A partir de 1964, também começa a sua longa trajetória pelo mundo. De Bordeaux, onde fica durante um ano vai para Paris, onde convive com amigos franceses, entre os quais Michel Rochefort, Jacqueline Beaujeu-Garnier, Pierre George, Guy Lassère, George e Niki Coutsinas, Oliver Dolffus, Jacques Levi e brasileiros entre os quais Miota e Luís Navarro de Brito, Miguel Arraes (ex-governador do estado de Pernambuco, Celso Furtado) fundador da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, além de alunos brasileiros que se encontravam cursando o doutorado nas diversas universidades francesas.
Para a Venezuela, onde foi contratado para estudar Caracas no programa Venezuela Hoje , financiado pelo governo da Venezuela e pela ONU, segundo informações da professora Drª Antônia Déa Erdens, leva consigo alguns colaboradores: dois brasileiros, a própria Antônia Dea e Lícia do Prado Valadares, e duas francesas: professora Hélène Lamicq (da Universidade de Creteil - FR) e Marie Hélène Tiercelin.
Antes de seguir para Toronto, casa-se, no Haiti, em 1972, com Marie Hélène. Viajam, assim, para a Universidade Politécnica de Lima - 73, Dar-es-Salaam - 74-76, onde se torna amigo do então presidente Nyerere. Daí segue para a Columbia - NY 76-77 e volta à Venezuela - 75-76. Foi também professor pesquisador durante dois anos do Massachuselts Institute of Technology, Cambridge - 71-72, quando então é convidado para fundar um Laboratório de Geografia na Nigéria, África. Marie Hélène está grávida de Rafael. Como um presente para Milton, para que seu filho nascesse baiano, Marie Hélène decide vir à Bahia. Era o pretexto que ele precisava para voltar em definitivo ao Brasil, já que as duas vezes que aqui esteve, antes de 1977 (uma das quais para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, e a convite da professora Maria de Azevedo Brandão) foram passagens rápidas.
Milton costumava dizer que tinha receio de voltar à Bahia pois, não sabia como iria reagir aos abraços daqueles que em 64 lhe viraram as costas. Durante os treze anos que esteve fora do país, estruturou a base do pensamento que analisa o impacto social provocado pelo desenvolvimento urbano político e econômico. Milton volta, conhecido e admirado mundialmente, já com várias obras publicadas. Trazia um novo livro que iria revolucionar a Geografia pelos seus conceitos, Por uma Geografia Nova , dedicado a geógrafa Lígia Ferraro, sua amiga, morta prematuramente. O lançamento do livro aconteceu na Livraria Civilização Brasileira da Avenida Sete, nas Mercês, centro histórico de Salvador.
No mesmo ano, professor Milton enche um auditório do Instituto de Geociências da UFBA, com cerca de 200 pessoas vindas de todas as partes da Bahia e do Brasil num curso de extensão sobre ACidade Mundial de Nossos Dias. Nasce Rafael, em julho de 1977. A Universidade Federal da Bahia, entretanto, não se interessa por reintegra-lo como professor. Em anos anteriores, vários reitores foram procurados para que trouxessem Milton do seu exílio. Algumas promessas foram feitas, em vão. A Universidade Federal da Bahia, em 1977, continuou em silêncio, assim como as demais universidades do Brasil, com exceção do Rio Grande do Sul. Milton Santos vai para o sul, trabalha entre São Paulo e Rio de Janeiro como consultor.
Em São Paulo, é convidado por sua amiga Maria Adélia Aparecida de Souza, na época coordenadora de Ação Regional do governo Paulo Egydio Martins, para trabalhar como consultor, enquanto não conseguia uma função na Universidade. Em 1979, vai para o Rio de Janeiro onde é contratado como professor assistente, ou seja, com função de um iniciante de carreira. Continuou realizando trabalhos esporádicos. Foram anos difíceis, pelo fato de não saber o que lhe reservava o futuro, para ele e sua pequena família.
Finalmente,em 1984, com o apoio de jovens professores, submete-se ao concurso para titular na Universidade de São Paulo - USP. Foi fundamental, nesse momento, o apoio dos amigos Maria Adélia Souza e Araújo Filho, da mesma forma que a professora Maria do Carmo tinha sido, na Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ. Na USP, manteve um grupo de pesquisadores nos mesmos moldes do antigo Laboratório de Geomorfologia, os quais continuam até hoje. A partir daí, a carreira brilhante de Milton Santos começou a decolar no Brasil, apesar de já ser conhecido no mundo inteiro.
