Maria Auxiliadora da Silva* Brotas de Macaúbas, Chapada Diamantina, 3 de maio de 1926, nasce Milton Santos, filho de Adalgisa Umbelina de Almeida Santos e Francisco Irineu dos Santos, ambos professores primários formados pelo ICEIA (Instituto Central de Educação Isaías Alves).
No ano de seu nascimento, o Brasil passa por uma grande agitação política e social, com a impopularidade do então Presidente da República do Brasil, Artur Bernardes e a eleição de Washington Luís. É a época da Coluna Prestes. A família de sua mãe, cujos pais eram também professores primários, gozava de prestígio por onde passava. Já a família paterna era mais humilde e descendia de escravos.
Os pais de Milton sabiam que o caminho para a liberdade era a educação. Conheceram-se em 1921, a poucos dias da festa de formatura do Sr. Francisco, na escola Normal de Salvador. D. Adalgisa ingressaria na mesma escola em 1924, casando-se nesse mesmo ano. Partiram, então, para Brotas de Macaúbas, região da Chapada Diamantina, no estado da Bahia, onde morava um irmão mais velho de D. Adalgisa, Dr. Agenor, advogado brilhante na região, conhecedor do latim e do grego. Sua clientela era importante, e seu projeto de vida deu certo, a ponto de ser proprietário de um automóvel, Ford Bigode, que às vezes desaparecia de circulação, já que a gasolina vinha da cidade de Salvador e nem sempre chegava regularmente.
O curso primário, Milton o fez em Alcobaça, sul do estado da Bahia, com os pais, que lhe ensinaram o francês, entre os oito e dez anos. Ali nasceram Nailton e Yeda, seus irmãos. Aos 10 anos, prestou exame de admissão no Instituto Baiano de Ensino, tradicional colégio de Salvador, dirigido pelo Professor Hugo Balthazar da Silveira. Passou em primeiro lugar e foi aceito como aluno interno. Pela primeira vez longe da família, conhece o significado da palavra saudade. Foi colega e amigo de personalidades ilustres da cidade, como: Dr. Geraldo Milton da Silveira, Dezildo Menezes Pereira, Methódio Coelho, Bernardo Leone, entre outros.
Criou e dirigiu o jornal O Farol , que promovia debates literários e difundia conceitos filosóficos. Mais tarde fundou O Luzeiro , para o qual "redigia textos, incentivava os colegas a fazê-los, revisava-os, fazia a paginação e distribuía o jornal", segundo Geraldo Milton, que acrescenta: "Nele eram publicadas obras de romancistas, contistas, poetas pobres e iniciantes e literatura de cordel." "Na minha geração, ser cultivado fazia parte da vida". Havia o culto a escritores e intelectuais, como Castro Alves, Rui Barbosa, Gilberto Freyre, Machado de Assis, Eça de Queiroz, cujas obras eram lidas e comentadas. Milton Santos sempre se distinguiu em Matemática e Filosofia. Na Geografia, era admirador de Josué de Castro, que descobriu através de seu professor do curso secundário, Oswaldo Imbassay.
Bem mais tarde, os dois, Milton e Josué, exilados na França, reencontraram-se, infelizmente pouco tempo, pois Josué veio a falecer, sem receber as homenagens que o Brasil lhe devia. Nessa época, como Milton costumava dizer, a Bahia era uma ilha, uma cultura não industrializada. Terminado o curso no Baiano de Ensino, Milton se preparava, no Colégio da Bahia, para entrar na Universidade. A influência do tio Agenor foi fundamental na escolha da carreira. Milton fez a Faculdade de Direito.
O Brasil declarava guerra aos países do eixo, Alemanha, Itália e Japão. Nessa época, criou o Partido Estudantil Popular-PEP e a Associação Brasileira de Estudantes Secundaristas-ABES, uma alternativa da União Nacional dos Estudantes-UNE. Chegou a ser candidato à presidência da UNE, mas foi aconselhado a trocar sua candidatura para vice, deixando a presidência para um amigo comunista, Mário Alves, com o argumento de que um negro teria dificuldades em interagir com as autoridades. A chapa foi eleita, Milton aceitou o cargo de vice, mas nunca esqueceu esse fato. Participa também da embaixada pró-construção do mausoléu do poeta Castro Alves, e sai com caravana de estudantes pelo interior do Estado, para arrecadar fundos. Foi seu companheiro, entre outros, Geraldo Milton.
