O Outono chegou! Engraçado…Vi e ouvi propagandas de Festival de Inverno, Festival de Verão, escolas festejando o Dia da Primavera, mas nenhuma comemoração para a chegada da estação das folhas secas, que se desprendem das árvores e caem na terra – o Outono. Por que será? Perguntei-me. E me dei conta que, perto de completar 86 anos, experimento o outono da vida. Entretanto, não é porque as folhas caem, que os velhos devem se permitir cair também, pois a filosofia yorubana nos ensina: “Ìbè.rè. àgba bi a ánànò ló ri”, que quer dizer, “mesmo quando o velho curva o corpo, ainda continua de pé”. O religioso tem por obrigação prestar atenção à sucessão das estações, uma vez que elas marcam o ritmo da vida e as etapas do desenvolvimento humano. O Inverno, ligado ao elemento água, refere-se à infância; a Primavera, estação das flores, mostra a fluidez do ar e da juventude; o Verão, a intensidade do sol, símbolo do fogo, demonstra o auge do dinamismo e atuação na vida, características do adulto; o Outono – crepúsculo vespertino – que está ligado ao elemento terra, é a luminosidade do sol e do velho que vai aos poucos se escondendo e se aproximando do horizonte. Há tempos atrás, não se constituía em problema usar as palavras velhice e velho, pois elas apenas se referiam a uma das etapas do desenvolvimento dos seres vivos. Atualmente, isso é “politicamente incorreto”. É como se fosse uma desvalorização dessa etapa de vida, chegando ao ponto de se tornar um adjetivo pejorativo. Resolveram adotar a expressão “melhor idade”. Entretanto, será que existe alguma idade que seja melhor que a outra? Na infância, temos a alegria da criança, acompanhada, no entanto, de uma fragilidade, que deixa os adultos em constante atenção. Na adolescência, o caráter espontâneo não deixa de vir acompanhado de uma coragem inconsequente. Na maturidade, se é dono da própria vida e se carrega, no entanto, o peso da responsabilidade. Na velhice, a tranqüilidade decorrente do acúmulo das experiências vividas é gratificante, energia física, porém, não é mais a mesma – falta “pique”. Percebe-se, assim, que em todas as fases sempre existe uma lacuna. É como diz um dos ditados que os velhos gostam de usar, a fim de passar sua sabedoria para os mais novos: “Na mocidade temos vitalidade e tempo, mas não temos autonomia nem dinheiro; na fase adulta, temos vitalidade e autonomia, mas não temos tempo; na velhice, temos tempo e dinheiro, mas não temos vitalidade. O candomblé é considerado uma religião primitiva. Geralmente, isso é dito com um sentido de desvalorização. Contudo, uma religião é tida como primitiva por ser de origem primeira, original, vinda desde os primeiros tempos. Na referida religião, como em muitas outras de procedência oriental, e nas tribos indígenas, o velho é muito valorizado, ele é considerado um sábio, tendo uma condição de destaque e respeito. Na cultura yorubana, o velho é um herói, pois conseguiu vencer a morte, que nos procura e ronda todos os dias. Ele tem sempre a última palavra, a qual não deve ser contestada. Tanto que é comum em África, a pessoa que ainda não completou 42 anos se manter calada durante as assembléias comunitárias, a fim de exercitarem a importante arte de ouvir. No candomblé, tentamos seguir a tradição que herdamos e ensinamos aos iniciantes essa difícil arte. Mesmo que o iniciante se ache com razão, ele tem o dever de ouvir o mais velho de cabeça baixa e pedir a benção, por respeito. Todavia, não lhe é negado o direito, de em momento outro, justificar-se. Não está fácil manter a tradição hierárquica de respeito ao mais velho: enquanto para o candomblé “antiguidade é posto”, fora dos nossos muros, os mais novos, que vivem em uma sociedade imediatista, não querem ou não conseguem encontrar tempo para ouvir experiências que um dia terão que enfrentar. Até porque os pertencentes à classe da “melhor idade”, não se disponibilizam mais a assumir o papel de transmissores de conhecimento, pois esta característica deixou de ser valorizada na sociedade atual. Não quero dizer com isso que o idoso deve recolher-se, deixando de aproveitar a vida, já que quando jovem aprendi com minha Iyalorixá que “a vida é boa e gozá-la convém”. Para o bem da sociedade, o povo yorubá diz: “ola baba ni imú yan gbendeke”, mostrando que “é a honra do pai que permite ao filho caminhar com orgulho”. E eu digo: Todo pai é um mestre e todo filho é um discípulo!
Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde www.atarde.com.br dia 13/04/2011*Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá.
Mãe Stella estudou no tradicional colégio baiano Nossa Senhora Auxiliadora, dirigido pela professora soteropolitana D. Anfrísia Santiago. É enfermeira aposentada (funcionária pública estadual) formada pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, com especialização em Saúde Pública. Exerceu a profissão por mais de trinta anos.
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