sexta-feira, 29 de abril de 2011

Verdes discutem Trânsito e Sustentabilidade

Augusto Queiroz*

BRT, VLT, METRÔ, BIKE ou a tradicional “paleta”? Qual o meio (ou meios) de transporte mais adequado, ecológico e sustentável para a capital baiana? Estas e outras questões darão a tônica do seminário Mobilidade Urbana: Transporte, Trânsito e Sustentabilidade que o Partido Verde da capital promove neste sábado (30 de abril), a partir das 14h, no Grande Hotel da Barra, em Salvador.
Entre os palestrantes, o secretário estadual para Assuntos da Copa, Ney Campello e o mestre em Urbanismo e arquiteto Francisco Ulisses, um dos formuladores do projeto da Rede Integrada de Transportes de Salvador (RIT). Participam ainda como expositores do evento o engenheiro especialista em Transportes e consultor da FIESP Osvaldo Magalhães e o ex-secretário de Transportes de Salvador, Horácio Brasil, que acaba de voltar de Dubai, onde participou do 59º Congresso da União Internacional de Transportes Públicos.
“Não queremos saber qual é o melhor sistema de transporte de massa para a construtora A ou B ou para a empreiteira C ou D. Nos interessa discutir o que é melhor para a nossa cidade, que hoje vive um verdadeiro caos em termos de mobilidade urbana. Vamos colocar os problemas na roda e discutir para juntos tentar encontrar soluções”, afirmou o presidente do Partido Verde da capital, André Fraga. “A administração da cidade é uma coisa muito séria para que a deixemos apenas nas mãos dos políticos”, pontuou.
O seminário deste sábado é aberto ao público, com entrada franca, e integra uma série de debates que o PV Salvador está promovendo uma vez por mês, discutindo temas como: Saneamento e Meio Ambiente, Ecossistemas Urbanos, Promoção da Cultura da Paz, Habitação Sustentável, Esporte e Lazer, Educação, Economia Solidária, etc. O objetivo é debater um novo modelo de sustentabilidade para Salvador, visando colher subsídios para a formulação de um programa que irá nortear a posição do partido nas eleições municipais de 2012.

* Jornalista

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Hotel Fasano na Praça Castro Alves

Até 2014, a hotelaria baiana vai inaugurar ao menos quatro empreendimentos de luxo, sendo que já estão confirmados um hotel da bandeira Fasano, (ilustração), de alto luxo, que se instalará na Praça Castro Alves, além do Txai Salvador Hotel & Residence, no Largo Dois de Julho, com vista para a avenida Contorno.
“Essas duas redes, classificadas como superluxo, trarão à nossa hotelaria uma sofisticação inédita”, comemora o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia (Abih-BA), José Garrido. Os outros dois são de bandeiras com classificação luxo - um do grupo Hilton, o Solar dos Azulejos, que vai ficar no Comércio, e um da bandeira Radisson, do grupo Atlantica Hotels, na Paralela.
Os novos empreendimentos vão gerar ao menos 600 empregos diretos. Juntos, o Fasano, o Hilton e o Txai, somarão um investimento de R$ 155 milhões. Segundo o secretário do Turismo, Domingos Leonelli, os hotéis, que são para ricos, vão beneficiar pobres. ”O turista rico traz impacto econômico e social porque gasta mais”, observa.
O diretor da Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico de Salvador (Amach), Cícero Melo, garante que vai buscar o diálogo com as construtoras e gestores dos hotéis de luxo para assegurar emprego e qualificação aos moradores locais. “Só turismo não resolve, é preciso movimentar a economia com a participação de quem vive aqui”, argumenta.




Fonte: Correio da Bahia

segunda-feira, 25 de abril de 2011

VLT ou BRT, eis a questão!

*Ivan Durão

Salvador vive um momento histórico com a possibilidade de resolver um dos mais crônicos problemas de mobilidade urbana da cidade, utilizando-se das verbas destinadas a preparar a cidade para a Copa do Mundo de 2014, o transporte público de passageiros, o mais deficiente dentre as principais capitais brasileiras. Aliás, Salvador é pródiga em desperdiçar oportunidades. Ao longo do tempo tivemos bem próximos de resolver, de forma estrutural e definitiva, o Sistema. Vale lembrar que já tivemos ônibus elétricos eficientes atendendo a todos os bairros da Cidade Baixa e linhas de bondes, corredores naturais para implantação de um moderno sistema de VLT, além de obras importantes para a cidade, tais como as avenidas de vale, implantadas a partir de estudos do EPUCS, fechamento e cobertura dos canais de algumas avenidas de vale que deveriam ser utilizadas inicialmente para circulação de ônibus em corredores exclusivos e, posteriormente, como vias para equipamentos de maior capacidade, como metrô ou VLT, por exemplo.
É do conhecimento de todos a importância econômica que o setor de transporte de passageiros por ônibus exerce na cidade e sua influência em discussões sobre esse assunto, até porque, cerca-se sempre de técnicos qualificados para defender seus legítimos interesses. Ocorre que interesses privados, nem sempre se confunde com interesses coletivos, já que não é seu papel, necessariamente, defendê-los. Porém, o poder público tem obrigação de atuar em busca de soluções que permitam maximizar a apropriação pública dos investimentos em infraestrutura.
No caso particular, sabemos que Salvador cresce aceleradamente em direção aos municípios vizinhos Lauro de Freitas e Simões Filho, caracterizando-se um forte processo de conurbação urbana, devendo-se ainda considerar o município de Camaçari, com forte participação populacional e econômica na RMS, motivo pelo qual a integração de qualquer sistema de transporte a ser implantado não pode desconsiderar essa interrelação nos movimentos de origem e destino dos deslocamentos metropolitanos.
Ao longo dos anos, vários (e bons) estudos foram elaborados sobre esse tema, principalmente através da CONDER, que, no final da década de 70 e início da década de 80 estudou e formulou excelentes propostas para o setor, com uma concepção, já àquela época, que contemplava o necessário caráter metropolitano para o Sistema. Porém, infelizmente, apesar de muito esforço e de muitos recursos despendidos ao longo dos anos, continuamos dependente de um modelo anacrônico, ineficiente e impróprio para as necessidades dos usuários, que são diretamente mais penalizados, apesar de não serem os únicos, já que todos sofrem com o excesso de ônibus nas vias, em linhas, de desejos duvidosos, talvez explicados se for levado em consideração o modelo de remuneração do sistema, com forte participação da quilometragem rodada.
Aliás, a questão da remuneração do serviço e do modelo tarifário passa ao largo das preocupações dos gestores públicos, haja vista a pretensão de incluir o metrô no sistema de tarifa única, com recursos do FUNDETRANS, insuficientes para remunerar a diferença entre tarifa preço e o custo por passageiro do modal ônibus. A inserção neste “Fundo” de um modal de custo operacional mais elevado desequilibraria definitivamente o modelo de compensação tarifária vigente. Vale salientar que em todas as cidades do mundo onde existem sistemas de transporte de alta capacidade, as tarifas são subsidiadas já que, o benefício econômico para as cidades é superior ao custo financeiro do subsídio.
Aspectos importantes nessa questão, como a municipalização do sistema ferroviário, que só se vê na Bahia, e do modelo de operação do próprio pretenso metrô pelo município, também modelo só visto na Bahia, demonstram o descaso com o assunto, já que, aspectos primários são desconsiderados quando da formulação dessas propostas, que, via de regra, são elaboradas com visão pontual, de interesses políticos eleitoreiros de resultados duvidosos, ou para atender vaidades pessoais do tipo “fui eu que fiz”, as quais, no médio ou longo prazo levam a problemas para esses gestores através dos órgãos fiscalizadores da aplicação de recursos.
Temos uma nova oportunidade, talvez a derradeira nessa guerra por escassos recursos públicos para investimentos em infraestrutura de transporte em nosso Estado, e, desperdiçá-la para atender interesses menores, de quem quer que sejam, será um erro histórico que deverá marcar os gestores do momento para o resto da vida. A desculpa de prazo ou de valor de investimento comparando-se esse ou aquele modal reveste-se como pano de fundo para justificar a decisão, que se não houver responsabilidade e compromisso, mais uma vez, não será a melhor para os soteropolitanos.
Já assistimos a esse filme em outros momentos e todos sofrem com os equívocos das decisões do passado. Vamos lutar pelo VLT, utilizando como preconizado, o canteiro central da Avenida Paralela. Não foi para postos de combustíveis que o canteiro central foi concebido. Já basta o absurdo que foi feito com a via exclusiva do corredor da Av. Bonocô, que foi desprezado e construído uma via elevada, sem nenhuma justificativa técnica convincente. Não é possível que na Bahia o absurdo continue a prevalecer sempre.
Portanto, entendo que temos que considerar a intermodalidade sim, até porque o modal ônibus é imprescindível para alimentar o sistema de maior capacidade, atingindo regiões com características exclusivas para esse tipo de equipamento. O trem suburbano precisa ser modernizado e sua operação ampliada até Camaçari, passando por Simões Filho e o VLT tem que ter sua operação concebida até Lauro de Freitas, com todos os sistemas integrando-se e com construção de estações de passageiros, com transbordos em locais bem definidos e com estacionamentos bem dimensionados para automóveis, de forma a permitir que os usuários de veículos particulares possam migrar para o Sistema, permitindo desafogar o caótico trânsito da cidade. Aliado a tudo isso, torna-se necessário investimentos de custos relativamente baixos, para eliminar cruzamentos e semáforos para pedestres em avenidas de grande fluxo, sejam nos vales ou nas avenidas estruturais existentes em alguns bairros de cumeada. É importante incluir no escopo de intervenções obras de engenharia de tráfego que levem em conta a eliminação de gargalos que dificultam a circulação de veículos em pontos largamente conhecidos por todos, que não cito para não me alongar demais, porém todos bem identificados.
Essas são algumas questões que coloco como contribuição para a reflexão de todos, como cidadão dessa cidade e como técnico que participou de muitos dos estudos e projetos elaborados, e que, nesse momento percebe uma nova oportunidade para solução dos problemas relacionados ao tema e entendendo que as discussões não assumem a dimensão técnica que deveriam assumir, girando em torno de questões que visam atender interesses menores. Reduzir a discussão apenas à imposição de um modal (o BRT) que foi eficiente em outras cidades há mais de dez anos atrás, e que, nessas cidades já estão sendo repensados e sendo estudadas alternativas de substituição, seria o mesmo que retroceder no tempo, levando Salvador, mais uma vez, a perder o “bonde da história”.
O poder público precisa decidir em favor da cidade e de seus habitantes, encontrando formas de equacionar as questões financeiras, agilizar a emissão de licenças ambientais, dos processos licitatórios que, necessariamente, deverão ser mais flexibilizados, e, dessa forma, implantar um sistema que, de fato, resolva definitivamente a questão da mobilidade em nossa cidade, ou seja, levar o metrô até Cajazeiras, levar o trem metropolitano até Camaçari, implantar o VLT nos principais corredores estruturais e modelar um eficiente conjunto de linhas alimentadoras por ônibus, que consolide o Sistema, através de uma total integração operacional e tarifária. Todo esse sistema, para funcionar, necessita de ser federalizado, já que nem os municípios da RMS, nem o governo do Estado têm condição de bancar o necessário subsídio tarifário, compensado através dos benefícios econômicos que serão gerados e apropriados pelo conjunto da sociedade.
*Economista -
Artigo publicado na Revista Ferroviária