Os convites do exterior continuaram. Foi professor visitante da Universidade de Stanford, na Cátedra de Joaquim Nabuco - 97-98. Foi Diretor de Estudos em Ciências Sociais, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais- Paris 1998. Consultor das Nações Unidas, OIT, OEA e UNESCO. Consultor junto aos governos da Argélia e Guiné Bissau. Consultor junto ao Senado Federal da Venezuela para questões metropolitanas. Membro do comitê assessor do CNPq e ex-coordenador da Comissão de Coordenação dos Comitês Assessores do CNPq - 82-85. Coordenador da área de Arquitetura e Urbanismo da Fundação para o Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo - FAPESP - 91-94. Membro da Comissão de Alto nível do Ministério da Educação, encarregada de estudar a situação de ensino no país - 98-90. Membro da comissão especial da Assembléia Constituinte do estado da Bahia, encarregado de redigir um ante-projeto de Constituição Estadual - 89. Presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR - 91-93. Presidente da Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia ) ANPEGE - 93-95.
Em 1994, recebeu o Prêmio Internacional Vautrin Lud, correspondente ao Nobel da Geografia, tendo como proponente o professor Jorge Gaspar, da Universidade de Lisboa. Costumava dizer que, a partir desse prêmio, a mídia brasileira lhe abrira as portas. Recebeu-o na pequena cidade de Saint-Dié des Vosges, coincidentemente na região da cidade de Strasbourg onde havia defendido, na década de 50, o seu doutorado. Pela primeira vez na história desse prêmio, ele era outorgado a um geógrafo que não era nem francês nem norte-americano. Milton Santos recebeu ainda mais de duas dezenas de medalhas, tais como: Medalha de Mérito, Universidad de La Habana, Cuba, 1994; Colar do Centenário - Conjunto de Obra em Geografia - Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1997; Ordem 16 de setembro - Primeira Classe, Estado de Mérida, Venezuela, 1998; 11ª Medalha Chico Mendes de Resistência, Grupo Tortura Nunca Mais, Rio de Janeiro, 1999; Medalha do Mérito, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1999, entre outras. Dentre os prêmios destacam-se: Vozes Expressivas do Final do Milênio, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1997; Personalidade do Ano, Instituto de Arquitetos do Brasil, Rio de Janeiro, 1997; Homem de Idéias, 1998, Caderno Idéias, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1998; O Brasileiro do Século, Revista Isto É, 1999 - laureado na categoria Educação, Ciência e Tecnologia, entre 20 personalidades; Prêmio Jabuti - melhor livro de Ciências Humanas - 1997, com A natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção , Hucitec, São Paulo, 1996; Prêmio UNESCO na categoria Ciência, 2ª edição, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, Brasília, 2000. Seu último prêmio foi o Multicultural Estadão Cultura, em junho de 2000, concorrendo com inúmeras personalidades e sendo votado por milhares de brasileiros.
Numa cerimônia carregada de emoção e beleza, disse: "Considero a indicação do prêmio Multicultural Estadão Cultura como um presente expressivo que coroa, de alguma forma, o meu trabalho intelectual [...] Meu desejo secreto, o desejo dos pensadores, e é difícil confessa-lo, é que o seu trabalho possa ter alguma repercussão, sobretudo quando ele ultrapassa os limites da sua própria área e da universidade. O fato de seu o trabalho ter uma visibilidade em camadas mais amplas da sociedade dá ao seu autor, não a certeza que ele tenha o aplauso geral, mas um certo conforto de ver que o seu discurso não é um discurso fechado. Agradeço a todos que votaram em mim, aos meus amigos e ofereço esse prêmio a todos os brasileiros que tanto esperam de seus intelectuais." Entre 1980 e 2000, Milton recebeu vinte títulos de Dr. Honoris Causa de Universidades do Brasil, da América Latina e da Europa. Publicou mais de quarenta livros e mais de 300 artigos em revistas cientificas, em português, francês, espanhol e inglês. Seu último livro, publicado em 2001 pela editora Record, foi: O Brasil: Território e Sociedade no Inicio do Século XXI . Organizou diversos livros, números especiais de revistas cientificas em português, francês e inglês. Fez pesquisas e conferências em diversos países, dentre os quais: Japão, México, Colômbia, Costa Rica, Índia, Argentina, Uruguai, Tunísia, Argélia, Costa do Marfim, Benin, Togo, Gana, Panamá, Nicarágua, Espanha, Portugal, República Dominicana, Cuba, Estados Unidos, França, Tanzânia, Venezuela, Peru, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Senegal e Itália. Concedeu inúmeras entrevistas à mídia falada e escrita, a entidades diversas, a estudantes, etc.
