Paulo Ormindo*
Um artigo e uma entrevista do escritor Antônio Risério deflagrou neste
mesmo jornal uma polêmica sobre a verticalização de nossa orla marítima
proposta pela Lei de Uso do Solo Urbano, recentemente sancionada pelo prefeito,
mas já contestada pelo MPE. Em primeiro lugar, é preciso contextualizar a
verticalização. Mesmo nos Estados Unidos a verticalização das cidades se
restringe ao centro financeiro e comercial conhecido como downtown.
Quando a Dama de Ferro desregulou praticamente tudo na Inglaterra,
surgiram alguns espigões na city londrina, mas diante da reação do público e
inclusive do príncipe Charles, as municipalidades inglesas voltaram atrás. Do
mesmo modo os urbanistas parisienses, diante das pressões das grandes
corporações infra estruturou previamente uma área de expansão de Paris, La
Defense, onde foram reunidos todos os espigões da capital, preservando o
restante da cidade.
A urbanidade pressupõe um bom relacionamento entre moradores e os
espaços públicos e isso pressupõe construções de até cinco ou seis pavimentos,
como ocorre nas cidades europeias e num marco do urbanismo contemporâneo, que é
Brasília. Aquela distância permite a mãe acompanhar o filho brincando no
passeio ou playground. Este é o ponto
defendido pelo teórico Jan Gehl em Cities
for People e exaltado no clássico, Morte
e Vida das Grandes Cidades, da norte-americana Jane Jacobs.
A verticalização indiscriminada das grandes cidades do Terceiro Mundo
se deve à especulação Imobiliária, à violência urbana e à falta de controle da
sociedade sobre as cidades. Mesmo num país como a América do Norte, onde o
capital é tudo, a cidadania de Miam e não permitiu a destruição do distrito art déco , constituído por pequenos
hotéis e condomínios de quatro andares, apesar da hipervalorização do solo
diante da praia. Seus cidadãos sabem que este distrito vale muito mais para a
economia urbana que uma dúzia de espigões para velhos. Por falta desta
consciência estamos matando a galinha dos ovos de ouro que é a Soterópolis.
Não é verdade que a verticalização preserva o verde. Ainda quando a
taxa de ocupação dos espigões seja de 50%, as garagens ocupam 100% do lote,
criando uma muralha de quatro ou cinco pavimentos, impedindo a ventilação, o
verde e o socorro dos bombeiros em caso de incêndio. Ao contrário, bairros de
gabarito mais baixo preservam o verde em seus quintais e o ar puro para toda a
comunidade. O que seria da cidade de São Paulo sem o pulmão verde dos famosos
jardins?
Há sem dúvida uma grande crítica a um modelo de expansão urbana
horizontal vigente nos EUA desde os anos 30 e mais recentemente na Austrália,
conhecido como suburbia e que deve à popularização do carro e
construção de uma enorme rede de estradas. São loteamentos de baixíssima
densidade populacional, que envolvem as grandes cidades, ocupando áreas
anteriormente ocupadas pela agricultura e/ou pecuária. Áreas com lotes de no
mínimo um acre ( 4.050 metros quadrados) sem praticamente nenhum serviço
urbano. Não há viabilidade para o transporte coletivo e cada proprietário tem
que construir uma fossa séptica e um poço artesiano. Este modelo de subúrbios,
que explodiu depois da II segunda Grande Guerra, criou uma enorme dependência
desses países do petróleo. Já na década de 50 do século passado, mais da metade
da população americana morava nesses subúrbios.
Não é este, felizmente, o modelo de desenvolvimento urbano vigente no
Brasil. Não possuímos autopistas como eles, nem suburbias. O que nos falta é
planejamento. Não podemos discutir verticalização sem definir previamente
densidades demográficas, sem saber onde e para que. O próprio Lúcio Costa,
autor do plano de Brasília, admitiu a verticalização da Barra da Tijuca, no Rio
de Janeiro, mas com edifícios afastados entre si 30 ou mais metros. Mas isto é
possível em nossa orla com lotes de 360 metros quadrados? Ou estaremos criando
uma barreira de 60 metros de altura obstruindo a brisa do mar e a vista dos
milhares de habitantes que estão atrás?
* Arquiteto e professor titular da Ufba
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