Se no passado recente o que fazia girar a economia
eram parques industriais gigantescos, com capital investido em máquinas e
funcionários e produção contada em milhares de produtos, hoje existe um vasto
mercado em que as ideias geniais valem dinheiro. Essa é a base do conceito da
economia criativa, que ganha força no Brasil. Segundo dados das Nações Unidas, 8% do PIB mundial é gerado
por negócios em torno de música, literatura, design, moda, desenvolvimento de
softwares, artesanato. Esse patrimônio cultural é chamado de intangível, mas os
ganhos obtidos por meio dele são bem concretos.
Que o diga Steve Jobs, fundador da Apple, que chegou a faturar quase 26 bilhões de dólares. Da mesma forma, o garoto
americano Mark Zuckerberg criou há oito anos o Facebook, a maior rede social do
mundo; sua empresa virtual está avaliada em cerca de 100 bilhões de dólares!
Negócios como esses e toda a discussão sobre direitos de propriedade
intelectual foram "previstos" pelo economista inglês John Hawkins,
autor de The Creative Economy - How People Make Money from Ideas (A economia
criativa - como as pessoas ganham dinheiro com ideias), de 2001, um dos
primeiros livros sobre o assunto.
No Brasil, também são muitos os exemplos de
pessoas criativas à frente de negócios rentáveis e marcas reconhecidas
mundialmente pela qualidade e originalidade. Quando o chef Alex Atala - cujo
restaurante, o D.O.M., acaba de ser eleito o quarto melhor do mundo - tempera
seus pratos com priprioca, um tipo de capim da Amazônia, ele está fazendo
economia criativa. "O elo entre natureza e cultura é a comida. É preciso
cozinhar e comer como cidadão", costuma dizer ele, que desbravou a
culinária nacional viajando pelos sertões e conhecendo as comunidades que
produzem os ingredientes empregados em suas criações gastronômicas. Assim
chamou a atenção para si mesmo, para o país e gerou renda para centenas de
pessoas, que permanecem em seus lugares de origem. Quem vai a seu restaurante,
em São Paulo, vive uma experiência única, e esse fator, tão subjetivo, também
gera concretamente dinheiro, emprego e oportunidade para todos os envolvidos.
"A economia criativa valoriza mais o processo
do que o produto", sintetiza Claudia Leitão, que está à frente da
recém-criada Secretaria da Economia Criativa do Ministério da Cultura (Minc).
"São prioridades a inclusão e a cooperação. A criatividade brasileira,
embora impalpável, é uma das nossas maiores riquezas e pode ser um caminho para
o desenvolvimento do país e de todos os envolvidos. Um exemplo: do Oiapoque ao
Chuí, as brasileiras bordam. Uma de nossas missões é desenvolver políticas
públicas que estimulem e organizem a produção e a comercialização do bordado,
para sustento dos autores e também para projetar nossa cultura", diz ela.
Alguns visionários perceberam esse tesouro e
fizeram dele matéria-prima de suas produções notáveis. Um dos pioneiros foi o
artista plástico Renato Imbroisi, que, há mais de 30 anos, cria peças incluindo
no processo artesãs têxteis de Muquém, pequeno município de Minas Gerais. Seu
trabalho é reconhecido na Europa, na África e no Japão. Também é o caso da
designer de joias e bijoux Mary Arantes, nascida no Vale do Jequitinhonha; sua
marca, Mary Design, emprega artesãos de vários lugares, orientados por ela. A
jovem Mana Bernardes, artista plástica carioca cujas joias feitas com material
reciclado foram premiadas aqui e no exterior, acredita que para o designer não
basta criar. "É ele quem também desenha a forma de trabalhar e o
desenvolvimento das pessoas, respeitando potencialidades individuais e
conectando pontos em comum. Isso é economia criativa", define ela.
Com políticas públicas eficientes, esses e outros
criadores poderiam fazer mais e incluir mais gente e mais conhecimento em suas
obras. "Ocorre que a economia criativa por aqui ainda é incipiente",
afirma Rubens Ricupero, economista, diplomata e representante permanente do
Brasil na ONU. Ele acredita que o novo modelo contribui para o desenvolvimento,
mas não trata o assunto com euforia. As nações com melhor educação, como
Austrália (onde surgiu o conceito, na década de 1990) e Inglaterra, têm mais
chance de produzir ideias geniais e mantê-las rentáveis, mesmo porque o governo
facilita a produção e isenta de impostos os produtos do entretenimento. Já nos
países pobres e emergentes, a realidade é outra. "Eu estava na ONU quando
esse conceito começou a ser transposto para outros países, em 2000. A ideia era
principalmente fazer com que a música gerasse renda na Jamaica e em Cuba, onde
há muitos talentos, mas ganha-se pouco com isso; os melhores músicos acabam
deixando seus lugares de origem. O Brasil, porém, tem potencial para
incrementar a indústria do entretenimento. Basta ver nossa experiência
bem-sucedida da exportação de novelas", lembra o economista. Em 2011, as
tramas globais tiveram faturamento recorde: 11 bilhões de reais, quase dez
vezes mais do que o total investido pelo Minc em projetos culturais.
O Brasil vive um bom momento para que os talentos
e novos negócios desabrochem. Entre 2005 e 2011, as despesas com lazer
aumentaram 40,7%, como mostra uma pesquisa da Cetelem-BGN, empresa que analisa
perfis do consumidor brasileiro. O novo cenário nacional, com crescimento da
classe média e mais acesso a bens materiais e culturais, estimulou o nascimento
de novas empresas, como a XYZ Live. Criada pelo Grupo ABC, do publicitário
Nizan Guanaes, a companhia surgiu em abril do ano passado e realizou megashows
de Eric Clapton, Iron Maiden e Shakira, além de eventos esportivos, como o
X-Fighters. A expectativa é atingir a receita de 600 milhões de reais até 2015.
No Rio de Janeiro, o site queremos.com.br, criado por jovens apaixonados por
música, capta recursos para realizar shows de bandas que, sem essa iniciativa,
não chegariam à cidade - por exemplo: James Blake, Little Dragon, Mogwai. Eles
calculam os custos de produção e, por meio das redes sociais, arrecadam o dinheiro
e vendem os ingressos, tudo virtualmente. A cidade também ganha com isso, pois
incrementa o lazer e atrai turistas.
AS CIDADES
INOVADORAS
Iniciativas como essa, aliás, podem transformar
uma cidade comum numa cidade criativa.A economista e urbanista Ana Carla Fonseca Reis, organizadora do
livro Cidades Criativas, Perspectivas (Câmara Brasileira do Livro), em parceria
com Peter Kageyama, explica: "A conexão entre os bairros e os moradores de
diferentes lugares, a inovação que essa pluralidade é capaz de gerar e as
expressões culturais caracterizam uma cidade considerada criativa". Isso
vai além de ter uma agenda cultural ativa e ser um polo turístico; trata-se de
um lugar com soluções inovadoras para problemas urbanos. "Um exemplo é o
bairro do Candeal, em Salvador, que era uma área muito vulnerável antes dos
projetos sociais implantados por Carlinhos Brown para ensinar música a crianças
e jovens. O trabalho chamou a atenção das autoridades e levou para lá água
encanada, saneamento, luz; a escola melhorou. A cultura pode contribuir para
oferecer mais qualidade de vida", cita a secretária Claudia
Leitão. Outro exemplo é Paraty, que há dez anos
afastou o fantasma da decadência e atraiu os olhos do mundo ao realizar a Festa
Literária de Paraty, a Flip.
LIBERDADE =
AUTOESTIMA
A economia criativa propõe também uma mudança de
mentalidade e começa a derrubar crenças arraigadas. A primeira é de que cultura
é gasto, não investimento. A segunda, de que arte e dinheiro não se misturam ou
que gente criativa é incompetente para lidar com o lado prático da vida. Hoje
não basta dirigir o seu filme, tocar bem, produzir um disco ou simplesmente
publicar livros: cada vez mais, os autores são convocados a administrar seus recursos,
controlar suas produções e divulgar suas obras. Esse é o tempo da
simultaneidade, de assumir várias funções para ganhar fãs, leitores,
espectadores, territórios - enfim, cumprir o fluxo produtivo completo, com
domínio do processo e mais autonomia. Isso também é um aspecto do
desenvolvimento. Como apontou Amartya Sen, economista indiano que ganhou o
Prêmio Nobel em 1998, "desenvolvimento é criação de liberdades".
Tradução: um país desenvolvido não é só aquele que tem índices altos de crescimento,
mas o que gera cidadãos capazes de tomar as próprias decisões. Essa capacidade
de autogerenciamento e a possibilidade de fazer o que se gosta tendo a
sobrevivência garantida influem na autoestima de um povo. "Trazem
realização, dignidade e geram menos injustiça. Somos favorecidos pela nossa
diversidade", diz Claudia Leitão, que estima um prazo de 20 anos para
sentirmos os efeitos dessa transformação de corações, mentes - e bolsos.
* Com reportagem de Karla Spotorno
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