Devolvam minha parte

Para Liane Born, idealizadora da ONG Rua Viva, ao ocupar 70% da cidade para transportar apenas 20% da população, os automóveis estão privatizando o espaço público
Priscilla Santos*


Eram mais de mil pessoas no auditório, ávidas por descobrir por que o pessoal de uma das comissões da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) havia convidado Fernando Gabeira como seu porta-voz num congresso de engenharia. Os integrantes da tal comissão só não levaram tomatadas porque não estavam no palco. “Fomos chamados de doidos”, lembra Liane Born, engenheira especialista em transporte público. O motivo do rebuliço, que ocorreu há cerca de duas décadas, foi a apresentação da teoria do não-transporte, que propunha um novo paradigma para a apropriação do espaço e do tempo na circulação de pessoas nas cidades. Em vez de mais meios de transporte, menos distâncias e menor necessidade de deslocamento. No lugar de usar o carro, pedalar, bater perna e, quando necessário, tomar o ônibus ou o metrô.
A idéia era priorizar a acessibilidade e a mobilidade de pessoas, e não de veículos. “Hoje isso se tornou um conceito na engenharia de tráfego”, diz Liane, idealizadora da ONG Rua Viva, uma das maiores defensoras da teoria do não-transporte. Loucura, atualmente, são os dados que só dão mais força à teoria. Nas duas maiores cidades brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo, os congestionamentos representam 506 milhões de horas gastas a mais por ano pelos usuários de transporte coletivo, 258 milhões de litros de combustível a mais e 123 mil toneladas de monóxido de carbono espalhadas pelo ar a cada ano. Chegamos, definitivamente, à era do automóvel. Pouco a pouco, praças, parques e locais históricos perdem espaço para avenidas e estacionamentos. Por isso, hoje a idéia do não-transporte parece mais lúcida do que nunca. Nesta entrevista – sem medo de tomatadas –, Liane fala sobre os problemas e as soluções para o ir e vir nas cidades do nosso país.
Quais as principais propostas da teoria do não-transporte?
O não-transporte trabalha uma outra lógica de planejamento urbano. Em vez de pensar a cidade segmentada, com zonas industriais, residenciais etc., prioriza o fortalecimento dos centros dos bairros de modo a diminuir a necessidade de deslocamento e aumentar o acesso aos bens e serviços. É preciso oferecer emprego, comércio, serviços públicos nos bairros. Não tem sentido a pessoa se deslocar até o centro para tirar carteira de identidade, por exemplo. E não é necessário começar uma cidade do zero. Você vai acumulando políticas e, a longo prazo, as coisas mudam.
Que tipo de políticas?
Uma é baratear o transporte dentro do próprio bairro. Hoje, em Belo Horizonte, as linhas de ônibus mais usadas são as regionais, em que o usuário paga apenas 30% da tarifa para circular dentro do bairro e redondezas. Aí, passa a ser mais barato fazer o supermercado ou a feira ali mesmo, na região. O empregador passa a contratar gente dali, porque a tarifa do vale-transporte vai sair só 30% do que sairia se ele contratasse em outro bairro. É a lógica do transporte não apenas como o meio com que as pessoas se deslocam, mas como indutor de um novo padrão de comportamento. O transporte público pode impulsionar o desenvolvimento ao mudar a movimentação na cidade.
Qual é o grande entrave da mobilidade sustentável hoje?
O automóvel. A começar pela questão ambiental: os veículos são os maiores poluidores de São Paulo, mais que a indústria. No Brasil, eles estão entre as maiores causas do aquecimento global, atrás apenas das queimadas. Entopem-se 40% dos leitos de prontos-socorros do país por causa de acidentes de trânsito. O Brasil gasta 5 bilhões de reais por ano com acidentes de trânsito em centros urbanos, de despesas com saúde a indenizações. A situação é tão grave que, no ano passado, a Organização Mundial da Saúde escolheu o acidente de trânsito como tema.
E a ocupação do espaço da cidade, como fica?
Cerca de 80% da população do Brasil anda a pé ou de transporte público. Porém, os outros 20%, que se locomovem em automóvel particular, ocupam mais de 70% do espaço da cidade. Isso é privatização do espaço público. São Paulo, por exemplo, não teria problema de transporte se não tivesse tanto estacionamento para carro. Existe uma briga por espaço. As pessoas acham que a cidade está no plano do infinito, tem lugar para tudo, mas não tem, o espaço é limitado.
A melhoria do transporte público é a solução?
Muita gente acha que o Brasil tem problema de trânsito apenas porque não investe em transporte público, mas isso não é uma realidade. Mesmo se investir, muita gente vai resistir pela questão do status. Paris tem a melhor rede de transporte público do mundo: a maior rede de metrô, um transporte por ônibus muito bom, subsidiado – o usuário só paga 30% do custo –, e, mesmo assim, 70% das viagens na cidade são feitas de carro. É preciso fazer um esforço de educação generalizado. Temos que parar e repensar valores. O automóvel está muito vinculado ao psicológico do ser humano, à questão do conforto, da liberdade, do status. O carro tem a vantagem do porta-a-porta (isso quando a pessoa não tem que ficar procurando estacionamento), é individual, a pessoa fecha a janela, bota ar-condicionado, escuta música...
Como começar essa mudança?
Temos que priorizar o transporte público, não tem jeito, não adianta você fazer campanhas e não dar opções. Paris está na frente porque tem opção. Mas acabou essa idéia de só aumentar a oferta de transporte público e baratear o custo que, assim, as pessoas vão usá-lo espontaneamente. É preciso haver medidas restritivas, o conceito de uso responsável do automóvel, com pedágio urbano, áreas e horários proibidos à circulação de veículos, estacionamento sobretaxado. É o que já estão fazendo algumas capitais da Europa. Lá, essas ações surgiram da discussão do patrimônio histórico.
Como o patrimônio histórico se relaciona com a locomoção na cidade?
Não dá para ter automóvel passando, trepidando, poluindo, destruindo, estacionando, em lugares em que existe um patrimônio a ser preservado. E esse é um grande problema nas cidades históricas do Brasil também. Em Ouro Preto, já foram feitas três tentativas de proibir a circulação de veículos automotores na área central, mas o comércio não aceitou.
E a bicicleta, como fica nessa história?
No Brasil, a bicicleta é meio de transporte da maioria excluída do transporte coletivo porque não tem dinheiro para pagar ônibus. E muita gente anda quilômetros para ficar com o dinheiro do vale-transporte. Ainda não existe infra-estrutura suficiente para muito mais gente usar a bicicleta como meio de transporte: paraciclos, bicicletários, ciclovias, chuveiro na empresa para tomar banho quando se chega ao trabalho. A primeira coisa é criar infra-estrutura e, paralelamente, trabalhar a cultura.
*Priscilla Santos é jornalista da Revista Vida Simples - Especial Vá de Bicicleta - 09/2008

domingo, 24 de abril de 2011

Transporte Alternativo

Converter um antigo estacionamento em um centro de facilidades para os ciclistas da Filadélfia, nos EUA. Foi com essa proposta que a arquiteta norte-americana Annie Scheel venceu o “Sustainable Design Competition 2010”, concurso de idéias promovido pelo “Conselho de Construção Verde de Delaware Valley”.
Situado entre as ruas 13th e Market, no centro da cidade, o projeto visa oferecer serviços específicos para ciclistas.
O estacionamento dispõe de um sistema vertical de armazenagem de múltiplos andares, com capacidade para 690 bicicletas. Um pátio central verde oferece luz e ventilação naturais ao edifício que, aliás, está localizado próximo ao distrito comercial, a atrações turísticas e a linhas de transporte público.
Ao oferecer todas essas facilidades, o projeto de Annie pretende incentivar o ciclismo como meio de transporte, reduzindo o trânsito e a poluição do centro da Filadélfia.
O projeto oferece serviços específicos para ciclistas. Lá estão restaurantes, vestiários com duchas, oficina de reparo, lojas para venda e aluguel de bicicletas e, óbvio, um estacionamento para as bikes.
O estacionamento tem um sistema vertical de armazenagem com muitos andares e capacidade para 690 bicicletas. Um pátio central verde oferece luz e ventilação naturais ao edifício. O local é estratégico, pois está localizado próximo ao distrito comercial, atrações turísticas e a linhas de transporte público.
Nem é preciso dizer que isso é um incentivo muito grande ao uso da bicicleta. O problema é isso é apenas uma ideia. O que você precisaria para trocar seu meio de transporte por uma bicicleta? Um lugar como esse resolveria seu problema?

