Luiz
Fernando Janot*
Com a
consolidação da sociedade industrial, a partir da segunda metade do século XIX,
diversas cidades europeias passaram por um processo radical de urbanização para
se adequarem às transformações econômicas e sociais que ocorriam naquela época.
Paris foi a cidade que melhor representou esse momento com a construção de um
espetacular conjunto de avenidas, praças, parques, monumentos, belos edifícios
residenciais e uma grande variedade de lojas e magazines sofisticados. Até hoje
essa valiosa imagem se mantém conservada e despertando admiração nos que lá
vivem ou que visitam a cidade. Trata-se, sem dúvida, de uma época significativa
para a evolução urbana das cidades e a valorização das suas áreas centrais.
Com o
passar do tempo, novos modelos de ocupação urbana começaram a aparecer,
especialmente nas cidades americanas. Nova York, durante a primeira metade do
século XX, se tornou o paradigma da cidade verticalizada e símbolo de uma
modernidade renovadora. No entanto, com a popularização do automóvel e a construção
de autoestradas, uma parte considerável da próspera classe média americana
optou por morar em aprazíveis bairros residenciais na periferia e se locomover
diariamente para trabalho localizado no centro da cidade. Essa tendência levou
grupos empresariais a construírem, às margens das rodovias, diversos
supermercados e centros comerciais para atender à demanda cotidiana dessa
população itinerante. Da mesma forma surgiram os primeiros shoppings
periféricos. Em geral, eram edificações desprovidas de qualquer preocupação
estética que se assemelhavam a grandes caixas retangulares fechadas enfatizando
apenas o caráter utilitário do empreendimento. Com o passar dos anos, esse
despojamento inicial foi sendo substituído por projetos mais aprimorados para
atrair novos consumidores.
No Rio,
essa tipologia de estabelecimento comercial despontou, nos anos 1980, na Barra
da Tijuca, onde o planejamento urbano privilegia os grandes espaços privados de
uso coletivo como alternativa aos espaços públicos tradicionais. À medida que
esse modelo foi se incorporando aos hábitos de vida da população, os
empreendimentos se multiplicaram e aquele vasto território se transformou na
maior concentração de shoppings da cidade. Do dia para a noite, esses
equipamentos deixaram de ser exclusivos para compras e se tornaram, também,
espaços para o lazer e o entretenimento. Ao fazer desse comportamento uma
rotina, talvez uma parte significativa da população carioca esteja virando as
costas para o valioso patrimônio natural e cultural que a cidade do Rio de
Janeiro possui. Ou será que a exuberância do Rio já não é mais suficiente para
contrapor a sofreguidão consumista que enclausura nos shoppings uma parcela
considerável da sociedade? A resposta para essas questões exige uma reflexão
apurada, principalmente quando se entende que o espaço público é, por natureza,
o lugar ideal para o convívio democrático entre as diferentes camadas que
constituem a sociedade.
É
verdade que, nos últimos anos, a noção de cidade vem passando por uma radical
transformação. Hoje, já existe um contingente significativo de pessoas que
consideram absolutamente normal viver enfurnadas em shoppings e em
megacondomínios multifuncionais sem contato direto com a cidade. São pessoas
que, além de adotar um comportamento segregacionista, não medem as
consequências negativas que a privatização dos espaços públicos causa nas
cidades brasileiras. Todavia, não se pode negar que a proliferação dos
shoppings se deve, também, à paranoica procura por segurança e a sua
caracterização como uma espécie de território protegido dos conflitos da
cidade.
Atualmente,
no Rio, se nota a presença de grandes shoppings em bairros pobres que sequer
possuem rede de esgoto e ruas asfaltadas. O contraste perverso entre esses
locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui
para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços
públicos. Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos
como verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades
sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo
de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca
frustração e discriminação social. Para que o Rio consiga se tornar, de fato, uma
cidade sustentável e possuidora de uma urbanidade solidária nos espaços
públicos é indispensável rever certos conceitos urbanísticos que estimulam a
construção indiscriminada de shoppings em qualquer lugar da cidade.
LUIZ
FERNANDO JANOT é arquiteto urbanista.
E-mail:
lfjanot@superig.com.br.
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