Nessa ocasião, ministrava aulas de Geografia Humana, explicando aos alunos "os novos rumos das relações políticas que a guerra vinha determinando no planeta." Já na Faculdade de Direito, Milton empolgava seus colegas com discursos pela democracia. De seu grupo de intelectuais faziam parte Fernando Santana, João Falcão, Jacó Gorender, entre outros. O término do curso de Direito coincide com a morte do seu tio Agenor, numa travessia do Rio São Francisco, quando voltava de Salvador, onde fora articular sua campanha para deputado estadual. Um episódio entre dois grupos pela disputa do grêmio estudantil da Faculdade de Direito, fez com que Simões Filho, ex-ministro da educação do governo brasileiro e dono do poderoso jornal A Tarde , conhecesse Milton e o convidasse para trabalhar na redação do jornal quando terminasse a Faculdade.
Esse foi o início de uma amizade profunda e duradoura entre os dois. Era uma época movimentada, com o fim do regime político do Estado Novo e da 2ª Guerra Mundial. Os pais de Milton, após a longa estada no interior, voltaram para Salvador em 1940, estabelecendo-se na casa de D. Maria José, tia de Milton, no Gravatá, localidade no entorno da Baixa dos Sapateiros. Poucos anos depois, com financiamento da Caixa Econômica Federal, compram a casa da Estrada da Rainha, onde fundaram uma escolinha que até hoje funciona sob a direção da Profª. Altair Gabrielli, prima de Milton. Depois de formado, Milton foi professor do segundo grau de Geografia do ICEIA e do Colégio Central. Submeteu-se a concurso com a tese Povoamento da Bahia, passando, então, a ocupar, como catedrático, a cadeira de Geografia Humana do Ginásio Municipal de Ilhéus, na zona do cacau, sul do estado, ocasião em que já era correspondente do jornal A Tarde . A maneira como descrevia os fatos e a elegância dos textos fez de Simões Filho, um seu admirador.
Auta Rosa Calazans Neto, em conversa informal, conta que, ainda menina, no colégio das freiras, ela e suas colegas, em Ilhéus, admiravam aquele professor que dava aulas no Ginásio Estadual, sempre elegantemente vestido, sem dispensar o colete. Uma dessas meninas, Maria da Conceição Malta - morta recentemente, veio a ser, posteriormente, uma das suas colaboradoras no Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, que mais tarde seria fundado para os trabalhos de pesquisa em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Incentivada por ele, como o foram muitos outros, seguiu à França, para curso de Pós-Graduação, onde se casa, tornando-se Lecarpentier. Recebeu apoio intelectual e financeiro do Dr.Milton e da equipe do Laboratório para a primeira viagem à França.
Durante todo tempo, permaneceram sempre amigos. Ilhéus foi fundamental para Milton. Lá ele escreve artigos de grande importância para o jornal e publica o livro A Zona do Cacau , onde já aconselha veementemente as autoridades e os proprietários de terra a abandonarem a monocultura, sob pena de sofrerem um desastre econômico mais tarde. Nessa época, começa a se interessar pela AGB - Associação de Geógrafos Brasileiros, após uma das viagens ao Rio de Janeiro para curso de férias promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE e onde conhece o geógrafo Aroldo de Azevedo e outros grandes nomes da Geografia da época.
É em Ilhéus também que conhece Jandira Rocha, com quem se casa e tem o primeiro filho, Milton Santos Filho mais tarde, brilhante professor da Faculdade de Economia da UFBA e ex-Secretário de Finanças de Salvador, da prefeita Lídice da Mata - 1993-1997. Milton Filho, falecido prematuramente em plena fase de produção intelectual, foi casado com a Ana Fernandes, professora doutora, atual diretora da Faculdade de Arquitetura da UFBA com quem teve dois filhos, Nina e Alei. A morte de seu filho, bem como a de seu irmão Nailton, pouco depois, é um duro golpe para esse homem tão ligado aos dois. Por volta de 1955 ou 56, Milton já casado retorna a Salvador, e assiste à formatura de Nailton, seu irmão, também bacharel em Direito. Yeda, sua irmã, então estudante de Medicina, ministrava cursos de inglês, alemão, latim, e espanhol na casa da Estrada da Rainha. Milton aluga um apartamento no Loteamento Lanat, muda-se em seguida para o Tororó, localizado nas imediações do bairro de classe média alta de Nazaré, e, posteriormente para a avenida Centenário, no bairro do Chame-Chame.