sábado, 23 de abril de 2011

Acorda Salvador

Cynara Menezes*
Primeira capital brasileira, porta de entrada do Nordeste, aos 462 anos Salvador está ficando para trás. Literalmente. Com um dos prefeitos mais mal avaliados do País, João Henrique Carneiro, do PP, a cidade da Bahia acaba de ser ultrapassada por Fortaleza, no Ceará, que se tornou a mais visitada pelos turistas nacionais. A informação integra uma pesquisa mundial publicada em março pelo site Hoteis.com, a partir do número de reservas em hotéis e pousadas. Ao que tudo indica, as praias e o centro histórico foram trocados não só por outros destinos na região como por localidades mais aprazíveis no interior do próprio estado.
Além da segurança e da limpeza urbana, preocupações constantes em Salvador, três temas fazem os tranquilos baianos esquentarem a cabeça ultimamente: a sujeira e desorganização da orla marítima, o abandono do centro histórico e o trânsito. Como se fosse pouco, o prefeito teve as contas de 2009 rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Município, com quem trava uma disputa judicial. No início do mês, o prefeito conseguiu uma liminar para anular o parecer do TCM, que o acusa de uma série de irregularidades lesivas aos cofres públicos. Se as contas forem mesmo recusadas, ele se tornará inelegível por oito anos.
Não é, porém, o único imbróglio jurídico a envolver João Henrique. Há exatamente um ano, por determinação judicial, todas as barracas de praia da orla de Salvador foram derrubadas e nada foi posto no lugar. O resultado é que os antigos barraqueiros passaram a ocupar a beira-mar com cadeiras e mesas plásticas em frangalhos, que devem ser colocadas e retiradas diariamente, por ordem da prefeitura. Não existem mais duchas e banheiros públicos nas praias.
“Virou uma favela”, reconhece o proprietário de uma das mais antigas barracas da orla, na Praia de Piatã, Nadson Araújo. Há 18 anos, Araújo possuía a maior barraca do pedaço, a Malibu, agora reduzida a dois isopores grandes com cerveja, refrigerante e água de coco. “É para minha família não morrer de fome que me submeto a essa humilhação de ficar tirando e botando cadeira e mesa todo dia”, diz o barraqueiro. “Pagamos financiamento por meio de um banco público, o Desenbanco, para levantar as barracas, em 1985. Não entendo como só depois descobriram que a areia é tombada”, reclama José de Lima Praxedes, outro proprietário.
A última revitalização da orla marítima de Salvador foi feita em 1985, durante o governo João Durval Carneiro, pai do atual prefeito, João Henrique, que em 2007 trocou o PDT pelo PMDB e depois pelo PP. Em 2006, o prefeito anunciou sua intenção de intervir mais uma vez na orla, modernizando as barracas. O novo projeto para a orla foi apresentado à cidade em janeiro do ano passado, mas, antes que pudesse ser iniciado, em abril, uma ação do Ministério Público Federal determinou que todas as barracas teriam de ser retiradas da areia. A prefeitura exime-se da responsabilidade por, após um ano, a situação continuar a mesma.
“Isso depende da Justiça, a prefeitura não pode fazer nada”, afirma o secretário de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Habitação de Salvador, Paulo Damasceno. “A única coisa que podemos fazer é fiscalizar para que os barraqueiros tirem as mesas e cadeiras todos os dias.” Na cidade, muita gente concorda que as barracas antigas não tinham mais condições de funcionamento, sujas e deterioradas pelo tempo. Mas, sem elas, ficou pior e, mais grave, não existe solução à vista.
Outro cartão-postal de Salvador, o centro histórico também virou um espanta-turistas. Com algumas ruas do entorno do Pelourinho tomadas por usuários de crack, a região é evitada até mesmo por moradores da capital. Os lojistas reclamam de uma queda de mais de 70% do movimento nos últimos três anos. “De dia ainda vêm algumas pessoas. De noite, todo mundo some”, diz o americano Pardal Roberts, há seis anos proprietário- de uma loja de música no Pelourinho. “Se tiver show, os turistas e o pessoal daqui vão à praça onde estiver acontecendo e depois vão embora. Nos próprios hotéis eles já ouvem o conselho de evitar o Pelourinho, dizem que é perigoso.”
Integrantes da prefeitura, do governo e representantes dos lojistas dizem que o Pelourinho “pegou fama” de local inseguro, onde proliferariam gatunos à espera de uma distração para roubar objetos como câmeras, correntes e relógios. O coronel José Nascimento, responsável pelo policiamento do centro histórico, é elogiado por não dar expediente no gabinete, e, sim, zelar pessoalmente pela segurança dos turistas. “A senhora está há duas horas aqui. Viu alguém ser assaltado?”, pergunta o coronel diante da Igreja de São Francisco, no Terreiro de Jesus. Eram 5 da tarde. Quando a noite cai no Pelourinho, todo mundo sabe, começa o assédio de pedintes aos turistas e as aparições das figuras esquálidas dos viciados em crack, dispostos a tudo.
Segundo o presidente da Associação dos Comerciantes do Centro Histórico (Acopelô), Lenner Cunha, mais de 200 lojas fecharam na região nos últimos sete anos. Cunha se mostra saudoso da época do falecido governador Antonio Carlos Magalhães, quando havia o projeto “Pelourinho Dia e Noite” e o centro histórico vivia seu auge. “Hoje, o governo não tem diagnóstico para a área e a prefeitura vive uma inércia reconhecida por todos”, critica o comerciante. “A Secretaria Estadual de Cultura dá informações imprecisas à Unesco, de que ACM ‘botou todo mundo pra fora’. Mesmo que ele tenha errado, tem de se ver as benesses que houve desde a revitalização.”
O Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), por sua vez, acusa os comerciantes da área de não pagarem pela ocupação dos imóveis desde o início, totalizando uma dívida de quase 8 milhões de reais para com o estado. Nessa queda de braço, a voz mais sensata parece ser a da coordenadora do setor cultural da Unesco no Brasil, Jurema Machado, que atua em conjunto ao governo na busca de uma solução para o centro antigo de Salvador, que compreende não só o Pelourinho. “Não vou demonizar o que foi feito no passado, porque houve o salvamento de uma situação física grave. Mas houve -uma -estratégia de uso incompleta. Não tem gente no Pelourinho porque ele é artificial.”
Jurema Machado compara a revitalização do centro histórico baiano com outras experiências mais bem-sucedidas em capitais da Europa, em que não se visou apenas o turismo, mas o caráter de normalidade das regiões, com moradores inclusive. No Pelourinho, só existe comércio, e mesmo os soteropolitanos não o frequentam no dia a dia, o que seria o ideal. “O morador de Salvador não vai ao Pelourinho para nada. É preciso haver uma estratégia de uso que envolva os setores público e privado. O governo é proprietário de centenas de imóveis na região, alugados exclusivamente para uso comercial e de serviços, o que não confere vitalidade à região”, diz a representante da Unesco. Os comerciantes, a propósito, são contrários à ideia de atrair moradores para o centro antigo.
Você que levou poucos minutos de leitura para chegar da orla ao Pelourinho nesta reportagem, na vida real gastaria ao menos duas horas no trânsito caótico de Salvador para fazer idêntico percurso. Com o tempo recorde de 12 anos sem concluir, o metrô da capital estimula as piadas sobre a célebre lentidão baiana. Atualmente sob fiscalização do Exército, a prefeitura promete concluir o primeiro trecho do metrô, de apenas 7 quilômetros, no fim deste ano. O segundo, garante a prefeitura, será entregue aos soteropolitanos até o fim do mandato de João Henrique, em 2012. No total, o metrô de Salvador terá parcos 12 quilômetros, absolutamente insuficientes, sob qualquer perspectiva, para desafogar o tráfego na capital.
Especialistas questionam ainda o traçado do metrô, que ligará o subúrbio ao terminal da Lapa, trecho onde não há grande fluxo de automóveis. “O metrô vai ligar o nada a lugar nenhum. Não retira carro da rua porque passa por locais onde não tem carro”, desdenha a socióloga Maria Brandão, secretária de Planejamento na administração Lídice da Matta (1992-1996), hoje senadora, de quem também é crítica. “Ninguém até hoje fez uma análise de fluxo em Salvador, o que se tem é uma visão tópica. Resolver o tráfego não é só uma questão de mecânica de cir-culação, de se planejar em cima da planta”, defende a socióloga. “É preciso observar também as questões socioculturais.”
O secretário de Transportes de Salvador, José Mattos, reconhece que o metrô servirá apenas para dar uma “amenizada” no trânsito, mas promete que, até a Copa de 2014, outras soluções serão implementadas. “Em 60 dias apresentaremos projetos para receber recursos do PAC da Mobilidade nas Grandes Cidades”. As ideias vão desde a ampliação de vias à instalação de semáforos “inteligentes” em pontos críticos. A prefeitura decidirá ainda se vai optar pelo modelo de transporte em massa Bus Rapid Transit (BRT) – linhas exclusivas para ônibus – ou Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Se a obra do metrô for o modelo, Salvador passará mais três Copas do Mundo na lanterninha.
*Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a Carta Capital

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Dez anos sem Milton Santos

Silvio Tendler*
No inicio de 2001 entrevistei o professor Milton Santos. A riqueza do depoimento do geógrafo me obrigou a transformá-lo no filme “Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá”. Lá pelas tantas o professor critica a “neutralidade” dos analistas econômicos dizendo que eles defendiam os interesses das empresas que serviam.

Dez anos depois o cineasta Charles Ferguson em seu magnífico filme “Inside Job” esmiúça em detalhes a fala de Milton Santos e revela a promiscuidade nos Estados Unidos entre bancos, governo e universidades. Revela a ciranda entre universitários que servem a bancos e empresas financeiras, vão para o governo, enriquecem nesse trajeto, não pagam impostos, escrevem pareceres milionários para governos estrangeiros induzindo a adotarem políticas que favoreçam o sistema financeiro internacional.

Quebram aplicadores e fundos de pensão incentivando a investirem em papéis, que já sabiam, com antecedência, micados. E quando são demitidos das instituições financeiras partem com indenizações milionárias. Acertadamente este filme ganhou o Oscar de melhor documentário de 2011.

Na outra ponta da história está o filme “Biutiful” do Mexicano Alezandro Gonzalez Iñarritu, rodado em Barcelona e narra a vida dos fodidos, das vitimas do sistema financeiro internacional: africanos e chineses que vão para a Espanha para escapar da fome e do desemprego e se submetem a condições de vida sub-humanas. O trabalho do ator Javier Bardem rendeu o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes de 2010.

São filmes para ninguém botar defeito e desconstroem as perversidades do mundo em que estamos vivendo. Em discurso recente em Wisconsin, solidário aos trabalhadores que lutam contra novas gatunagens, o colega estadunidense Michael Moore declarou: “Vou repetir. 400 norte-americanos obscenamente ricos, a maior parte dos quais foram beneficiados no ‘resgate’ de 2008, pago aos bancos, com muitos trilhões de dólares dos contribuintes, têm hoje a mesma quantidade de dinheiro, ações e propriedades que tudo que 155 milhões de norte-americanos conseguiram juntar ao longo da vida, tudo somado. Se dissermos que fomos vítimas de um golpe de estado financeiro, não estamos apenas certos, mas, além disso, também sabemos, no fundo do coração, que estamos certos. Mas não é fácil dizer isso, e sei por quê.

Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revistaFortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer”. E arrematou com maestria e indignação: “…Falei com o meu coração, sobre os milhões de nossos compatriotas americanos que tiveram suas casas e empregos roubados por uma classe criminosa de milionários e bilionários.

Foi na manhã seguinte ao Oscar, na qual o vencedor de melhor documentário por “Inside Job” estava ao microfone e declarou: “Devo começar por salientar que, três anos depois de nossa terrível crise financeira causada por fraude financeira, nem mesmo um único executivo financeiro foi para a cadeia. E isso é errado. “E ele foi aplaudido por dizer isso. (Quando eles pararam de vaiar discursos de Oscar? Droga!)”

Esse ano celebramos os dez anos da morte do professor Milton Santos. Quem quiser ler “Por uma Outra Globalização” do Professor Milton Santos encontrará um diagnóstico perfeito do processo de globalização que gestou as mazelas descritas em “Inside Job” e “Biutiful”. Quem quiser reencontrá-lo em “Encontro Com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, estará celebrando a vida e o pensamento de um dos maiores pensadores do Século 20, capaz de ter antecipado muito do que estamos vivendo hoje. Sempre com seu sorriso nos lábios e o olhar que revelavam sua clarividência desde o primeiro momento em que começava a se manifestar.

* Cineasta, diretor de Os anos JK, Jango, Utopia & barbárie, entre outros documentários

Milton Santos: A trajetória de um Mestre (final)

Maria Auxiliadora da Silva*

A partir de 1964, também começa a sua longa trajetória pelo mundo. De Bordeaux, onde fica durante um ano vai para Paris, onde convive com amigos franceses, entre os quais Michel Rochefort, Jacqueline Beaujeu-Garnier, Pierre George, Guy Lassère, George e Niki Coutsinas, Oliver Dolffus, Jacques Levi e brasileiros entre os quais Miota e Luís Navarro de Brito, Miguel Arraes (ex-governador do estado de Pernambuco, Celso Furtado) fundador da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, além de alunos brasileiros que se encontravam cursando o doutorado nas diversas universidades francesas.

Para a Venezuela, onde foi contratado para estudar Caracas no programa Venezuela Hoje , financiado pelo governo da Venezuela e pela ONU, segundo informações da professora Drª Antônia Déa Erdens, leva consigo alguns colaboradores: dois brasileiros, a própria Antônia Dea e Lícia do Prado Valadares, e duas francesas: professora Hélène Lamicq (da Universidade de Creteil - FR) e Marie Hélène Tiercelin.

Antes de seguir para Toronto, casa-se, no Haiti, em 1972, com Marie Hélène. Viajam, assim, para a Universidade Politécnica de Lima - 73, Dar-es-Salaam - 74-76, onde se torna amigo do então presidente Nyerere. Daí segue para a Columbia - NY 76-77 e volta à Venezuela - 75-76. Foi também professor pesquisador durante dois anos do Massachuselts Institute of Technology, Cambridge - 71-72, quando então é convidado para fundar um Laboratório de Geografia na Nigéria, África. Marie Hélène está grávida de Rafael. Como um presente para Milton, para que seu filho nascesse baiano, Marie Hélène decide vir à Bahia. Era o pretexto que ele precisava para voltar em definitivo ao Brasil, já que as duas vezes que aqui esteve, antes de 1977 (uma das quais para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, e a convite da professora Maria de Azevedo Brandão) foram passagens rápidas.

Milton costumava dizer que tinha receio de voltar à Bahia pois, não sabia como iria reagir aos abraços daqueles que em 64 lhe viraram as costas. Durante os treze anos que esteve fora do país, estruturou a base do pensamento que analisa o impacto social provocado pelo desenvolvimento urbano político e econômico. Milton volta, conhecido e admirado mundialmente, já com várias obras publicadas. Trazia um novo livro que iria revolucionar a Geografia pelos seus conceitos, Por uma Geografia Nova , dedicado a geógrafa Lígia Ferraro, sua amiga, morta prematuramente. O lançamento do livro aconteceu na Livraria Civilização Brasileira da Avenida Sete, nas Mercês, centro histórico de Salvador.

No mesmo ano, professor Milton enche um auditório do Instituto de Geociências da UFBA, com cerca de 200 pessoas vindas de todas as partes da Bahia e do Brasil num curso de extensão sobre ACidade Mundial de Nossos Dias. Nasce Rafael, em julho de 1977. A Universidade Federal da Bahia, entretanto, não se interessa por reintegra-lo como professor. Em anos anteriores, vários reitores foram procurados para que trouxessem Milton do seu exílio. Algumas promessas foram feitas, em vão. A Universidade Federal da Bahia, em 1977, continuou em silêncio, assim como as demais universidades do Brasil, com exceção do Rio Grande do Sul. Milton Santos vai para o sul, trabalha entre São Paulo e Rio de Janeiro como consultor.

Em São Paulo, é convidado por sua amiga Maria Adélia Aparecida de Souza, na época coordenadora de Ação Regional do governo Paulo Egydio Martins, para trabalhar como consultor, enquanto não conseguia uma função na Universidade. Em 1979, vai para o Rio de Janeiro onde é contratado como professor assistente, ou seja, com função de um iniciante de carreira. Continuou realizando trabalhos esporádicos. Foram anos difíceis, pelo fato de não saber o que lhe reservava o futuro, para ele e sua pequena família.

Finalmente,em 1984, com o apoio de jovens professores, submete-se ao concurso para titular na Universidade de São Paulo - USP. Foi fundamental, nesse momento, o apoio dos amigos Maria Adélia Souza e Araújo Filho, da mesma forma que a professora Maria do Carmo tinha sido, na Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ. Na USP, manteve um grupo de pesquisadores nos mesmos moldes do antigo Laboratório de Geomorfologia, os quais continuam até hoje. A partir daí, a carreira brilhante de Milton Santos começou a decolar no Brasil, apesar de já ser conhecido no mundo inteiro.

Os convites do exterior continuaram. Foi professor visitante da Universidade de Stanford, na Cátedra de Joaquim Nabuco - 97-98. Foi Diretor de Estudos em Ciências Sociais, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais- Paris 1998. Consultor das Nações Unidas, OIT, OEA e UNESCO. Consultor junto aos governos da Argélia e Guiné Bissau. Consultor junto ao Senado Federal da Venezuela para questões metropolitanas. Membro do comitê assessor do CNPq e ex-coordenador da Comissão de Coordenação dos Comitês Assessores do CNPq - 82-85. Coordenador da área de Arquitetura e Urbanismo da Fundação para o Amparo a Pesquisa no Estado de São Paulo - FAPESP - 91-94. Membro da Comissão de Alto nível do Ministério da Educação, encarregada de estudar a situação de ensino no país - 98-90. Membro da comissão especial da Assembléia Constituinte do estado da Bahia, encarregado de redigir um ante-projeto de Constituição Estadual - 89. Presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR - 91-93. Presidente da Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia ) ANPEGE - 93-95.

Em 1994, recebeu o Prêmio Internacional Vautrin Lud, correspondente ao Nobel da Geografia, tendo como proponente o professor Jorge Gaspar, da Universidade de Lisboa. Costumava dizer que, a partir desse prêmio, a mídia brasileira lhe abrira as portas. Recebeu-o na pequena cidade de Saint-Dié des Vosges, coincidentemente na região da cidade de Strasbourg onde havia defendido, na década de 50, o seu doutorado. Pela primeira vez na história desse prêmio, ele era outorgado a um geógrafo que não era nem francês nem norte-americano. Milton Santos recebeu ainda mais de duas dezenas de medalhas, tais como: Medalha de Mérito, Universidad de La Habana, Cuba, 1994; Colar do Centenário - Conjunto de Obra em Geografia - Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1997; Ordem 16 de setembro - Primeira Classe, Estado de Mérida, Venezuela, 1998; 11ª Medalha Chico Mendes de Resistência, Grupo Tortura Nunca Mais, Rio de Janeiro, 1999; Medalha do Mérito, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1999, entre outras. Dentre os prêmios destacam-se: Vozes Expressivas do Final do Milênio, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1997; Personalidade do Ano, Instituto de Arquitetos do Brasil, Rio de Janeiro, 1997; Homem de Idéias, 1998, Caderno Idéias, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1998; O Brasileiro do Século, Revista Isto É, 1999 - laureado na categoria Educação, Ciência e Tecnologia, entre 20 personalidades; Prêmio Jabuti - melhor livro de Ciências Humanas - 1997, com A natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção , Hucitec, São Paulo, 1996; Prêmio UNESCO na categoria Ciência, 2ª edição, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, Brasília, 2000. Seu último prêmio foi o Multicultural Estadão Cultura, em junho de 2000, concorrendo com inúmeras personalidades e sendo votado por milhares de brasileiros.

Numa cerimônia carregada de emoção e beleza, disse: "Considero a indicação do prêmio Multicultural Estadão Cultura como um presente expressivo que coroa, de alguma forma, o meu trabalho intelectual [...] Meu desejo secreto, o desejo dos pensadores, e é difícil confessa-lo, é que o seu trabalho possa ter alguma repercussão, sobretudo quando ele ultrapassa os limites da sua própria área e da universidade. O fato de seu o trabalho ter uma visibilidade em camadas mais amplas da sociedade dá ao seu autor, não a certeza que ele tenha o aplauso geral, mas um certo conforto de ver que o seu discurso não é um discurso fechado. Agradeço a todos que votaram em mim, aos meus amigos e ofereço esse prêmio a todos os brasileiros que tanto esperam de seus intelectuais." Entre 1980 e 2000, Milton recebeu vinte títulos de Dr. Honoris Causa de Universidades do Brasil, da América Latina e da Europa. Publicou mais de quarenta livros e mais de 300 artigos em revistas cientificas, em português, francês, espanhol e inglês. Seu último livro, publicado em 2001 pela editora Record, foi: O Brasil: Território e Sociedade no Inicio do Século XXI . Organizou diversos livros, números especiais de revistas cientificas em português, francês e inglês. Fez pesquisas e conferências em diversos países, dentre os quais: Japão, México, Colômbia, Costa Rica, Índia, Argentina, Uruguai, Tunísia, Argélia, Costa do Marfim, Benin, Togo, Gana, Panamá, Nicarágua, Espanha, Portugal, República Dominicana, Cuba, Estados Unidos, França, Tanzânia, Venezuela, Peru, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Senegal e Itália. Concedeu inúmeras entrevistas à mídia falada e escrita, a entidades diversas, a estudantes, etc.

Em 1996, para os seus 70 anos, amigos se reuniram para prestar-lhe uma homenagem, no Seminário Internacional, em São Paulo, denominado - O mundo do Cidadão. Um cidadão do mundo . Nessa ocasião, foi lançado o livro com o mesmo nome, com depoimentos de 67 intelectuais e amigos de todas as partes do mundo, acolhidos na ocasião pela USP, entre os quais, Manoel Correia de Andrade, Maurício Abreu, Aurora Garcia Ballesteros, Paul Claval, Leila Dias, Inês Costa Ferreira, Octavio Ianni, Rosa Ester Rossini, Armen Mamigonian, Joaquim Bosque Maurel, Rui Moreira, Aldo Paviani, Richard Peet, Ana Clara Torres Ribeiro, Teresa Barata Salgueiro, David Slater, Neil Smith, Marlene d`Aragão Carneiro, Teresa Cardoso da Silva, José Estebanez Alvarez, Jacques Lévy, Creuza Santos Lage, Neyde Maria Gonçalves, Sílvio Dvorecki, Saskia Sassen, Maria Azevedo Brandão, Délio Ferraz Pinheiro, Carlos Reboratti, Graciela Ortega, Daniel Hiernaux-Nicolas, Jorge Gaspar, Pedro Geiger, Ruy Moreira, Adir Rodrigues, Ana Fani Carlos, Pablo Ciccolella, José Borzacchiello, Ana Clara Ribeiro, José Estabanez Álvarez, Miguel Panadero, Ana Maria Gicoechea, Terence McGee, Germân Wettstein, Maria Auxiliadora da Silva, Remy Knafou, Pedro Vasconcelos, Sílvio Bandeira de Melo entre tantos outros. A professora Maria Adélia Aparecida de Souza e o grupo de jovens mestrandos e doutorandos do professor Milton Santos na USP, organizaram a cerimônia. O livro foi organizado pela professora Maria Adélia de Souza, que contou com a colaboração dos professores George Benko, de Paris-Sorbonne; Hélène Lamicq, da Universidade de Creteil; Milton Santos Filho, da Faculdade de Economia da UFBA; Luiz Cruz Lima, da Universidade do Ceará e Maria Auxiliadora da Silva, da UFBA. Esta cerimonia marcou o reconhecimento pleno da importância do professor Milton Santos. Segundo Maria Adélia de Souza, "Milton foi exilado político. Mas, como poucos não tira proveito disso, exerce vivamente a ética na política. Jamais se comportou como vitrine do regime militar [...] Sofreu todas as dificuldades para se estabelecer e sobretudo reingressar na vida e nas universidades brasileiras. Apesar das vicissitudes, procura exercer o seu labor e construir, aí sim, um profundo pensamento teórico e político que o Brasil e os brasileiros necessariamente, aos poucos estão tendo de conhecer e admirar. Milton se instala, não como herói que volta carregado nos braços do povo mas, difícil, cautelosa e profundamente vai se impondo como um dos principais pensadores e intelectuais brasileiros, com um pensamento e uma posição política profundos e inarredáveis.

No exílio, se dedica obstinadamente aos estudos. É aí que fundamenta, sem dúvida nenhuma, sua obra posterior." Além das universidades francesas, americanas e latino-americanas, da África e da Ásia, Milton Santos colaborou ainda com a Complutense de Madrid, de Barcelona e de Lisboa. Na trajetória de Milton Santos é importante relembrar sua disponibilidade para com os amigos, para com os jovens, seu interesse por eles, sua percepção aguçada que fez de cada um que privou de sua amizade, sentir-se o único. Essa afeição também atingiu amigos como Octávio Ianni, Gervásio Neves e Michel Patty, Joaquim Bosque Maurel, Paul Claval, Jacques Hubschman. Estar ao lado do professor Milton Santos traz a segurança de estar perto da sabedoria. Sua presença é forte e ao mesmo tempo suave e sua energia, vontade e alegria são contagiantes. Em 24 de junho de 2001 a saudade toma o lugar de sua presença generosa, do seu sorriso aberto, de sua fala firme e suave, ficando a certeza de termos convivido com quem soube, mais do que ninguém, defender a construção de um mundo mais humano.

* Professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia © Copyright Maria Auxiliadora da Silva , 2002

Milton Santos : A trajetória de um Mestre ( 1ª parte)

Maria Auxiliadora da Silva*

Brotas de Macaúbas, Chapada Diamantina, 3 de maio de 1926, nasce Milton Santos, filho de Adalgisa Umbelina de Almeida Santos e Francisco Irineu dos Santos, ambos professores primários formados pelo ICEIA (Instituto Central de Educação Isaías Alves).

No ano de seu nascimento, o Brasil passa por uma grande agitação política e social, com a impopularidade do então Presidente da República do Brasil, Artur Bernardes e a eleição de Washington Luís. É a época da Coluna Prestes. A família de sua mãe, cujos pais eram também professores primários, gozava de prestígio por onde passava. Já a família paterna era mais humilde e descendia de escravos.

Os pais de Milton sabiam que o caminho para a liberdade era a educação. Conheceram-se em 1921, a poucos dias da festa de formatura do Sr. Francisco, na escola Normal de Salvador. D. Adalgisa ingressaria na mesma escola em 1924, casando-se nesse mesmo ano. Partiram, então, para Brotas de Macaúbas, região da Chapada Diamantina, no estado da Bahia, onde morava um irmão mais velho de D. Adalgisa, Dr. Agenor, advogado brilhante na região, conhecedor do latim e do grego. Sua clientela era importante, e seu projeto de vida deu certo, a ponto de ser proprietário de um automóvel, Ford Bigode, que às vezes desaparecia de circulação, já que a gasolina vinha da cidade de Salvador e nem sempre chegava regularmente.

O curso primário, Milton o fez em Alcobaça, sul do estado da Bahia, com os pais, que lhe ensinaram o francês, entre os oito e dez anos. Ali nasceram Nailton e Yeda, seus irmãos. Aos 10 anos, prestou exame de admissão no Instituto Baiano de Ensino, tradicional colégio de Salvador, dirigido pelo Professor Hugo Balthazar da Silveira. Passou em primeiro lugar e foi aceito como aluno interno. Pela primeira vez longe da família, conhece o significado da palavra saudade. Foi colega e amigo de personalidades ilustres da cidade, como: Dr. Geraldo Milton da Silveira, Dezildo Menezes Pereira, Methódio Coelho, Bernardo Leone, entre outros.

Criou e dirigiu o jornal O Farol , que promovia debates literários e difundia conceitos filosóficos. Mais tarde fundou O Luzeiro , para o qual "redigia textos, incentivava os colegas a fazê-los, revisava-os, fazia a paginação e distribuía o jornal", segundo Geraldo Milton, que acrescenta: "Nele eram publicadas obras de romancistas, contistas, poetas pobres e iniciantes e literatura de cordel." "Na minha geração, ser cultivado fazia parte da vida". Havia o culto a escritores e intelectuais, como Castro Alves, Rui Barbosa, Gilberto Freyre, Machado de Assis, Eça de Queiroz, cujas obras eram lidas e comentadas. Milton Santos sempre se distinguiu em Matemática e Filosofia. Na Geografia, era admirador de Josué de Castro, que descobriu através de seu professor do curso secundário, Oswaldo Imbassay.

Bem mais tarde, os dois, Milton e Josué, exilados na França, reencontraram-se, infelizmente pouco tempo, pois Josué veio a falecer, sem receber as homenagens que o Brasil lhe devia. Nessa época, como Milton costumava dizer, a Bahia era uma ilha, uma cultura não industrializada. Terminado o curso no Baiano de Ensino, Milton se preparava, no Colégio da Bahia, para entrar na Universidade. A influência do tio Agenor foi fundamental na escolha da carreira. Milton fez a Faculdade de Direito.

O Brasil declarava guerra aos países do eixo, Alemanha, Itália e Japão. Nessa época, criou o Partido Estudantil Popular-PEP e a Associação Brasileira de Estudantes Secundaristas-ABES, uma alternativa da União Nacional dos Estudantes-UNE. Chegou a ser candidato à presidência da UNE, mas foi aconselhado a trocar sua candidatura para vice, deixando a presidência para um amigo comunista, Mário Alves, com o argumento de que um negro teria dificuldades em interagir com as autoridades. A chapa foi eleita, Milton aceitou o cargo de vice, mas nunca esqueceu esse fato. Participa também da embaixada pró-construção do mausoléu do poeta Castro Alves, e sai com caravana de estudantes pelo interior do Estado, para arrecadar fundos. Foi seu companheiro, entre outros, Geraldo Milton.

Nessa ocasião, ministrava aulas de Geografia Humana, explicando aos alunos "os novos rumos das relações políticas que a guerra vinha determinando no planeta." Já na Faculdade de Direito, Milton empolgava seus colegas com discursos pela democracia. De seu grupo de intelectuais faziam parte Fernando Santana, João Falcão, Jacó Gorender, entre outros. O término do curso de Direito coincide com a morte do seu tio Agenor, numa travessia do Rio São Francisco, quando voltava de Salvador, onde fora articular sua campanha para deputado estadual. Um episódio entre dois grupos pela disputa do grêmio estudantil da Faculdade de Direito, fez com que Simões Filho, ex-ministro da educação do governo brasileiro e dono do poderoso jornal A Tarde , conhecesse Milton e o convidasse para trabalhar na redação do jornal quando terminasse a Faculdade.

Esse foi o início de uma amizade profunda e duradoura entre os dois. Era uma época movimentada, com o fim do regime político do Estado Novo e da 2ª Guerra Mundial. Os pais de Milton, após a longa estada no interior, voltaram para Salvador em 1940, estabelecendo-se na casa de D. Maria José, tia de Milton, no Gravatá, localidade no entorno da Baixa dos Sapateiros. Poucos anos depois, com financiamento da Caixa Econômica Federal, compram a casa da Estrada da Rainha, onde fundaram uma escolinha que até hoje funciona sob a direção da Profª. Altair Gabrielli, prima de Milton. Depois de formado, Milton foi professor do segundo grau de Geografia do ICEIA e do Colégio Central. Submeteu-se a concurso com a tese Povoamento da Bahia, passando, então, a ocupar, como catedrático, a cadeira de Geografia Humana do Ginásio Municipal de Ilhéus, na zona do cacau, sul do estado, ocasião em que já era correspondente do jornal A Tarde . A maneira como descrevia os fatos e a elegância dos textos fez de Simões Filho, um seu admirador.

Auta Rosa Calazans Neto, em conversa informal, conta que, ainda menina, no colégio das freiras, ela e suas colegas, em Ilhéus, admiravam aquele professor que dava aulas no Ginásio Estadual, sempre elegantemente vestido, sem dispensar o colete. Uma dessas meninas, Maria da Conceição Malta - morta recentemente, veio a ser, posteriormente, uma das suas colaboradoras no Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, que mais tarde seria fundado para os trabalhos de pesquisa em Geografia da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Incentivada por ele, como o foram muitos outros, seguiu à França, para curso de Pós-Graduação, onde se casa, tornando-se Lecarpentier. Recebeu apoio intelectual e financeiro do Dr.Milton e da equipe do Laboratório para a primeira viagem à França.

Durante todo tempo, permaneceram sempre amigos. Ilhéus foi fundamental para Milton. Lá ele escreve artigos de grande importância para o jornal e publica o livro A Zona do Cacau , onde já aconselha veementemente as autoridades e os proprietários de terra a abandonarem a monocultura, sob pena de sofrerem um desastre econômico mais tarde. Nessa época, começa a se interessar pela AGB - Associação de Geógrafos Brasileiros, após uma das viagens ao Rio de Janeiro para curso de férias promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE e onde conhece o geógrafo Aroldo de Azevedo e outros grandes nomes da Geografia da época.

É em Ilhéus também que conhece Jandira Rocha, com quem se casa e tem o primeiro filho, Milton Santos Filho mais tarde, brilhante professor da Faculdade de Economia da UFBA e ex-Secretário de Finanças de Salvador, da prefeita Lídice da Mata - 1993-1997. Milton Filho, falecido prematuramente em plena fase de produção intelectual, foi casado com a Ana Fernandes, professora doutora, atual diretora da Faculdade de Arquitetura da UFBA com quem teve dois filhos, Nina e Alei. A morte de seu filho, bem como a de seu irmão Nailton, pouco depois, é um duro golpe para esse homem tão ligado aos dois. Por volta de 1955 ou 56, Milton já casado retorna a Salvador, e assiste à formatura de Nailton, seu irmão, também bacharel em Direito. Yeda, sua irmã, então estudante de Medicina, ministrava cursos de inglês, alemão, latim, e espanhol na casa da Estrada da Rainha. Milton aluga um apartamento no Loteamento Lanat, muda-se em seguida para o Tororó, localizado nas imediações do bairro de classe média alta de Nazaré, e, posteriormente para a avenida Centenário, no bairro do Chame-Chame.

A essa época, ocupava o cargo de editorialista do jornal A Tarde e de professor da Faculdade Católica de Filosofia, cujo diretor, Irmão Gonzaga, dedicava uma grande amizade e admiração ao jovem professor. Do jornal A Tarde tinha como amigos o professor Ari Guimarães e Jorge Calmon, esse último, redator chefe do jornal. Nesse tempo, as amizades tinham um significado maior. Durante o tempo em que permaneceu nesse jornal, escreveu 116 artigos versando sobre a zona do cacau, a cidade do Salvador, Europa e África e Cuba e outros temas locais e globais.

A formação de Milton muito se deve a Simões Filho, cuja admiração era mútua. Uma grande e afetuosa família: esse era o caráter que Simões Filho quis imprimir à redação do seu jornal. Mais tarde, esse exemplo seria seguido por Milton Santos, junto com sua equipe no Laboratório de Pesquisa em Geografia, fundado em 1959. Em 1956 por ocasião do Congresso Internacional de Geografia no Rio de Janeiro, Milton encontra-se com os grandes geógrafos que já conhecia por suas obras, tais como Orlando Ribeiro, de Portugal, Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines, Pierre Birot, André Cailleux e o seu mestre maior Jean Tricart. "Com ele aprendi o rigor, a vontade de disciplina, a obediência a projetos e o gosto de discutir" dizia Milton. Impressionado com a inteligência e a cultura do jovem professor, Tricart, convida-o para um curso de Doutorado no Instituto de Geografia da Universidade de Strasbourg, um dos mais renomados da Europa.

Assim, Milton Santos fez a sua primeira grande travessia do Atlântico, em direção ao que seria, mais tarde, seu segundo país, ao recebê-lo, anos depois, como exilado. Em Strasbourg, apesar de ser tratado como professor, tinha contatos diretos e agradáveis com os estudantes do mundo inteiro que freqüentavam essa grande Universidade. Sobre ele, escreveu o professor Tricart: "O humor, a alegria, e o sorriso de Milton, classificado como inimitável, conquistaram a simpatia de toda a equipe da Universidade". Milton Santos costumava dizer que essa primeira longa viagem foi a "grande mudança da sua visão de mundo em sua concepção política".

A partir da Europa, seguiu para o seu primeiro contato com a África, e a compreensão dos dois continentes o inspirou a escrever Marianne em preto e branco - Marianne, figura feminina, que simboliza a França, publicado em 1960. Diz Milton, "...a herança francesa é muito forte, embora eu tente me libertar dela até com certa brutalidade. Mas ela é responsável por um estilo independente que aprendi com Sartre, distante de toda forma de militância, exceto a das idéias". Volta a Bahia, após defender com brilhantismo sua tese de doutorado O Centro da Cidade do Salvador , um clássico da Geografia, tão atual como se fosse hoje escrito.

Ainda como professor da Faculdade Católica de Filosofia, trazia professores franceses - Jean Tricart, Pierre George, Jacqueline Beaujeu-Garnier, Etienne Juillard, Michel Rochefort, Pierre Monbeig, Guy Lassèrre, Bernard Kayser, dentre outros, portugueses -Orlando Ribeiro, Raquel Soeiro de Brito, Fernandes Martins e outros e brasileiros - Manoel Correia de Andrade, Araújo Filho, Aziz Ab?Saber, Aroldo de Azevedo, Orlando Valverde, Penteado, Luís Rodrigues e Lyzia e Nilo Bernardes, entre outros, para conferências abertas ao público. Entre esses professores encontravam-se também as jovens professoras Teresa Cardoso da Silva, Nilda Guerra de Macedo e Ana Dias da Silva Carvalho, as duas primeiras também recém-doutoras por Strasbourg. Em fins da década de 50, Milton inscreve-se no concurso para livre docência da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia, mas surpreendentemente, o concurso não se realiza, por razões que o professor Délio Pinheiro classifica como vinculadas a uma "oligárquica e segregacionista sociedade baiana de belas gravatas e verdades encobertas." Milton Santos recorre à justiça, tendo como advogado o então Deputado Federal e futuro Senador Nelson Carneiro, vencendo em todas as instâncias e tendo se submetido com brilhantismo ao concurso em 1960, com a tese Os Estudos Regionais e o Futuro da Geografia.

Após a chegada à Bahia, em 1958, vindo da França, instala seu escritório no Edifício Antônio Ferreira, na rua Chile, centro histórico e administrativo da cidade de então. Nessa ocasião, conhece, numa cerimônia, o então reitor da Universidade, Edgard Santos. Como é de costume na França o cumprimento com um aperto de mão, Milton faz esse gesto em direção ao reitor, tido como aristocrata, que fica impressionado com o gesto, com a simpatia e elegância do jovem professor e, por isso, num encontro dias depois, encarregou-o de organizar um grupo de pesquisa, em cujo nome, entretanto não deveria figurar a palavra Geografia, já que a direção não seria dos professores da Faculdade.

Assim, com o apoio do reitor Edgard Santos e do encontro como o professor Tricart, no Hotel da Bahia, hoje Hotel Tropical - único hotel moderno da cidade daquele tempo, representando a Cooperação Técnica Francesa, cria-se o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da Universidade da Bahia, em 1º de Janeiro de 1959. A França (com o General De Gaulle na Presidência e o Ministro da Educação, André Malraux) abria-se, sobretudo para a América Latina. A essa altura, com equipe já organizada, formada pelas três jovens professoras acima citadas, por jovens estudantes de Geografia e de História e por recém-formados, inicia-se a fase da pesquisa de Geografia da Bahia, cujo ensino, na Universidade da Bahia, já contava com nomes de peso como o dos professores Dalmo Guimarães Pontual e Waldir Freitas Oliveira.

Para sediar os trabalhos do grupo, o professor de Letras, Hélio Simões cedeu um espaço do seu laboratório de Estudos Portugueses, nos fundos da Faculdade de Filosofia. Nesse mesmo ano, Milton Santos organiza o IV Colóquio Internacional Luso-Brasileiro, com o patrocínio da Universidade da Bahia e da UNESCO. Nessa ocasião, professores vindos de várias partes do mundo trocaram idéias no campo da Geografia e das ciências sociais.

A década de 60 pode ser considerada como a época áurea de Geografia na Bahia, pois o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais representou uma proposta acadêmica renovadora. Nele, a ciência geográfica era tratada não apenas como técnica, mas como reflexão. Além de atrair jovens vindos de todo o Brasil e da França, no Laboratório a motivação era constante: trabalhos de campo, seminários, cursos, apresentações de trabalhos, leituras comentadas, reuniões científicas, enfim, um ambiente de efervescência cultural e científica. Estudos e diagnósticos sobre Salvador e o estado da Bahia foram realizados pela equipe, a partir de solicitações de organismos administrativos.

O ambiente era de troca intelectual sem competições negativas. Dessa forma, Milton Santos promove a Geografia ao status de disciplina nobre, aproximando-a de outras ciências: política, economia, história, sociologia e filosofia. É desse tempo -entre 1959 e 1964-, o trabalho exaustivo denominado Programa de Estudos Geomorfológicos e de Geografia Humana da bacia do Rio Paraguaçu da Bahia , estudo que teve o objetivo de contribuir para a melhoria das condições de vida das populações locais, realizado por solicitação da Comissão de Planejamento do Estado e com o apoio do Instituto Joaquim Nabuco de Pernambuco.

Um outro grande projeto, foi o estudo sobre o uso da terra nas zonas cacaueira e ocidental do recôncavo baiano, para o Serviço Social Rural, já com análise aerofotogramétrica. Entre 1958 e 1964 foram publicados mais de 60 títulos, livros e artigos de revistas, de autoria de professores brasileiros e estrangeiros. Os deslocamentos eram feitos em um Citroën deux-chevaux, modelo especial para trabalho de campo, oferecido pela Cooperação Francesa, que também doou equipamentos para o LGERUB, e no ônibus da recém fundada Escola de Geologia da Universidade.

Era nessa época que o Dr. Thales de Azevedo, então diretor da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, na Bahia, mantinha um seminário freqüentado por sociólogos, geógrafos, economistas, antropólogos. Nele, distinguiam-se intelectuais como Jorge Calmon, Frederico Edelweiss, Raymond Vander Haegen, cônsul da França e diretor da excelente Casa da França, Clarival do Prado Valadares, Pinto de Aguiar, Luis Navarro de Brito, Valentin Calderon, José Calazans, Luis Henrique Tavares, Edite da Gama e Abreu, Isaias Alves, Lísia e Vital Duarte, Fernando Santana, e os muito jovens Fernando Pedrão, Severo Salles e Remy de Souza, entre outros. Nesse ambiente, cria-se o Boletim Baiano de Geografia , que se manteve até 1969, e publicava artigos de geógrafos do Brasil e da França.

Nessa época, destacam-se, ainda outros centros de ensino e pesquisa, tais como o Instituto de Economia e Finanças, o Gabinete de Estudos Portugueses, o Laboratório de Fonética e o Gabinete de Filologia Românica. Durante todo esse período, a equipe do Laboratório participava ativamente das reuniões anuais da Associação de Geógrafos Brasileiros -AGB, nas quais se estudava, exaustivamente, a cidade sede do encontro e seu entorno.Durante 15 dias, a AGB, era o espaço intelectual importante na época.

Em 63, Milton Santos foi eleito presidente da AGB não sem enfrentar, em Penedo , estado de Alagoas, sede da reunião da AGB em 1962, preconceitos quanto à sua candidatura, sendo veementemente defendido, na ocasião, por Caio Prado Júnior, então editor da Brasiliense. Um ano depois, realizou-se com grande sucesso a AGB em Jequié, sob a presidência de Milton.

A brilhante carreira do Professor tomou vários rumos quando Jânio Quadros, eleito Presidente da República em 1961, mostrou desejo de levar, na sua viagem a Cuba, um dos redatores do jornal A TARDE, e o professor Jorge Calmon, redator-chefe do jornal, indicou Milton Santos. Essa viagem aproximou os dois, Jânio e Milton, e, logo após ser empossado, Jânio o convidou para ser subchefe da casa civil na Bahia, cargo que exerceu durante o curto mandato do presidente, que renunciou após nove meses. Nessa ocasião, propôs a Jânio, medidas como punições a bancos e exportadores, e imposto sobre as grandes fortunas, o que foi acatado pelo presidente. Logo depois, o governador da Bahia, Lomanto Júnior o nomeou presidente da Comissão de Planejamento Econômico - CPE, cargo que ele deixou em 1964. Durante o exercício desse cargo, entre 1963 e 1964, Milton Santos tratou de temas de política econômica e planejamento regional, a partir de uma perspectiva científica, utilizando-se da linguagem acadêmica. Apesar de exercer cargos tão importantes, nunca negligenciou seu trabalho no Laboratório.

Aquela casa de pesquisa e de trabalho funcionava como uma grande família, onde a confiança, a solidariedade e o companheirismo eram a tônica. Todos que desejaram tiveram a oportunidade de realizar cursos de pós-graduação na França ou na África, desenvolvendo suas aptidões, sempre estimulados pelo professor Milton Santos, que transmitia, além de ensinamentos, motivações e autoconfiança, através do pensamento autônomo, crítico e criativo. Com sua capacidade inconteste de gestor, compreendia diferenças e incentivava a produção.

A implantação de uma nova filosofia de trabalho em Geografia, até então inexistente no Brasil, abre espaços para a geração de pesquisas, capazes de movimentar outras mentes e acionar novas idéias. Em meio a esse clima, é colhido pela longa noite iniciada em 1964. Avisado de que corria perigo, é convidado pelo professor Van der Haegen, cônsul honorário da França, para abrigar-se em sua casa, ao tempo em que Nailton, seu irmão, é acolhido na casa de Celso Furtado. De nada adiantou para Milton: enquanto Nailton, ainda em abril, partia para o México de onde, só lá chegando, comunicou-se com a família, Milton era preso e enviado para o quartel militar do 19º BC, no bairro do Cabula, um fim de mundo, na época, onde parte de sua equipe do Laboratório e seus amigos iam diariamente visitá-lo, sem poder aproximar-se muito. Com ele, na cela, no espaço doméstico, ficaram Auto de Castro, professor de Filosofia da Universidade da Bahia, e o engenheiro Ernesto Dremher, superintendente da Refinaria de Petróleo da Bahia, Landulfo Alves.

* Professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-124f.htm

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Milton Santos , geógrafo e intelectual

Wagner Costa Ribeiro*

Discutir a obra de um intelectual com as qualidades de Milton Santos exige um esforço coletivo e abrangente. Coletivo dada a diversidade de disciplinas que fazem uso de suas idéias. Abrangente graças aos diversos aspectos que ela abordou durante uma carreira que alcançou mais de 50 anos.

Falar da obra de um homem é falar do próprio homem. Por isso alguns dos artigos abordam passagens da vida de Milton Santos que marcaram os autores dos trabalhos. Nascido em Brotas de Macaúbas, no interior da Bahia, em 03 de maio de 1926, esse brasileiro ganhou o mundo por razões alheias a sua vontade. Porém, soube manter seus olhos nos arranjos sociais contemporâneos para construir uma teoria original que serve à interpretação do mundo que parte da geografia, do território, envolvendo os habitantes dos lugares.

Embora tivesse concluído o curso de Direito em 1948, Milton Santos ministrava aulas de Geografia no ensino médio na Bahia. Daí seu interesse pela disciplina que o lançou ao mundo das idéias e da reflexão política. Em 1958 obteve seu título de Doutor em Geografia, na Universidade de Strasbourg (França), passando a ensinar na Universidade Católica de Salvador e, depois, na Universidade Federal da Bahia, na década de 1960. Sua habilidade com as palavras e seu texto vigoroso rendeu-lhe a participação em jornais, como A Tarde, em Salvador na década de 1960 e, na de 1990, na Folha de S. Paulo, em São Paulo.

Homem de ação política, aceitou o convite para participar de governos no início da década de 1960 que culminou com sua prisão em 1964 por ocasião do golpe de estado implementado pelos militares ao Brasil. Foram 3 meses difíceis. Ao sair da prisão carregava consigo uma decisão: era preciso partir. O geógrafo ganhava o mundo. O começo de sua carreira internacional forçada ocorreu na França, onde trabalhou em diversas universidades, como as de Toulouse (1964-1967), de Bourdeaux (1967-1968) e de Paris (1968-1971). Durante esses anos realizou estudos sobre a geografia urbana dos países pobres e produziu vários livros como Dix essais sur les villes des pays-sous-dévelopés (1970), Les villes du Tiers Monde (1971) e L'espace partagé (1975, traduzido como O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana, em 1978). Este último marca a expressão de uma de suas idéias originais: a existência de dois circuitos da economia. O primeiro constituído pelas empresas, pelos bancos e firmas de seguros, ao qual chamava de rico. O segundo expressado pela economia informal, por meio do comércio ambulante e dos demais circuitos pobres da economia. Da França partiu para vários outros países, vivendo de maneira itinerante e como professor convidado.

Atuou em centros universitários, da América do Norte (Canadá, University of Toronto - 1972-1973; Estados Unidos, Massachusetts Institute of Technology, Cambridge - 1971-1972 e Columbia University, Nova York - 1976-1977), da América Latina (Peru, Universidad Politécnica de Lima - 1973; Venezuela, Universidad Central de Caracas - 1975-1976) e da África (Tanzânia, University of Dar-es-Salaam - 1974-1976). Seu retorno ao Brasil decorreu de um acontecimento especial ao geógrafo baiano: a gravidez de sua segunda esposa, Marie Hélene Santos. Milton queria que seu segundo filho, Rafael dos Santos, nascesse baiano, como seu primogênito, o economista Milton Santos Filho, que faleceu poucos anos antes que o pai.

Em 1978 estava de volta à vida universitária brasileira. Mas trazia na bagagem uma obra que marcou sobretudo aos geógrafos marxistas do país:Por uma geografia nova, que foi traduzida para vários idiomas em diversos países. Neste trabalho Milton Santos preconiza uma geografia voltada para as questões sociais. Entre 1978 e 1982 trabalhou como professor visitante na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP.

Atuou também como professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, onde permaneceu até 1983. Em 1983 ingressa em uma nova instituição de ensino e pesquisa: o Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde organizou congressos, ministrou aulas na graduação e na pós-graduação, pesquisou, produziu livros e formou alunos. A produção intensa desenvolvida no Departamento de Geografia da USP resultou na indicação para receber o prêmio Vautrin Lud, que é considerado o Prêmio Nobel no âmbito da Geografia.

Em 1994 Milton Santos foi o primeiro intelectual de um país pobre e o primeiro que não tinha o inglês como língua pátria agraciado com tal distinção. O prêmio internacional promoveu um redescobrimento de Milton Santos no Brasil. Passou a ser requisitado por órgãos de imprensa para entrevistas e depoimentos. Mas mantinha seu senso crítico a isso, afirmando que "um intelectual não pode falar todos os dias. É preciso tempo para amadurecer as idéias". Depois de 1994 sua vida foi marcada pelo reconhecimento de sua produção como geógrafo e intelectual crítico. Recebeu, entre outras premiações, o de Mérito Tecnológico (Sindicato de Engenheiros do Estado de São Paulo, em 1995), Personalidade do Ano (Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Rio de Janeiro, em 1997), 11ª Medalha Chico Mendes de Resistência (Grupo Tortura Nunca Mais, em 1999), O Brasileiro do Século (Isto é, 1999) Multicultural 2000 Estadão (O Estado de S. Paulo, em 2000). Fora do país, recebeu, entre outros prêmios, a Medalha de Mérito (Universidad de La Habana - Cuba, em 1994) e o prêmio UNESCO, categoria ciência(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em 2000).

Ampliou também sua série de honrarias universitárias como os títulos de Doutor Honoris Causa em universidades como a Université de Toulouse (1980), Universidad de Buenos Aires (1992), Universidad Complutense de Madrid (1994), Universidad de Barcelona (1996), entre tantas outras, incluindo mais de uma dezena no Brasil, onde ainda recebeu o título de professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1997. Conheci o professor Milton Santos em Paris, por ocasião de uma visita de estudos, em 1988. Naquele ano o professor também estava pesquisando na França e me recebeu em sua casa, sem nunca termos nos falado antes, a partir de em telefonema. De maneira direta indicou colegas franceses que me receberam com muita atenção, grande parte deles ex-alunos de Milton. A partir daí recebi seu renovado apoio em diversas ocasiões, como quando solicitei artigos para publicações da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB, entidade que presidiu, ou quando aceitou vários convites para participar em eventos científicos ou ainda quando compareceu à homenagem que lhe foi concedida pelo Centro Interunidades de História da Ciência da USP, na qual participei diretamente, em 1996.

Diversos aspectos das idéias de Santos foram analisados nesta série de textos produzidos por geógrafos da Argentina, do Brasil e da Espanha. Marcos Bernardino, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, destaca um tema central na obra de Milton Santos: o cidadão, comentando inclusive o engajamento político do autor.

Ana Fani Carlos da USP, ressalta a articulação entre o local e o global promovida por Milton Santos em seus estudos sobre o urbano.

A Argentina Maria Martínez, da Universidad Nacional del Comahue, de Neuquén, expõe o impacto da presença do autor em seu país, comentando suas interpretações sobre a categoria território.

A professora da UFRJ Ina Castro discorre sobre a categoria região em sua dimensão teórica, tema que percorreu a obra de Milton em diversos livros. Maria Auxiliadora da Silva, da Universidade Federal da Bahia onde Milton também atuou como professor, descreve sua convivência com o geógrafo brasileiro destacando aspectos biográficos e da sua produção.

Denise Elias, que trabalha na Universidade Estadual do Ceará, apresenta uma classificação ampla da produção de Milton Santos, distinguindo 4 partes: estudos epistemológicos em geografia, análises sobre a cidade em países pobres, estudos sobre o território brasileiro e, por fim, sobre a globalização econômica.

Minha contribuição analisa a globalização, indicando a crítica do autor ao modelo proposto mas, também, sua proposta de uma globalização solidária.

O professor espanhol Horacio Capel da Universidad de Barcelona destaca que teve contato com a obra de Milton Santos quando preparava seus estudos sobre Murcia na década de 1960, envolvido em temas como aridez, rede urbana e países subdesenvolvidos. Ele encerra seu artigo apontando a necessidade em superar criticamente a obra de Milton Santos, adotando a irreverência do professor baiano na análise de sua obra. Esse é outro objetivo dessa coletânea.

* Professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

No Outono da Vida

Maria Stella de Azevedo Santos*

O Outono chegou! Engraçado…Vi e ouvi propagandas de Festival de Inverno, Festival de Verão, escolas festejando o Dia da Primavera, mas nenhuma comemoração para a chegada da estação das folhas secas, que se desprendem das árvores e caem na terra – o Outono. Por que será? Perguntei-me. E me dei conta que, perto de completar 86 anos, experimento o outono da vida. Entretanto, não é porque as folhas caem, que os velhos devem se permitir cair também, pois a filosofia yorubana nos ensina: “Ìbè.rè. àgba bi a ánànò ló ri”, que quer dizer, “mesmo quando o velho curva o corpo, ainda continua de pé”. O religioso tem por obrigação prestar atenção à sucessão das estações, uma vez que elas marcam o ritmo da vida e as etapas do desenvolvimento humano. O Inverno, ligado ao elemento água, refere-se à infância; a Primavera, estação das flores, mostra a fluidez do ar e da juventude; o Verão, a intensidade do sol, símbolo do fogo, demonstra o auge do dinamismo e atuação na vida, características do adulto; o Outono – crepúsculo vespertino – que está ligado ao elemento terra, é a luminosidade do sol e do velho que vai aos poucos se escondendo e se aproximando do horizonte. Há tempos atrás, não se constituía em problema usar as palavras velhice e velho, pois elas apenas se referiam a uma das etapas do desenvolvimento dos seres vivos. Atualmente, isso é “politicamente incorreto”. É como se fosse uma desvalorização dessa etapa de vida, chegando ao ponto de se tornar um adjetivo pejorativo. Resolveram adotar a expressão “melhor idade”. Entretanto, será que existe alguma idade que seja melhor que a outra? Na infância, temos a alegria da criança, acompanhada, no entanto, de uma fragilidade, que deixa os adultos em constante atenção. Na adolescência, o caráter espontâneo não deixa de vir acompanhado de uma coragem inconsequente. Na maturidade, se é dono da própria vida e se carrega, no entanto, o peso da responsabilidade. Na velhice, a tranqüilidade decorrente do acúmulo das experiências vividas é gratificante, energia física, porém, não é mais a mesma – falta “pique”. Percebe-se, assim, que em todas as fases sempre existe uma lacuna. É como diz um dos ditados que os velhos gostam de usar, a fim de passar sua sabedoria para os mais novos: “Na mocidade temos vitalidade e tempo, mas não temos autonomia nem dinheiro; na fase adulta, temos vitalidade e autonomia, mas não temos tempo; na velhice, temos tempo e dinheiro, mas não temos vitalidade. O candomblé é considerado uma religião primitiva. Geralmente, isso é dito com um sentido de desvalorização. Contudo, uma religião é tida como primitiva por ser de origem primeira, original, vinda desde os primeiros tempos. Na referida religião, como em muitas outras de procedência oriental, e nas tribos indígenas, o velho é muito valorizado, ele é considerado um sábio, tendo uma condição de destaque e respeito. Na cultura yorubana, o velho é um herói, pois conseguiu vencer a morte, que nos procura e ronda todos os dias. Ele tem sempre a última palavra, a qual não deve ser contestada. Tanto que é comum em África, a pessoa que ainda não completou 42 anos se manter calada durante as assembléias comunitárias, a fim de exercitarem a importante arte de ouvir. No candomblé, tentamos seguir a tradição que herdamos e ensinamos aos iniciantes essa difícil arte. Mesmo que o iniciante se ache com razão, ele tem o dever de ouvir o mais velho de cabeça baixa e pedir a benção, por respeito. Todavia, não lhe é negado o direito, de em momento outro, justificar-se. Não está fácil manter a tradição hierárquica de respeito ao mais velho: enquanto para o candomblé “antiguidade é posto”, fora dos nossos muros, os mais novos, que vivem em uma sociedade imediatista, não querem ou não conseguem encontrar tempo para ouvir experiências que um dia terão que enfrentar. Até porque os pertencentes à classe da “melhor idade”, não se disponibilizam mais a assumir o papel de transmissores de conhecimento, pois esta característica deixou de ser valorizada na sociedade atual. Não quero dizer com isso que o idoso deve recolher-se, deixando de aproveitar a vida, já que quando jovem aprendi com minha Iyalorixá que “a vida é boa e gozá-la convém”. Para o bem da sociedade, o povo yorubá diz: “ola baba ni imú yan gbendeke”, mostrando que “é a honra do pai que permite ao filho caminhar com orgulho”. E eu digo: Todo pai é um mestre e todo filho é um discípulo!
Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde www.atarde.com.br dia 13/04/2011

*Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá.

Mãe Stella estudou no tradicional colégio baiano Nossa Senhora Auxiliadora, dirigido pela professora soteropolitana D. Anfrísia Santiago. É enfermeira aposentada (funcionária pública estadual) formada pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, com especialização em Saúde Pública. Exerceu a profissão por mais de trinta anos.

O dia da mentira

Maria Stella de Azevedo Santos*

No artigo passado falei sobre a guerra, o que me fez lembrar do seguinte pensamento: “Em tempos de guerra, a verdade é tão importante que precisa ser guarnecida por uma escolta de mentiras”. Infelizmente, não sei dizer quem foi o pensador desta pérola, mas creio que uma pessoa que é capaz de falar tamanha sabedoria, nunca se incomodaria que fizéssemos uso dela. Pensar é como puxar o fio de uma meada, um pensamento leva a outro, e foi assim que me lembrei do popular dia - Ilustração: Bruno Aziz - da mentira– Primeiro de Abril. As “pegadinhas” do dia Primeiro de Abril são engraçadas, mas existem mentiras desastrosas, que são ditas com a “impura” intenção de chocar, de denegrir a imagem do outro, de conflituar um grupo ou, simplesmente, de se autovalorizar. É preciso ter muito cuidado com o hábito de mentir, pois pode revelar um distúrbio psiquíco, chamado mitomania, para o qual se faz necessária muita comprensão por parte daquele que convive com quem possui este vício. Mentiras há, no entanto, que são inevitáveis, podemos até chamá-las de caridosas, por exemplo: uma pessoa que está com uma doença grave e nos pergunta se está muito decaída, é natural dizermos que não, com a intenção de amenizar o sofrimento dela. Se existe um dia consgrado à mentira, algum valor ela tem. Não há registro histórico garantido sobre como e porquê surgiu este dia. Dizem ser uma homenagem ao “bobo da corte”, uma personagem designada para distrair o rei e sua corte. Entretanto, o bobo da corte não mente, ao contrário, ele diz verdades em forma de piadas, que no Candomblé chamamos de sotaque. Toda corte, toda comunidade possui um bobo. Afinal, as verdades ditas por ele servem para que a autoridade máxima possa ser criticada e assim não se perca, por vaidade e orgulho, na utilização do poder que lhe foi conferido. Não podemos e não devemos falar tanto em mentira sem homenagear sua “irmã gêmea”, a verdade. Todavia, de que verdade devemos falar? Se são tantas! Exu, orixá que faz questão de nos mostrar, através de gracejos picantes, aquilo que na maioria das vezes não queremos ver, fez dois amigos compreenderem que a verdade, além de outros motivos, depende do ângulo pelo qual ela seja vista. Conta um conhecido mito que dois grandes amigos se vangloriavam de que ninguém seria capaz de separá-los. Exu, conhecedor das fragilidades das amizades, resolveu mostrar-lhes esta verdade universal. Usando seu famoso gorro, que tem um lado vermelho e outro preto, começou a pasar por entre os dois, a todo minuto,sem nem mesmo pedir licença. Incomodado com tal atitude, um dos amigos disse: – “Que homem mal educado, este de gorro vermelho”. O outro amigo retrucou: –”Mal educado, sim, mas o gorro dele é preto”. Foi o suficiente para a discussão começar. Um insistia que era vermelho e o outro teimava que era preto. A amizade acabou ali. E Exu saiu satisfeito, não por ter simplesmente criado uma intriga, mas porque através daquela intriga (que Ele sabia que o tempo de encarregaria de desfazer),Ele encontrou um meio de mostrar que muitos problemas são criados porque alguns homens ainda não entenderam que uma das cracterísticas da verdade é a de depender do ângulo pelo qual ela é vista. Mesmo sendo muitas as verdades, podemos dizer, de maneira redudante, que a verdadeira verdade é aquela que cada um crê. Religiosamente falando, a verdadeira crença é, então, aquela em que cada um acredita. Pois, assim como a verdade pode ser vista por diferentes ângulos, diferentes pontos de vista, são diversas as crenças religiosas, as quais divergem geralmente nos ritos, símbolos…mas nunca na essência. No Candomblé (pelo menos o que eu professo), a verdade é sempre estimulada e até mesmo exigida, mas nem por isso deixamos de “curtir” as mentiras saudáveis, usadas para nos fazer rir, até mesmo porque a alegria, consequentemente o riso, é uma das melhores formas de vivenciar o sagrado. Sendo assim, vamos brincar muito e fazer nosso País se encher de risos no dia Primeiro de Abril. Este é o meu desejo, já que sou Odé Kayode- Caçador que traz alegria.
Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde www.atarde.com.br

*Maria Stella de Azevedo SAntos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá