quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Economia criativa: Ideias que valem ouro


 Se no passado recente o que fazia girar a economia eram parques industriais gigantescos, com capital investido em máquinas e funcionários e produção contada em milhares de produtos, hoje existe um vasto mercado em que as ideias geniais valem dinheiro. Essa é a base do conceito da economia criativa, que ganha força no Brasil. Segundo dados das Nações Unidas, 8% do PIB mundial é gerado por negócios em torno de música, literatura, design, moda, desenvolvimento de softwares, artesanato. Esse patrimônio cultural é chamado de intangível, mas os ganhos obtidos por meio dele são bem concretos. 

Que o diga Steve Jobs, fundador da Apple, que chegou a faturar quase 26 bilhões de dólares. Da mesma forma, o garoto americano Mark Zuckerberg criou há oito anos o Facebook, a maior rede social do mundo; sua empresa virtual está avaliada em cerca de 100 bilhões de dólares! Negócios como esses e toda a discussão sobre direitos de propriedade intelectual foram "previstos" pelo economista inglês John Hawkins, autor de The Creative Economy - How People Make Money from Ideas (A economia criativa - como as pessoas ganham dinheiro com ideias), de 2001, um dos primeiros livros sobre o assunto. 
No Brasil, também são muitos os exemplos de pessoas criativas à frente de negócios rentáveis e marcas reconhecidas mundialmente pela qualidade e originalidade. Quando o chef Alex Atala - cujo restaurante, o D.O.M., acaba de ser eleito o quarto melhor do mundo - tempera seus pratos com priprioca, um tipo de capim da Amazônia, ele está fazendo economia criativa. "O elo entre natureza e cultura é a comida. É preciso cozinhar e comer como cidadão", costuma dizer ele, que desbravou a culinária nacional viajando pelos sertões e conhecendo as comunidades que produzem os ingredientes empregados em suas criações gastronômicas. Assim chamou a atenção para si mesmo, para o país e gerou renda para centenas de pessoas, que permanecem em seus lugares de origem. Quem vai a seu restaurante, em São Paulo, vive uma experiência única, e esse fator, tão subjetivo, também gera concretamente dinheiro, emprego e oportunidade para todos os envolvidos. 
"A economia criativa valoriza mais o processo do que o produto", sintetiza Claudia Leitão, que está à frente da recém-criada Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura (Minc). "São prioridades a inclusão e a cooperação. A criatividade brasileira, embora impalpável, é uma das nossas maiores riquezas e pode ser um caminho para o desenvolvimento do país e de todos os envolvidos. Um exemplo: do Oiapoque ao Chuí, as brasileiras bordam. Uma de nossas missões é desenvolver políticas públicas que estimulem e organizem a produção e a comercialização do bordado, para sustento dos autores e também para projetar nossa cultura", diz ela. 
Alguns visionários perceberam esse tesouro e fizeram dele matéria-prima de suas produções notáveis. Um dos pioneiros foi o artista plástico Renato Imbroisi, que, há mais de 30 anos, cria peças incluindo no processo artesãs têxteis de Muquém, pequeno município de Minas Gerais. Seu trabalho é reconhecido na Europa, na África e no Japão. Também é o caso da designer de joias e bijoux Mary Arantes, nascida no Vale do Jequitinhonha; sua marca, Mary Design, emprega artesãos de vários lugares, orientados por ela. A jovem Mana Bernardes, artista plástica carioca cujas joias feitas com material reciclado foram premiadas aqui e no exterior, acredita que para o designer não basta criar. "É ele quem também desenha a forma de trabalhar e o desenvolvimento das pessoas, respeitando potencialidades individuais e conectando pontos em comum. Isso é economia criativa", define ela. 