A essa época, ocupava o cargo de editorialista do jornal A Tarde e de professor da Faculdade Católica de Filosofia, cujo diretor, Irmão Gonzaga, dedicava uma grande amizade e admiração ao jovem professor. Do jornal A Tarde tinha como amigos o professor Ari Guimarães e Jorge Calmon, esse último, redator chefe do jornal. Nesse tempo, as amizades tinham um significado maior. Durante o tempo em que permaneceu nesse jornal, escreveu 116 artigos versando sobre a zona do cacau, a cidade do Salvador, Europa e África e Cuba e outros temas locais e globais.
A formação de Milton muito se deve a Simões Filho, cuja admiração era mútua. Uma grande e afetuosa família: esse era o caráter que Simões Filho quis imprimir à redação do seu jornal. Mais tarde, esse exemplo seria seguido por Milton Santos, junto com sua equipe no Laboratório de Pesquisa em Geografia, fundado em 1959. Em 1956 por ocasião do Congresso Internacional de Geografia no Rio de Janeiro, Milton encontra-se com os grandes geógrafos que já conhecia por suas obras, tais como Orlando Ribeiro, de Portugal, Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines, Pierre Birot, André Cailleux e o seu mestre maior Jean Tricart. "Com ele aprendi o rigor, a vontade de disciplina, a obediência a projetos e o gosto de discutir" dizia Milton. Impressionado com a inteligência e a cultura do jovem professor, Tricart, convida-o para um curso de Doutorado no Instituto de Geografia da Universidade de Strasbourg, um dos mais renomados da Europa.
Assim, Milton Santos fez a sua primeira grande travessia do Atlântico, em direção ao que seria, mais tarde, seu segundo país, ao recebê-lo, anos depois, como exilado. Em Strasbourg, apesar de ser tratado como professor, tinha contatos diretos e agradáveis com os estudantes do mundo inteiro que freqüentavam essa grande Universidade. Sobre ele, escreveu o professor Tricart: "O humor, a alegria, e o sorriso de Milton, classificado como inimitável, conquistaram a simpatia de toda a equipe da Universidade". Milton Santos costumava dizer que essa primeira longa viagem foi a "grande mudança da sua visão de mundo em sua concepção política".
A partir da Europa, seguiu para o seu primeiro contato com a África, e a compreensão dos dois continentes o inspirou a escrever Marianne em preto e branco - Marianne, figura feminina, que simboliza a França, publicado em 1960. Diz Milton, "...a herança francesa é muito forte, embora eu tente me libertar dela até com certa brutalidade. Mas ela é responsável por um estilo independente que aprendi com Sartre, distante de toda forma de militância, exceto a das idéias". Volta a Bahia, após defender com brilhantismo sua tese de doutorado O Centro da Cidade do Salvador , um clássico da Geografia, tão atual como se fosse hoje escrito.
Ainda como professor da Faculdade Católica de Filosofia, trazia professores franceses - Jean Tricart, Pierre George, Jacqueline Beaujeu-Garnier, Etienne Juillard, Michel Rochefort, Pierre Monbeig, Guy Lassèrre, Bernard Kayser, dentre outros, portugueses -Orlando Ribeiro, Raquel Soeiro de Brito, Fernandes Martins e outros e brasileiros - Manoel Correia de Andrade, Araújo Filho, Aziz Ab?Saber, Aroldo de Azevedo, Orlando Valverde, Penteado, Luís Rodrigues e Lyzia e Nilo Bernardes, entre outros, para conferências abertas ao público. Entre esses professores encontravam-se também as jovens professoras Teresa Cardoso da Silva, Nilda Guerra de Macedo e Ana Dias da Silva Carvalho, as duas primeiras também recém-doutoras por Strasbourg. Em fins da década de 50, Milton inscreve-se no concurso para livre docência da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, mas surpreendentemente, o concurso não se realiza, por razões que o professor Délio Pinheiro classifica como vinculadas a uma "oligárquica e segregacionista sociedade baiana de belas gravatas e verdades encobertas." Milton Santos recorre à justiça, tendo como advogado o então Deputado Federal e futuro Senador Nelson Carneiro, vencendo em todas as instâncias e tendo se submetido com brilhantismo ao concurso em 1960, com a tese Os Estudos Regionais e o Futuro da Geografia.
