Zulu Araújo*
Salvador, Bahia de São Salvador, primeira capital do país. Celeiro inesgotável de artistas geniais e movimentos culturais importantíssimos que pautaram o Brasil no último século. Para ficar nos exemplos maiores, citemos João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Amado, Carybé, Ilê Aiyê e Olodum, todos, artistas e grupos que foram e são protagonistas em movimentos como a Bossa Nova, o Tropicalismo, e o Samba Reggae, que não só cantaram, pintaram e contaram, como encantaram o Brasil, por sua criatividade, talento e ousadia.
Salvador, a Roma negra dos trópicos americanos, que além de possuir a maior população negra fora do continente africano, produz a maior festa popular do planeta, baseada nas manifestações artísticas e culturais de matriz africana, que é o carnaval. Esta cidade símbolo da luta pela liberdade e que consolidou com armas na mão a independência do Brasil, tem provado aos mais céticos, que alegria combina com cidadania, e que sisudez nunca foi sinonimo de seriedade. Mas, apesar de toda sua tradição cultural, guerreira e festeira, Salvador chora por todos cantos o abandono a que foi relegada.
Parece brincadeira mais é verdade, apesar de ser a terceira capital do país em população, com mais de três milhões de habitantes e possuir um dos movimentos culturais mais poderosos do país, que gera emprego e renda a milhões de trabalhadores, empresários, setor hoteleiro, de bebidas e têxtil, Salvador não possui uma Secretaria de Cultura que elabore, formule e implemente políticas públicas de cultura. Na Prefeitura de Salvador, não há qualquer projeto pensado ou em andamento que estimule ou viabilize a sua gigantesca diversidade cultural. Nada que articule o intercâmbio cultural com a América Latina ou a África para ficarmos no lugar comum. E, olhe que estamos as vésperas da Copa do Mundo de Futebol, onde Salvador é uma das sedes, com pretensão a realizar a abertura da Copa, num esforço gigantesco do Governo do Estado e da população, pois se depender da governança municipal, babau.
A única instituição existente, no plano municipal, é a Fundação Gregório de Mattos, que já teve na sua direção figuras como o ex-ministro Gilberto Gil e o agitador cultural Wally Salomão, mas que hoje encontra-se absolutamente sucateada e abandonada, sem recursos humanos e financeiros. Para que tenhamos uma ideia desta loucura, a Fundação possui de orçamento para o ano de 2011, apenas quinhentos mil reais enquanto a área de comunicação possui cinquenta milhões. Como diria o próprio Gregório se fosse vivo "durma com um barulho desse e diga que passou a noite bem..."
Apesar de todo este quadro dantesco de omissão na gestão municipal, Salvador continua resistindo. Recentemente dezenas de artistas, produtores culturais e empresários do setor lançaram um documento chamando atenção, não mais do Prefeito, mas da própria cidade para a gravidade da situação. As entidades culturais e os próprios artistas, inclusive os consagrados, tem procurado desesperadamente ajuda tanto no governo estadual quanto no governo federal para que os ajudem na elaboração de uma política cultural na cidade do Salvador. Mas, pelo visto, nada disto tem sensibilizado o alcaide municipal.
As articulações para as eleições municipais do próximo ano já estão a pleno vapor, nomes já são citados em quase todas as rodas de samba ou não, e até o presente momento não ouvimos nada sobre o que pensam os aspirantes a prefeitura sobre a nossa cultura. A cidade da Bahia, que é de todo o Brasil, precisa de uma política pública de cultura que esteja no centro do desenvolvimento estratégico da cidade, precisa que suas manifestações culturais sejam tratadas com seriedade e carinho, que a sua diversidade religiosa seja respeitada, que os trabalhadores da cultura sejam qualificados e capacitados, enfim, que a cidade seja tratada com amor e dedicação, pois esta Salvador continua sendo uma referência fundamental e singular no campo da cultura e em particular da cultura afro-brasileira, para que sejamos brasileiros plenos.
"E eu, que só queria que tivéssemos um prefeito que desse um jeito, nessa cidade da Bahia..."
Toca a zabumba que a terra é nossa!
*Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).
