Há
dois anos esteve aqui para falar de suas “ecovilas” a ambientalista May East,
que talvez até hoje não tenha conseguido se desvencilhar de sua condição de
ex-roqueira, com bem mais visibilidade do que ecochata, coisa que todos nós,
que escrevemos sobre meio ambiente, somos aos olhos do público. Entrevistei-a,
o que fez também a jornalista Emanuella Sombra, que publicou matéria sobre o
ativismo ecológico desta hoje senhora de intensos olhos azuis e cabeça verde. A
revista Veja publicou agora uma entrevista com o economista americano Edward
Glaeser, sobre as vantagens das grandes cidades.
Fiz
um exercício de comparação entre estes dois discursos especializados, o
primeiro (“Para ativar um discurso preciso vivê-lo”, diz May). Produzido por
alguém que vive a experiência objetivamente, defendendo os pequenos núcleos
autossustentáveis, e o segundo (““ não são os grandes centros que tornam as
pessoas mais pobres, mas os mais pobres é que são atraídos pela vida urbana”)
desdobrado por um professor de Harvard estudioso da megametrópoles, da sua
extrema capacidade de produzir riquezas e, ao mesmo tempo ensandecer os homens.
Insolitamente
acho razão em ambos, ou seja, as duas cidades podem ser viáveis, a anã e a
gigante. Transferir para as metrópoles o bucolismo possível em pequenas vilas é
o sonho recorrente de habitantes cosmopolitas estressados; já moradores de
cidades médias são obrigados a viajarem para os grandes centros quando se
deparam com demandas que precisam ser satisfeitas: como diz Glaeser – e ele dá
o parâmetro de 1 milhão de habitantes para cidades grandes – “só lugares com alta
concentração de gente justificam investimentos em grandes museus, teatros, hospitais,
escolas e universidades.”.
Ao
equacionar estas duas dimensões do urbano tentemos não cair no vício
maniqueísta de verticalizar ou não discussão de todo desprovida de consistência
teórica e eivada de preconceitos ideológicos ou erros urbanísticos na
interpretação daqueles que pretendem ter sempre a última palavra no assunto, sem
ouvir ninguém; “pão ou pães é questão de opiniães” brinca Guimarães Rosa.
Certas
cidades, como algumas pessoas, são parasitas. Os humanos pongam nos amigos e
parentes mais prósperos ou nas tetas do serviço público; aqui fingem que
trabalham quando na verdade o que obram são pequenas tarefas
burocrático-administrativas com rigoroso controle de frequência e pouquíssima produtividade.
Já o parasitismo urbano é um raciocínio mais complicado porque de natureza fundiário-imobiliária:
ou são proprietários que seguram suas terras até que a infraestrutura chegue e
as valorize ou são incorporadores que se aproveitam de núcleos já consolidados para
incrementar novas habitações – as mesmas coisas: sem planejamento prévio do entorno,
arrebentam-se as condições de conforto ambiental a médio e curto prazo.
Salvador
incha a uma velocidade de 50.000 habitantes por ano, ou seja, uma cidade média
que não precisaria estar localizada dentro de Salvador.
Tenho
escrito que o urbanismo devia saborear a
garantia dos bons conhaques VSOP (very
special old pale), mas assim: visionário, sustentável (auto), objetivo e
participativo. Reconheço na proposta da ambientalista essas qualidades. O
discurso de Edward Glaese também cumpre essas premissas ao argumentar que a
verticalidade não pode ser simplesmente execrada: estranho perceber certos
escribas defendendo as torres por simples compromisso com alguns incorporadores
que visam apenas o lucro, ou notar altas doses de conservadorismo entre outros,
que condenam as torres, mesmo morando nelas ou vendendo casas históricas a construtoras
para serem transformadas em torres.
Em
minha utopia pessoal penso numa solução mista entre os dois modelos, originando
uma série de cidades médias temáticas, especializadas em cada uso e articuladas
entre si, com densidades controladas e ocupação do solo planejada, ´minimizando
o transporte individual motorizado e com muito verde entre elas, formando a
metrópole.
*Arquiteto
e urbanista
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