Após a chegada à Bahia, em 1958, vindo da França, instala seu escritório no Edifício Antônio Ferreira, na rua Chile, centro histórico e administrativo da cidade de então. Nessa ocasião, conhece, numa cerimônia, o então reitor da Universidade, Edgard Santos. Como é de costume na França o cumprimento com um aperto de mão, Milton faz esse gesto em direção ao reitor, tido como aristocrata, que fica impressionado com o gesto, com a simpatia e elegância do jovem professor e, por isso, num encontro dias depois, encarregou-o de organizar um grupo de pesquisa, em cujo nome, entretanto não deveria figurar a palavra Geografia, já que a direção não seria dos professores da Faculdade.
Assim, com o apoio do reitor Edgard Santos e do encontro como o professor Tricart, no Hotel da Bahia, hoje Hotel Tropical - único hotel moderno da cidade daquele tempo, representando a Cooperação Técnica Francesa, cria-se o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da Universidade da Bahia, em 1º de Janeiro de 1959. A França (com o General De Gaulle na Presidência e o Ministro da Educação, André Malraux) abria-se, sobretudo para a América Latina. A essa altura, com equipe já organizada, formada pelas três jovens professoras acima citadas, por jovens estudantes de Geografia e de História e por recém-formados, inicia-se a fase da pesquisa de Geografia da Bahia, cujo ensino, na Universidade da Bahia, já contava com nomes de peso como o dos professores Dalmo Guimarães Pontual e Waldir Freitas Oliveira.
Para sediar os trabalhos do grupo, o professor de Letras, Hélio Simões cedeu um espaço do seu laboratório de Estudos Portugueses, nos fundos da Faculdade de Filosofia. Nesse mesmo ano, Milton Santos organiza o IV Colóquio Internacional Luso-Brasileiro, com o patrocínio da Universidade da Bahia e da UNESCO. Nessa ocasião, professores vindos de várias partes do mundo trocaram idéias no campo da Geografia e das ciências sociais.
A década de 60 pode ser considerada como a época áurea de Geografia na Bahia, pois o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais representou uma proposta acadêmica renovadora. Nele, a ciência geográfica era tratada não apenas como técnica, mas como reflexão. Além de atrair jovens vindos de todo o Brasil e da França, no Laboratório a motivação era constante: trabalhos de campo, seminários, cursos, apresentações de trabalhos, leituras comentadas, reuniões científicas, enfim, um ambiente de efervescência cultural e científica. Estudos e diagnósticos sobre Salvador e o estado da Bahia foram realizados pela equipe, a partir de solicitações de organismos administrativos.
O ambiente era de troca intelectual sem competições negativas. Dessa forma, Milton Santos promove a Geografia ao status de disciplina nobre, aproximando-a de outras ciências: política, economia, história, sociologia e filosofia. É desse tempo -entre 1959 e 1964-, o trabalho exaustivo denominado Programa de Estudos Geomorfológicos e de Geografia Humana da bacia do Rio Paraguaçu da Bahia , estudo que teve o objetivo de contribuir para a melhoria das condições de vida das populações locais, realizado por solicitação da Comissão de Planejamento do Estado e com o apoio do Instituto Joaquim Nabuco de Pernambuco.
Um outro grande projeto, foi o estudo sobre o uso da terra nas zonas cacaueira e ocidental do recôncavo baiano, para o Serviço Social Rural, já com análise aerofotogramétrica. Entre 1958 e 1964 foram publicados mais de 60 títulos, livros e artigos de revistas, de autoria de professores brasileiros e estrangeiros. Os deslocamentos eram feitos em um Citroën deux-chevaux, modelo especial para trabalho de campo, oferecido pela Cooperação Francesa, que também doou equipamentos para o LGERUB, e no ônibus da recém fundada Escola de Geologia da Universidade.
