domingo, 20 de maio de 2012

Reflexões sobre a cidade


Antonio Risério*

Acabo de ler o novo livro de Edward Glaeser, Triumph of the City: How Our Greatest Invention Makes Us Richer, Smarter, Greener, Healthier and Happier. É excelente. Nossos ambientalistas deveriam ler. Trata-se de um elogio enfático e eloquente da vida citadina, desmontando fantasias silvestres. Mas não vou resenhar aqui o escrito de Glaeser (que, para quem não sabe, ensina economia em Harvard). Passo, apenas, algumas anotações que fui fazendo ao longo de sua leitura.
Glaeser abre Triumph of the City com as mesmas palavras com que começou um livro anterior - Cities, Agglomeration and Spatial Equilibrium. São informações interessantes. Mais de 240 milhões de norte-americanos vivem juntos em apenas 3% da extensão territorial dos EUA - sua porção urbana. Num planeta de vastos espaços, a humanidade caberia inteira no Texas (e com cada um de nós tendo sua própria casa). Ou seja: a espécie é urbana. Escolheu a cidade como modo de vida. E o fluxo continua. Cada vez mais gente se aglomera em áreas metropolitanas. Em megacidades. Cidades são campos magnéticos de conexões humanas e centros de inovação técnica e mental, como enfatiza o Peter Hall deCities in Civilization. Mas a história dessas entidades não tem sido exatamente fácil. Hoje, nos países mais ricos do Ocidente, as cidades "sobreviveram ao fim tumultuário da era industrial" e, apesar da crise que agora atravessam em grande parte das terras do hemisfério norte, estão firmes e fortes. Já nos lugares mais pobres do planeta, cidades se expandem sem parar, porque "a densidade urbana é o mais claro caminho da pobreza à prosperidade". Apesar dos avanços tecnológicos que determinaram a "morte da distância", o mundo, ao contrário do que pensa Thomas L. Friedman, não é flat. É "pavimentado". Mas, como bem sabemos a partir de nossas experiências pessoais, às vezes os caminhos da cidade são pavimentados em direção ao inferno. "A cidade pode vencer, mas com frequência seus cidadãos parecem perder". O futuro vai depender do modo como aprendemos as lições que as cidades nos dão. Se aprendermos corretamente, "nossa espécie urbana irá florescer no que pode ser uma nova idade de ouro da cidade". De qualquer sorte, numa trajetória milenar até aqui, a cidade triunfou.
Cidades decaem. Exemplo disso é Detroit, amargando as consequências sempre nefastas da monocultura - no caso, a indústria automobilística. Mas cidades, também, dão a volta por cima. Como Nova York, que experimentou um período de declínio econômico em meados do século que passou. Mesmo entre 2009 e 2010, com a economia norte-americana passando maus bocados, os salários, em Manhattan, aumentaram quase 12%. Nova York soube se reinventar. Passou do fabrico de coisas à produção de ideias. No exemplo de Glaeser, a fabricação de tecidos caiu, mas a cidade conta com Calvin Kleins e Dora Karans produzindo desenhos que, não raro, serão executados do outro lado do planeta. "A ascensão, queda e ascensão de Nova York nos leva ao paradoxo central da metrópole moderna - a proximidade se tornou ainda mais valiosa à medida que caiu o custo das conexões através de grandes distâncias. A história de Nova York é única em sua grandeza operística, mas os elementos-chave que conduziram à ascensão espetacular, ao triste declínio e ao notável renascimento da cidade podem ser encontrados também em outras cidades, como Chicago, Londres e Milão". Glaeser toca com insistência nessas teclas. A proximidade é fundamental. Contatos interpessoais intensificam a transmissão de informações e incrementam a criatividade. Nova York deu a volta por cima porque, como Bangalore na Índia, soube tirar partido das rendas cada vez maiores que são geradas pela produção de informação e de ideias, pela capacidade de inovar - o que, por sua vez, se faz melhor quando as pessoas vivem em espaços densamente habitados, em proximidade física e comunicação direta umas com as outras.
Felizmente, diz Glaeser, a Índia não vai pelo caminho sonhado por Gandhi. Assim como Euclydes da Cunha via a autenticidade nacional brasileira nas lonjuras do sertão, o Mahatma dizia que a verdadeira Índia não estava em suas poucas cidades, mas em suas milhares e milhares de vilas. E que o crescimento do país dependia destas. "O grande homem estava errado", sentencia Glaeser. O crescimento da Índia depende quase exclusivamente de suas cidades. Para Glaeser, existe uma correlação near-perfect entre urbanização e prosperidade.
Glaeser defende que políticas públicas devem ajudar pessoas pobres - e não lugares pobres. Seu exemplo: Nova Orleans, cidade de desempenho medíocre no cuidado com seus pobres. Depois da passagem do Katrina, quiseram gastar bilhões de dólares na reconstrução da cidade. Glaeser considera insensata a aplicação de bilhões de dólares em infraestrutura urbana, num lugar que necessitava terrivelmente de dinheiro para educar suas crianças. "A grandeza de Nova Orleans veio sempre de seu povo, não de suas construções". Teria sido melhor distribuir 200 bilhões de dólares entre a gente da cidade: cada pessoa ficaria com 400 mil dólares para gastar em moradia ou educação, lá ou em qualquer outro lugar. Por que "em qualquer outro lugar"? Pelo simples motivo de que, bem antes do Katrina, as pessoas já estavam abandonando Nova Orleans. Desde 1960. Mais: as crianças que deixaram a cidade, depois do Katrina, passaram a ter rendimento escolar superior ao das que fricaram.
A característica mais saliente de uma cidade em declínio é que ela possui muitas moradias e muita infraestrutura, em comparação com a força de sua economia.
Uma afirmação discutível: cidades não tornam as pessoas pobres - elas atraem pobreza (penso que as duas coisas acontecem: de uma parte, produção - de outra, atração e concentração da pobreza). Ao mesmo tempo, é certo que o poder de atrair pobreza é uma prova da pujança da cidade. No exemplo de Glaeser, o fluxo de gente humilde ou excluída para o Rio ou para Rotterdã demonstra a força urbana, não a fraqueza dessas cidades. "Estruturas urbanas podem durar séculos, mas populações urbanas são fluidas. Mais de um quarto dos moradores de Manhattan não vivia lá cinco anos atrás. Pessoas pobres vêm constantemente para Nova York, São Paulo e Mumbai à procura de algo melhor - um fato da vida urbana que deveria ser celebrado". Veja-se o que Glaeser diz do Rio: "Já se passaram quarenta anos desde que o Rio era a capital do Brasil e, durante esse período, sua importância política e econômica decresceu, mas a cidade permanece como o lugar mais prazeroso de uma nação prazerosa. Belas construções antigas e grande beleza natural são a ossatura física na qual os nativos do Rio, os cariocas, criam um espaço urbano excitante. Espaço que é meca para turistas, mas onde os cariocas parecem sempre se divertir mais do que eles". Mais: "A população de uma cidade diz o que a cidade nos oferta. Salt Lake City é cheia de mórmons porque é um bom lugar para se ser um mórmon. Londres tem muitos banqueiros porque é um bom lugar para administrar dinheiro. Cidades como o Rio são repletas de pessoas pobres porque são lugares relativamente bons para gente pobre. Afinal, mesmo sem dinheiro, você ainda pode desfrutar a praia de Ipanema". Mais que isso: favelas podem funcionar como trampolim para uma prosperidade classemediana. No caso, Glaeser cita o exemplo da jovem mulata carioca Leila Velez, que criou o Instituto de Beleza Natural, montou uma rede de salões de beleza e uma fábrica de cosméticos, a Cor Brasil.
Nos termos de Glaeser, o grande paradoxo da pobreza urbana é que, se uma cidade melhora a vida da gente pobre, por meio dos sistemas públicos de educação e transporte, esta cidade vai atrair ainda mais pobres.
Historicamente, diz Glaeser, as pessoas eram pobres demais para deixar que seus gostos, em matéria de entretenimento, fossem decisivos na escolha da cidade onde morar. Nem as cidades eram lugares tão prazerosos assim. À medida que as pessoas se foram fazendo mais ricas, passaram cada vez mais a escolher cidades com base em estilo de vida - "e a cidade do consumo nasceu". Outra coisa: há uma significativa massa de solteiros nas grandes cidades, convertendo-as em marriage markets, onde é mais fácil encontrar um par.
Novas ou velhas, as cidades contemporâneas bem sucedidas atraem pessoas inteligentemente empreendedoras porque, em parte, são parques temáticos urbanos.
Antonio Risério é poeta e antropólogo. Fale com Antonio Risério: ariserio@terra.com.br

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