiro. A ideia propalada à época em que o país foi escolhido para sediar a Copa de que o setor privado iria bancar os estádios, dentre outras responsabilidades, se provou falsa em retrospectiva.
Este não é um quadro muito róseo desses dois grandes eventos. Sem dúvida os riscos de atrasos, custos excessivos, corrupção e desperdício são elevados, e mesmo o país não conseguir cumprir com os compromissos assumidos. Dado a magnitude dos riscos, como, portanto, justificar esses gastos?
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por
Há fundamentalmente duas maneiras substantivas de racionalizar uma alocação de mais de R$ 36 bilhões para os dois eventos esportivos: primeiro, a noção de que as atenções que tais eventos geram na mídia mundial tornem o país um destino turístico e de investimentos ainda mais atraente, de modo que os efeitos econômicos indiretos acabem por compensar os gastos. O argumento não é destituido de razão, mas a evidência sugere que os eventos em si não são determinantes, mas sim a capacidade de demonstrar ao mundo a competência na sua execução. A obediência ao cronograma programado, a ausência de escândalos que manchem a reputação do país organizador, a qualidade dos equipamentos e instalações, a disciplina operacional e a eficiência com que as competições são realizadas, assim como os legados urbanos mais aparentes são os principais parâmetros usados para julgar se esses grandes eventos deixarão ao fim e ao cabo uma imagem positiva e transformadora do Brasil. Segundo, muitos vêm a Copa e os Jogos como uma oportunidade única de mobilizar recursos - particularmente federais - para investir em projetos de infraestrutura que de outra forma não seriam financiados. É um sentimento compreensível tanto para governantes como cidadãos que aspiram uma melhor qualidade de vida. Porém apesar de que para muitas intervenções recursos volumosos são imprescindíveis, nossa história está coalhada de exemplos de projetos mal concebidos e/ou executados.
Agora resta vigiar, gritar - com apoio da mídia, das organizações sociais e dos parlamentares mais cônscios e responsáveis - e esperar que os governos não abdiquem de sua responsabilidade com o dinheiro público e do imperativo de seu uso correto, e no beneficio da maioria da população.
* Claudio Frischtak é presidente da Inter.B Consultoria, diretor de país do International Growth Center
Victor Chateaubriand, formado em administração pela Wharton School of Business, é fellow do International Growth Center e analista financeiro da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Felipe S. Katz, formado em economia pela PUC-Rio é analista econômico da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios
Notícia veiculada originalmente no jornal Valor Econômico- 02/05/2011
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