Era nessa época que o Dr. Thales de Azevedo, então diretor da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, na Bahia, mantinha um seminário freqüentado por sociólogos, geógrafos, economistas, antropólogos. Nele, distinguiam-se intelectuais como Jorge Calmon, Frederico Edelweiss, Raymond Vander Haegen, cônsul da França e diretor da excelente Casa da França, Clarival do Prado Valadares, Pinto de Aguiar, Luis Navarro de Brito, Valentin Calderon, José Calazans, Luis Henrique Tavares, Edite da Gama e Abreu, Isaias Alves, Lísia e Vital Duarte, Fernando Santana, e os muito jovens Fernando Pedrão, Severo Salles e Remy de Souza, entre outros. Nesse ambiente, cria-se o Boletim Baiano de Geografia , que se manteve até 1969, e publicava artigos de geógrafos do Brasil e da França.
Nessa época, destacam-se, ainda outros centros de ensino e pesquisa, tais como o Instituto de Economia e Finanças, o Gabinete de Estudos Portugueses, o Laboratório de Fonética e o Gabinete de Filologia Românica. Durante todo esse período, a equipe do Laboratório participava ativamente das reuniões anuais da Associação de Geógrafos Brasileiros -AGB, nas quais se estudava, exaustivamente, a cidade sede do encontro e seu entorno.Durante 15 dias, a AGB, era o espaço intelectual importante na época.
Em 63, Milton Santos foi eleito presidente da AGB não sem enfrentar, em Penedo , estado de Alagoas, sede da reunião da AGB em 1962, preconceitos quanto à sua candidatura, sendo veementemente defendido, na ocasião, por Caio Prado Júnior, então editor da Brasiliense. Um ano depois, realizou-se com grande sucesso a AGB em Jequié, sob a presidência de Milton.
A brilhante carreira do Professor tomou vários rumos quando Jânio Quadros, eleito Presidente da República em 1961, mostrou desejo de levar, na sua viagem a Cuba, um dos redatores do jornal A TARDE, e o professor Jorge Calmon, redator-chefe do jornal, indicou Milton Santos. Essa viagem aproximou os dois, Jânio e Milton, e, logo após ser empossado, Jânio o convidou para ser subchefe da casa civil na Bahia, cargo que exerceu durante o curto mandato do presidente, que renunciou após nove meses. Nessa ocasião, propôs a Jânio, medidas como punições a bancos e exportadores, e imposto sobre as grandes fortunas, o que foi acatado pelo presidente. Logo depois, o governador da Bahia, Lomanto Júnior o nomeou presidente da Comissão de Planejamento Econômico - CPE, cargo que ele deixou em 1964. Durante o exercício desse cargo, entre 1963 e 1964, Milton Santos tratou de temas de política econômica e planejamento regional, a partir de uma perspectiva científica, utilizando-se da linguagem acadêmica. Apesar de exercer cargos tão importantes, nunca negligenciou seu trabalho no Laboratório.
Aquela casa de pesquisa e de trabalho funcionava como uma grande família, onde a confiança, a solidariedade e o companheirismo eram a tônica. Todos que desejaram tiveram a oportunidade de realizar cursos de pós-graduação na França ou na África, desenvolvendo suas aptidões, sempre estimulados pelo professor Milton Santos, que transmitia, além de ensinamentos, motivações e autoconfiança, através do pensamento autônomo, crítico e criativo. Com sua capacidade inconteste de gestor, compreendia diferenças e incentivava a produção.
A implantação de uma nova filosofia de trabalho em Geografia, até então inexistente no Brasil, abre espaços para a geração de pesquisas, capazes de movimentar outras mentes e acionar novas idéias. Em meio a esse clima, é colhido pela longa noite iniciada em 1964. Avisado de que corria perigo, é convidado pelo professor Van der Haegen, cônsul honorário da França, para abrigar-se em sua casa, ao tempo em que Nailton, seu irmão, é acolhido na casa de Celso Furtado. De nada adiantou para Milton: enquanto Nailton, ainda em abril, partia para o México de onde, só lá chegando, comunicou-se com a família, Milton era preso e enviado para o quartel militar do 19º BC, no bairro do Cabula, um fim de mundo, na época, onde parte de sua equipe do Laboratório e seus amigos iam diariamente visitá-lo, sem poder aproximar-se muito. Com ele, na cela, no espaço doméstico, ficaram Auto de Castro, professor de Filosofia da Universidade da Bahia, e o engenheiro Ernesto Dremher, superintendente da Refinaria de Petróleo da Bahia, Landulfo Alves.
* Professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-124f.htm