Com políticas públicas eficientes, esses e outros criadores poderiam fazer mais e incluir mais gente e mais conhecimento em suas obras. "Ocorre que a economia criativa por aqui ainda é incipiente", afirma Rubens Ricupero, economista, diplomata e representante permanente do Brasil na ONU. Ele acredita que o novo modelo contribui para o desenvolvimento, mas não trata o assunto com euforia. As nações com melhor educação, como Austrália (onde surgiu o conceito, na década de 1990) e Inglaterra, têm mais chance de produzir ideias geniais e mantê-las rentáveis, mesmo porque o governo facilita a produção e isenta de impostos os produtos do entretenimento. Já nos países pobres e emergentes, a realidade é outra. "Eu estava na ONU quando esse conceito começou a ser transposto para outros países, em 2000. A ideia era principalmente fazer com que a música gerasse renda na Jamaica e em Cuba, onde há muitos talentos, mas ganha-se pouco com isso; os melhores músicos acabam deixando seus lugares de origem. O Brasil, porém, tem potencial para incrementar a indústria do entretenimento. Basta ver nossa experiência bem-sucedida da exportação de novelas", lembra o economista. Em 2011, as tramas globais tiveram faturamento recorde: 11 bilhões de reais, quase dez vezes mais do que o total investido pelo Minc em projetos culturais. 
O Brasil vive um bom momento para que os talentos e novos negócios desabrochem. Entre 2005 e 2011, as despesas com lazer aumentaram 40,7%, como mostra uma pesquisa da Cetelem-BGN, empresa que analisa perfis do consumidor brasileiro. O novo cenário nacional, com crescimento da classe média e mais acesso a bens materiais e culturais, estimulou o nascimento de novas empresas, como a XYZ Live. Criada pelo Grupo ABC, do publicitário Nizan Guanaes, a companhia surgiu em abril do ano passado e realizou megashows de Eric Clapton, Iron Maiden e Shakira, além de eventos esportivos, como o X-Fighters. A expectativa é atingir a receita de 600 milhões de reais até 2015. No Rio de Janeiro, o site queremos.com.br, criado por jovens apaixonados por música, capta recursos para realizar shows de bandas que, sem essa iniciativa, não chegariam à cidade - por exemplo: James Blake, Little Dragon, Mogwai. Eles calculam os custos de produção e, por meio das redes sociais, arrecadam o dinheiro e vendem os ingressos, tudo virtualmente. A cidade também ganha com isso, pois incrementa o lazer e atrai turistas. 
AS CIDADES INOVADORAS 
Iniciativas como essa, aliás, podem transformar uma cidade comum numa cidade criativa.A economista e urbanista Ana Carla Fonseca Reis, organizadora do livro Cidades Criativas, Perspectivas (Câmara Brasileira do Livro), em parceria com Peter Kageyama, explica: "A conexão entre os bairros e os moradores de diferentes lugares, a inovação que essa pluralidade é capaz de gerar e as expressões culturais caracterizam uma cidade considerada criativa". Isso vai além de ter uma agenda cultural ativa e ser um polo turístico; trata-se de um lugar com soluções inovadoras para problemas urbanos. "Um exemplo é o bairro do Candeal, em Salvador, que era uma área muito vulnerável antes dos projetos sociais implantados por Carlinhos Brown para ensinar música a crianças e jovens. O trabalho chamou a atenção das autoridades e levou para lá água encanada, saneamento, luz; a escola melhorou. A cultura pode contribuir para oferecer mais qualidade de vida", cita a secretária Claudia 
Leitão. Outro exemplo é Paraty, que há dez anos afastou o fantasma da decadência e atraiu os olhos do mundo ao realizar a Festa Literária de Paraty, a Flip. 
LIBERDADE = AUTOESTIMA 
A economia criativa propõe também uma mudança de mentalidade e começa a derrubar crenças arraigadas. A primeira é de que cultura é gasto, não investimento. A segunda, de que arte e dinheiro não se misturam ou que gente criativa é incompetente para lidar com o lado prático da vida. Hoje não basta dirigir o seu filme, tocar bem, produzir um disco ou simplesmente publicar livros: cada vez mais, os autores são convocados a administrar seus recursos, controlar suas produções e divulgar suas obras. Esse é o tempo da simultaneidade, de assumir várias funções para ganhar fãs, leitores, espectadores, territórios - enfim, cumprir o fluxo produtivo completo, com domínio do processo e mais autonomia. Isso também é um aspecto do desenvolvimento. Como apontou Amartya Sen, economista indiano que ganhou o Prêmio Nobel em 1998, "desenvolvimento é criação de liberdades". Tradução: um país desenvolvido não é só aquele que tem índices altos de crescimento, mas o que gera cidadãos capazes de tomar as próprias decisões. Essa capacidade de autogerenciamento e a possibilidade de fazer o que se gosta tendo a sobrevivência garantida influem na autoestima de um povo. "Trazem realização, dignidade e geram menos injustiça. Somos favorecidos pela nossa diversidade", diz Claudia Leitão, que estima um prazo de 20 anos para sentirmos os efeitos dessa transformação de corações, mentes - e bolsos. 
* Com reportagem de Karla Spotorno

Nenhum comentário:

Postar um comentário