Em 1996, para os seus 70 anos, amigos se reuniram para prestar-lhe uma homenagem, no Seminário Internacional, em São Paulo, denominado - O mundo do Cidadão. Um cidadão do mundo . Nessa ocasião, foi lançado o livro com o mesmo nome, com depoimentos de 67 intelectuais e amigos de todas as partes do mundo, acolhidos na ocasião pela USP, entre os quais, Manoel Correia de Andrade, Maurício Abreu, Aurora Garcia Ballesteros, Paul Claval, Leila Dias, Inês Costa Ferreira, Octavio Ianni, Rosa Ester Rossini, Armen Mamigonian, Joaquim Bosque Maurel, Rui Moreira, Aldo Paviani, Richard Peet, Ana Clara Torres Ribeiro, Teresa Barata Salgueiro, David Slater, Neil Smith, Marlene d`Aragão Carneiro, Teresa Cardoso da Silva, José Estebanez Alvarez, Jacques Lévy, Creuza Santos Lage, Neyde Maria Gonçalves, Sílvio Dvorecki, Saskia Sassen, Maria Azevedo Brandão, Délio Ferraz Pinheiro, Carlos Reboratti, Graciela Ortega, Daniel Hiernaux-Nicolas, Jorge Gaspar, Pedro Geiger, Ruy Moreira, Adir Rodrigues, Ana Fani Carlos, Pablo Ciccolella, José Borzacchiello, Ana Clara Ribeiro, José Estabanez Álvarez, Miguel Panadero, Ana Maria Gicoechea, Terence McGee, Germân Wettstein, Maria Auxiliadora da Silva, Remy Knafou, Pedro Vasconcelos, Sílvio Bandeira de Melo entre tantos outros. A professora Maria Adélia Aparecida de Souza e o grupo de jovens mestrandos e doutorandos do professor Milton Santos na USP, organizaram a cerimônia. O livro foi organizado pela professora Maria Adélia de Souza, que contou com a colaboração dos professores George Benko, de Paris-Sorbonne; Hélène Lamicq, da Universidade de Creteil; Milton Santos Filho, da Faculdade de Economia da UFBA; Luiz Cruz Lima, da Universidade do Ceará e Maria Auxiliadora da Silva, da UFBA. Esta cerimonia marcou o reconhecimento pleno da importância do professor Milton Santos. Segundo Maria Adélia de Souza, "Milton foi exilado político. Mas, como poucos não tira proveito disso, exerce vivamente a ética na política. Jamais se comportou como vitrine do regime militar [...] Sofreu todas as dificuldades para se estabelecer e sobretudo reingressar na vida e nas universidades brasileiras. Apesar das vicissitudes, procura exercer o seu labor e construir, aí sim, um profundo pensamento teórico e político que o Brasil e os brasileiros necessariamente, aos poucos estão tendo de conhecer e admirar. Milton se instala, não como herói que volta carregado nos braços do povo mas, difícil, cautelosa e profundamente vai se impondo como um dos principais pensadores e intelectuais brasileiros, com um pensamento e uma posição política profundos e inarredáveis.
No exílio, se dedica obstinadamente aos estudos. É aí que fundamenta, sem dúvida nenhuma, sua obra posterior." Além das universidades francesas, americanas e latino-americanas, da África e da Ásia, Milton Santos colaborou ainda com a Complutense de Madrid, de Barcelona e de Lisboa. Na trajetória de Milton Santos é importante relembrar sua disponibilidade para com os amigos, para com os jovens, seu interesse por eles, sua percepção aguçada que fez de cada um que privou de sua amizade, sentir-se o único. Essa afeição também atingiu amigos como Octávio Ianni, Gervásio Neves e Michel Patty, Joaquim Bosque Maurel, Paul Claval, Jacques Hubschman. Estar ao lado do professor Milton Santos traz a segurança de estar perto da sabedoria. Sua presença é forte e ao mesmo tempo suave e sua energia, vontade e alegria são contagiantes. Em 24 de junho de 2001 a saudade toma o lugar de sua presença generosa, do seu sorriso aberto, de sua fala firme e suave, ficando a certeza de termos convivido com quem soube, mais do que ninguém, defender a construção de um mundo mais humano.
* Professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia © Copyright Maria Auxiliadora da Silva , 2002
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