terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sinos de Belém x sirenes de Salvador


Consuelo Novais Sampaio*
Durante o inverno, é comum a migração de famílias do norte da Europa e da América para regiões mornas do sul. Fogem do frio que as deprime. Com a crise que agora as assola, cresce o número das que buscam os países tropicais. Na onda de turistas que chegam ao Brasil, a Bahia recebe os mochileiros. Mas também recebemos turistas da classe média e alta, alguns chegam a eleger a outrora "Boa Terra" como lugar preferido de morada! Aqui, vou falar de três, que conheço bem. O espírito natalino dos últimos meses do ano desperta, com cânticos sublimes, o amor e a solidariedade que a luta do dia a dia amortecera dentro de nós. Creio que a aura mágica desta estação haja estimulado a minha amiga alemã a doar a sua magnífica biblioteca para uma instituição da Bahia. Animada, cobriu as despesas de embalagem, transporte e recepção dos livros. Desembarcou em Salvador com a intenção de passar 15 dias. Desejava rever Cachoeira, visitar as ilhas da baía. Cansada, foi direto para o hotel. Não chegou a entrar. Mal saltou do táxi, foi barrada por um assaltante. Com o cano do revólver nas costas, arrancou-lhe a corrente de ouro - há tanto tempo no pescoço que parecia encravada na carne - ao tempo em que, num puxão, tomou-lhe a bolsa. Salvou o passaporte, graças ao hábito de levá-lo na pasta de documentos, dentro de pequena sacola. Chegou a Salvador no dia 1º de outubro. Oficializou a doação no dia 2, e voltou para a sua terra no dia 3, prometendo nunca mais pisar na Bahia. O choque entre a propaganda no exterior e a realidade vivida foi brutal e, por sorte, não mortífera. Não falarei do assassinato do italiano Piscitelli, porque os jornais o estão cobrindo. Chegara com a intenção de colaborar num processo educacional tão carente como o nosso. Doava a sua arte, o que sabia e o que tinha, minimizando as nossas precárias condições de vida. Contudo, mata-se, rouba-se e afasta-se aquele que nos chega motivado pelo sentimento de que somos todos um só ser humano - não importa a nacionalidade, a cor, a religião, o sexo. Agressão selvagem sofreu o meu amigo holandês que, há três anos, atraído pelas ligações entre a Bahia e o seu país, havia adquirido uma casa num condomínio para viver com a esposa, após aposentados. Apesar de ter vigia, sua casa era sempre assaltada e, encurtando a história, dela se desfez no ano passado. Mas saudoso da Bahia, voltou com a mulher para "férias tropicais", ao tempo em que lançaria o seu último livro, aplaudido na Europa. Enquanto aguardavam o táxi, frente ao hotel na Barra, para irem ao lançamento, foram abordados por dois rapazes, bem trajados, que, lhes apontando um revólver, levaram a bolsa da mulher, limparam os bolsos do homem e saíram, passos apressados. Gélidos e petrificados, pegaram as malas no hotel e rumaram para o aeroporto. Neste dia tive vergonha de ser baiana.  São muitos os casos recentes. E sou apenas uma impotente cidadã. Outros podem, bem mais do que eu, falar da violência que está destruindo a nossa sociedade! Que repercussão terão no exterior os fatos que citei? E os não citados? Nem sequer falei do meu amigo sueco que partiu, lenço e documento, deixando a casa que construiu em Itapoã, por não mais aguentar a sequência de assaltos e o som ensurdecedor, altas horas da noite, das casas de eventos, espalhadas por todos os lados! Que fatia do orçamento cabe à Secretaria de Segurança para garantir o nosso direito constitucional de ir e vir? Para não espantarmos turistas? Quanto se paga a um policial? E a Secretaria de Educação, como aplica o seu orçamento? Quanto ganha um professor? Como explicar o deboche do presidente da Assembleia Legislativa quando uma professora, desesperada, ameaçou jogar-se da galeria no plenário? (A TARDE nov. p.p.) Que critérios regem a alocação de recursos, frutos de impostos que pagamos? Onde a transparência ordenada por lei federal? Espera-se que nesta época, quando a solidariedade e o amor ao próximo se potencializam com o tilintar dos sinos de Belém, o governo não permita seja esse som divino  amortecido pelo zunir das sirenes em Salvador.
*Doutora em História pela The Johns Hopkins University

Um comentário:

  1. Salvador e uma cidade esplendorosa e nunca fui assaltado. Os casos narrados nesse texto sao isolados. Gringos sao, em gera, alvo facil mesmo.

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