Gilberto Gil*
A presença do Gandhy na minha vida se mistura com a presença do próprio Carnaval, desde a minha infância. Quando eu tinha sete anos, exatamente, o Gandhy começou a desfilar. Tenho a imagem muito clara na cabeça do bloco saindo com aqueles turbantes maravilhosos, um ritmo muito envolvente que é um pouco samba, mas não é samba, um pouco a marcha, mas não é marcha. Um toque religioso, cerimonial do candomblé, que foi parar no Carnaval. Porque os criadores, os fundadores do bloco e a maior parte dos seus integrantes eram "gente de santo". Todos tinham essa coisa forte de manter a ligação do Gandhy com os terreiros.
Aquela aparição extraordinária do Gandhy em 1949 foi uma comoção muito grande para mim. Os elementos ligados à expressividade negra, os aspectos orientais, fazendo a ponte com a Índia, todas essas coisas que eu vim a saber depois, estavam ali, naquele momento, naquela aparição, naqueles homens com aqueles tamancos, com aquela singela elegância.
Não havia ainda caminhão, era tudo no chão. A bateria, as alas de evolução, de danças, de coreografia. Aqueles pais de santo, os filhos de santo, aquelas pessoas todas ligadas ao mundo negro da Bahia.
É muito bonito de ver como muito pouco mudou no Gandhy desde então. Se você vê aquela foto linda do Pierre Verger com eles no bonde, ali em 1949, 1950, logo no início, e se você vê uma foto de hoje, não percebe diferença. Praticamente mantiveram tudo. Claro que ao longo do tempo foram surgindo as marcas publicitárias e tal, mas permanece a emoção da grande mancha branca na avenida. Quando comecei a sair, em 1974, gravei duas ou três canções ligadas ao Gandhy, passei a cantar nos shows e a falar do Gandhy, dar entrevistas, propagar aquela cultura. E isso foi ajudando o bloco a crescer. O atrativo de ter um artista renomado entre eles atraiu os jovens. E o Gandhy foi crescendo e daqueles 100 de 1973 hoje são 10 mil. É uma beleza, sempre. Os rituais se consolidando, os jovens, o gesto sedutor de "amarrar" com as contas a menina fora da corda!
Uma beleza também como se manteve essa ideia de bloco pacífico, baseado na cordialidade, os associados se esparramando em grupos pela cidade, antes, durante e depois do desfile. É o que se chama de "guarda londrina" do carnaval: garbosos, pacíficos, desarmados, impondo respeito. O Gandhy é aquela marca da presença altiva do folião, uma marca profunda do compromisso com a festa e o seu desenrolar pacífico.
Para isso contribui muito a música.
Você imagine a emoção que é carregar essa imagem da infância, ligada a uma dimensão de elegia, de epifania. E que tenha vivido 60 anos, conseguido estar em todos os carnavais de todos esses anos. Sessenta carnavais, a forte dimensão cultural e religiosa e política da luta negra. A perseverança, a permanência, a duração, a herança, o ethos da tradição, o espírito do candomblé.
Há mais de 35 anos desfilo no Gandhy. E este ano não vai ser diferente, vou pro Pelourinho, beber na fonte. De Oxum.
A presença do Gandhy na minha vida se mistura com a presença do próprio Carnaval, desde a minha infância. Quando eu tinha sete anos, exatamente, o Gandhy começou a desfilar. Tenho a imagem muito clara na cabeça do bloco saindo com aqueles turbantes maravilhosos, um ritmo muito envolvente que é um pouco samba, mas não é samba, um pouco a marcha, mas não é marcha. Um toque religioso, cerimonial do candomblé, que foi parar no Carnaval. Porque os criadores, os fundadores do bloco e a maior parte dos seus integrantes eram "gente de santo". Todos tinham essa coisa forte de manter a ligação do Gandhy com os terreiros.
Aquela aparição extraordinária do Gandhy em 1949 foi uma comoção muito grande para mim. Os elementos ligados à expressividade negra, os aspectos orientais, fazendo a ponte com a Índia, todas essas coisas que eu vim a saber depois, estavam ali, naquele momento, naquela aparição, naqueles homens com aqueles tamancos, com aquela singela elegância.
Não havia ainda caminhão, era tudo no chão. A bateria, as alas de evolução, de danças, de coreografia. Aqueles pais de santo, os filhos de santo, aquelas pessoas todas ligadas ao mundo negro da Bahia.
É muito bonito de ver como muito pouco mudou no Gandhy desde então. Se você vê aquela foto linda do Pierre Verger com eles no bonde, ali em 1949, 1950, logo no início, e se você vê uma foto de hoje, não percebe diferença. Praticamente mantiveram tudo. Claro que ao longo do tempo foram surgindo as marcas publicitárias e tal, mas permanece a emoção da grande mancha branca na avenida. Quando comecei a sair, em 1974, gravei duas ou três canções ligadas ao Gandhy, passei a cantar nos shows e a falar do Gandhy, dar entrevistas, propagar aquela cultura. E isso foi ajudando o bloco a crescer. O atrativo de ter um artista renomado entre eles atraiu os jovens. E o Gandhy foi crescendo e daqueles 100 de 1973 hoje são 10 mil. É uma beleza, sempre. Os rituais se consolidando, os jovens, o gesto sedutor de "amarrar" com as contas a menina fora da corda!
Uma beleza também como se manteve essa ideia de bloco pacífico, baseado na cordialidade, os associados se esparramando em grupos pela cidade, antes, durante e depois do desfile. É o que se chama de "guarda londrina" do carnaval: garbosos, pacíficos, desarmados, impondo respeito. O Gandhy é aquela marca da presença altiva do folião, uma marca profunda do compromisso com a festa e o seu desenrolar pacífico.
Para isso contribui muito a música.
Você imagine a emoção que é carregar essa imagem da infância, ligada a uma dimensão de elegia, de epifania. E que tenha vivido 60 anos, conseguido estar em todos os carnavais de todos esses anos. Sessenta carnavais, a forte dimensão cultural e religiosa e política da luta negra. A perseverança, a permanência, a duração, a herança, o ethos da tradição, o espírito do candomblé.
Há mais de 35 anos desfilo no Gandhy. E este ano não vai ser diferente, vou pro Pelourinho, beber na fonte. De Oxum.
*Cantor e compositor, foi Ministro da Cultura de 2003 a 2008
** Publicado originalmente na revista Serafina
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