*Artigo publicado no Terra Magazine em 12/04/2011
Salvador, Bahia de São Salvador, primeira capital do país. Celeiro inesgotável de artistas geniais e movimentos culturais importantíssimos que pautaram o Brasil no último século. Para ficar nos exemplos maiores, citemos João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Amado, Carybé, Ilê Aiyê e Olodum, todos, artistas e grupos que foram e são protagonistas em movimentos como a Bossa Nova, o Tropicalismo, e o Samba Reggae, que não só cantaram, pintaram e contaram, como encantaram o Brasil, por sua criatividade, talento e ousadia.
Salvador, a Roma negra dos trópicos americanos, que além de possuir a maior população negra fora do continente africano, produz a maior festa popular do planeta, baseada nas manifestações artísticas e culturais de matriz africana, que é o carnaval. Esta cidade símbolo da luta pela liberdade e que consolidou com armas na mão a independência do Brasil, tem provado aos mais céticos, que alegria combina com cidadania, e que sisudez nunca foi sinonimo de seriedade. Mas, apesar de toda sua tradição cultural, guerreira e festeira, Salvador chora por todos cantos o abandono a que foi relegada.
Parece brincadeira mais é verdade, apesar de ser a terceira capital do país em população, com mais de três milhões de habitantes e possuir um dos movimentos culturais mais poderosos do país, que gera emprego e renda a milhões de trabalhadores, empresários, setor hoteleiro, de bebidas e têxtil, Salvador não possui uma Secretaria de Cultura que elabore, formule e implemente políticas públicas de cultura. Na Prefeitura de Salvador, não há qualquer projeto pensado ou em andamento que estimule ou viabilize a sua gigantesca diversidade cultural. Nada que articule o intercâmbio cultural com a América Latina ou a África para ficarmos no lugar comum. E, olhe que estamos as vésperas da Copa do Mundo de Futebol, onde Salvador é uma das sedes, com pretensão a realizar a abertura da Copa, num esforço gigantesco do Governo do Estado e da população, pois se depender da governança municipal, babau.
A única instituição existente, no plano municipal, é a Fundação Gregório de Mattos, que já teve na sua direção figuras como o ex-ministro Gilberto Gil e o agitador cultural Wally Salomão, mas que hoje encontra-se absolutamente sucateada e abandonada, sem recursos humanos e financeiros. Para que tenhamos uma ideia desta loucura, a Fundação possui de orçamento para o ano de 2011, apenas quinhentos mil reais enquanto a área de comunicação possui cinquenta milhões. Como diria o próprio Gregório se fosse vivo "durma com um barulho desse e diga que passou a noite bem..."
Apesar de todo este quadro dantesco de omissão na gestão municipal, Salvador continua resistindo. Recentemente dezenas de artistas, produtores culturais e empresários do setor lançaram um documento chamando atenção, não mais do Prefeito, mas da própria cidade para a gravidade da situação. As entidades culturais e os próprios artistas, inclusive os consagrados, tem procurado desesperadamente ajuda tanto no governo estadual quanto no governo federal para que os ajudem na elaboração de uma política cultural na cidade do Salvador. Mas, pelo visto, nada disto tem sensibilizado o alcaide municipal.
As articulações para as eleições municipais do próximo ano já estão a pleno vapor, nomes já são citados em quase todas as rodas de samba ou não, e até o presente momento não ouvimos nada sobre o que pensam os aspirantes a prefeitura sobre a nossa cultura. A cidade da Bahia, que é de todo o Brasil, precisa de uma política pública de cultura que esteja no centro do desenvolvimento estratégico da cidade, precisa que suas manifestações culturais sejam tratadas com seriedade e carinho, que a sua diversidade religiosa seja respeitada, que os trabalhadores da cultura sejam qualificados e capacitados, enfim, que a cidade seja tratada com amor e dedicação, pois esta Salvador continua sendo uma referência fundamental e singular no campo da cultura e em particular da cultura afro-brasileira, para que sejamos brasileiros plenos.
"E eu, que só queria que tivéssemos um prefeito que desse um jeito, nessa cidade da Bahia..."
Toca a zabumba que a terra é nossa!
*Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).
*Artigo publicado no Terra Magazine em 12/04/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário