Marlon Marcos*
A antropologia feita no Brasil ganhou expressão entre nós, e internacionalmente, a partir das etnologias indígenas, com nomes como Eduardo Viveiros de Castro, Roberto Cardoso de Oliveira, da grande Manuela Carneiro da Cunha, e mesmo que muitos reneguem, Darcy Ribeiro. Nossos alicerces teóricos e sustentações metodológicas se avolumaram com as pesquisas de Roberto DaMatta, Marisa Correa, Gilberto Velho, Ruth Cardoso e da excelente Mariza Peirano, para citar alguns dos mais reconhecidos; em âmbito nordestino, Thales de Azevedo, Pedro Agostinho, Ordep Serra, Jeferson Bacelar, Roberto Albergaria, Mirian Rabello, Júlio Braga, Claudio Luiz Pereira, Jocélio Teles dos Santos, Sérgio Ferretti, entre outros.
Nos aspectos etnográficos e na construção da memória das etnias negras em suas reinvenções religiosas no Brasil, os estudos sobre as hoje chamadas religiões de matriz africana foram de suma importância para o desenvolvimento da antropologia como ciência. As pesquisas sobre o candomblé, em especial o baiano, puderam fundamentar leituras sistêmicas sobre o rico arsenal litúrgico dessa religião, decifrando muitas das suas complexidades, classificando e nomeando modelos e tendências de acordo a heranças culturais que aqui chegaram com os grupos étnicos africanos que ajudaram a formar o povo brasileiro.
Do pioneiro Nina Rodrigues, passando pelos estrangeiros Roger Bastide, Donald Pierson , Ruth Landes e Pierre Verger, chegando aos estudos expressivos de Ordep Serra, Julio Braga, Reginaldo Prandi, Rita Amaral; até pousar em estudos preciosos como os do paulistano Vagner Gonçalves da Silva e do maranhense Sérgio Ferretti; e destacando o recente e excelente trabalho do espanhol Luís Nicolau Pares sobre a origem do candomblé na Bahia; para além de tudo isso e por dialogar com tudo isso, a melhor etnografia realizada neste país, e fora dele também, sobre candomblé, é a Família de Santo Nos Candomblés Jeje-Nagôs da Bahia, do já saudoso Vivaldo da Costa Lima.
A figura central deste artigo, que busca perfilar de modo sintético e imperfeito o trajeto da antropologia brasileira à luz de alguns nomes que a fizeram e ainda a fazem, é o mestre Vivaldo da Costa Lima, morto no dia 22 de setembro deste ano, que se foi levando consigo a inestimável inteligência de um erudito que sabia e fazia pesquisa antropológica como poucos. O antropólogo nascido em Feira de Santana, na Bahia, que interpretava a cultura brasileira em acordo com os nossos costumes existenciais, mas sem desprezar conteúdos teóricos erguidos por seus pares nas melhores escolas antropológicas do mundo.
Vivaldo sistematizou o pensamento de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Manoel Quirino, Edson Carneiro, corrigindo os equívocos ou enxugando os preconceitos; fez um estudo clássico que descortina as relações familiares no candomblé e classifica as performances ritualísticas do modelo que se convencionou chamar jeje-nagô e que passou a ser símbolo religioso do que mais se aproximaria do antigo culto de orixás e voduns em algumas regiões da África antiga, por mais que ele combatesse o purismo e condenasse o nagocentrismo.
Um ateu que se tornou ogã e obá pelas mãos de Senhora de Oxum, no ilustre Ilê Axé Opô Afonjá e foi um dos maiores defensores da autonomia religiosa dos terreiros; um compositor de saberes que ele retirava do seio do povo negro da Bahia e traduzia para a antropologia em vários idiomas. O cientista que aprendia com as velhas do candomblé; um gênio dificílimo como todos os outros; o homem irascível como seu orixá Ogum, e ao mesmo tempo generoso e maternal como Iemanjá, a mãe amada deste orixá.
Vivaldo cumpriu uma vida belíssima se marcando como um dos maiores pensadores das Ciências Sociais no mundo do século XX. E como diz o seu discípulo mais representativo, o homem que melhor sabe ensinar antropologia na Bahia, o antropólogo Cláudio Luiz Pereira: "ninguém ainda pode dimensionar a importância de Vivaldo para a compreensão da Bahia, para sua tradução; isso de cultura afro, de entendimento do candomblé, da alimentação entre nós; ele era um gênio e muito do que os baianos dizem sobre si foi Vivaldo quem lhes contou."
Nesse duelo de titãs, eu, assim como Andrômeda, só faço esperar e aprender... Obrigado, professores.
*Marlon Marcos é jornalista, antropólogo e professor.
A antropologia feita no Brasil ganhou expressão entre nós, e internacionalmente, a partir das etnologias indígenas, com nomes como Eduardo Viveiros de Castro, Roberto Cardoso de Oliveira, da grande Manuela Carneiro da Cunha, e mesmo que muitos reneguem, Darcy Ribeiro. Nossos alicerces teóricos e sustentações metodológicas se avolumaram com as pesquisas de Roberto DaMatta, Marisa Correa, Gilberto Velho, Ruth Cardoso e da excelente Mariza Peirano, para citar alguns dos mais reconhecidos; em âmbito nordestino, Thales de Azevedo, Pedro Agostinho, Ordep Serra, Jeferson Bacelar, Roberto Albergaria, Mirian Rabello, Júlio Braga, Claudio Luiz Pereira, Jocélio Teles dos Santos, Sérgio Ferretti, entre outros.
Nos aspectos etnográficos e na construção da memória das etnias negras em suas reinvenções religiosas no Brasil, os estudos sobre as hoje chamadas religiões de matriz africana foram de suma importância para o desenvolvimento da antropologia como ciência. As pesquisas sobre o candomblé, em especial o baiano, puderam fundamentar leituras sistêmicas sobre o rico arsenal litúrgico dessa religião, decifrando muitas das suas complexidades, classificando e nomeando modelos e tendências de acordo a heranças culturais que aqui chegaram com os grupos étnicos africanos que ajudaram a formar o povo brasileiro.
Do pioneiro Nina Rodrigues, passando pelos estrangeiros Roger Bastide, Donald Pierson , Ruth Landes e Pierre Verger, chegando aos estudos expressivos de Ordep Serra, Julio Braga, Reginaldo Prandi, Rita Amaral; até pousar em estudos preciosos como os do paulistano Vagner Gonçalves da Silva e do maranhense Sérgio Ferretti; e destacando o recente e excelente trabalho do espanhol Luís Nicolau Pares sobre a origem do candomblé na Bahia; para além de tudo isso e por dialogar com tudo isso, a melhor etnografia realizada neste país, e fora dele também, sobre candomblé, é a Família de Santo Nos Candomblés Jeje-Nagôs da Bahia, do já saudoso Vivaldo da Costa Lima.
A figura central deste artigo, que busca perfilar de modo sintético e imperfeito o trajeto da antropologia brasileira à luz de alguns nomes que a fizeram e ainda a fazem, é o mestre Vivaldo da Costa Lima, morto no dia 22 de setembro deste ano, que se foi levando consigo a inestimável inteligência de um erudito que sabia e fazia pesquisa antropológica como poucos. O antropólogo nascido em Feira de Santana, na Bahia, que interpretava a cultura brasileira em acordo com os nossos costumes existenciais, mas sem desprezar conteúdos teóricos erguidos por seus pares nas melhores escolas antropológicas do mundo.
Vivaldo sistematizou o pensamento de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Manoel Quirino, Edson Carneiro, corrigindo os equívocos ou enxugando os preconceitos; fez um estudo clássico que descortina as relações familiares no candomblé e classifica as performances ritualísticas do modelo que se convencionou chamar jeje-nagô e que passou a ser símbolo religioso do que mais se aproximaria do antigo culto de orixás e voduns em algumas regiões da África antiga, por mais que ele combatesse o purismo e condenasse o nagocentrismo.
Um ateu que se tornou ogã e obá pelas mãos de Senhora de Oxum, no ilustre Ilê Axé Opô Afonjá e foi um dos maiores defensores da autonomia religiosa dos terreiros; um compositor de saberes que ele retirava do seio do povo negro da Bahia e traduzia para a antropologia em vários idiomas. O cientista que aprendia com as velhas do candomblé; um gênio dificílimo como todos os outros; o homem irascível como seu orixá Ogum, e ao mesmo tempo generoso e maternal como Iemanjá, a mãe amada deste orixá.
Vivaldo cumpriu uma vida belíssima se marcando como um dos maiores pensadores das Ciências Sociais no mundo do século XX. E como diz o seu discípulo mais representativo, o homem que melhor sabe ensinar antropologia na Bahia, o antropólogo Cláudio Luiz Pereira: "ninguém ainda pode dimensionar a importância de Vivaldo para a compreensão da Bahia, para sua tradução; isso de cultura afro, de entendimento do candomblé, da alimentação entre nós; ele era um gênio e muito do que os baianos dizem sobre si foi Vivaldo quem lhes contou."
Nesse duelo de titãs, eu, assim como Andrômeda, só faço esperar e aprender... Obrigado, professores.
*Marlon Marcos é jornalista, antropólogo e professor.
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