de HELIODORIO SAMPAIO*
Sem buscar o sucesso efêmero, mestres, como Diógenes Rebouças, se cercaram de atitudes firmes e discretas no ato do “saber fazer” coisas do ofício. As raras entrevistas, a ausência nas colunas sociais, a fuga ao sucesso fugaz, às comendas e atos correlatos atestam o modo de vida quase monástico, deste arquiteto-urbanista pioneiro do modernismo baiano.
Para Diógenes, a boa arquitetura tem capacidade de absorver mudanças no tempo. Repetia:
– Papel pintado se rasga e joga fora, se faz outro desenho; mas a obra não, ela estará lá sempre a espiar os nossos equívocos.
Três ideias-força circunscrevem a obra de Diógenes: a implantação no sítio geográfico; concepção generosa dos espaços de convívio – públicos ou semipúblicos; e estética austera, vincada numa espacialidade fiel à concepção estrutural.
Escola Parque, Hotel da Bahia, Fonte Nova, Politécnica, Faculdade de Arquitetura, antiga Rodoviária, avenidas Contorno e Centenário, casas, igrejas etc. contemplam suas ideias-força.
Em carta imaginária inédita, de 6.12.2007, tentamos mostrar o espírito guia da nossa cinquentenária escola, no que ela tem de melhor: a disposição para defender a cidade do desastre em curso; que atinge em cheio as obras do EPUCS, de Diógenes Rebouças e vários outros modernistas.
(Seguem trechos da carta):
“Mestre,
Faz tempo que nos falamos, desculpe o silêncio. Ando perplexo com velhas ideias que voltam a circular na nossa Salvador, mostrando o descuido com o sítio geográfico e a história do modernismo baiano no século XX, no qual o senhor foi um protagonista maior, exemplar. (…)
Na esteira de uma modernização caolha continuam a raspar do território as sobras da arquitetura e urbanismo do século passado. Persiste o equívoco de que “memória urbana” diz respeito apenas aos espaços do século XVIII para trás, em guetos turísticos. Seu livro e quadros certamente adornam prateleiras da mesma elite que destroça os vestígios da Salvador antiga. Só a arte de um Diógenes – o pintor e aquarelista – possibilita, ao lado de Munlock, Ferrez, Verger e outros artistas sensíveis, aferir os estragos causados pelo Urbanismo Demolidor que transpõe o século passado e nos alcança em cheio. (…)
Sua obra, ao lado de outros grandes arquitetos baianos, encontra nas picaretas o golpe que derruba edifícios, mas pouco alcança o silêncio de parte da mídia, conivente, cooptada. Tudo converge para os desígnios da cidade-mercadoria, espetaculosa, anunciando um futuro estarrecedor para a cidade herdada do EPUCS. (…)
Neste viés urbanístico, ideologicamente “progressista”, esquecem das experiências recentes desastradas, pelas consequências provocadas na decadência do Centro Histórico, e dos vazios no entorno da Paralela. Continua em curso a ênfase na centralidade da Paralela, congestionada, alimentando um processo que desde o século passado se revela desastrado. As eleições apontaram mudanças, outros quadros assumiram o poder político-administrativo – substituindo um ciclo esgotado –, mas o discurso urbanístico continua muito igual. A frase emblemática na placa no CAB: “Aqui se constrói o futuro sem destruir o passado”, continua firme na Paralela. Mas a qual passado se refere? Se o Centro Histórico continua problemático, cidade alta e baixa aos pedaços. Subúrbio e miolo, nem se fala. (…)
No seu livro, a tensão entre o velho e o novo retoma Augusto de Campos:
eu defenderei até a morte o
novo por causa do antigo e até a
vida o antigo por causa do novo.
o antigo que foi novo é
tão novo como o mais novo.
(…)
Mestre, até mais ver.”
A relação dialética entre o novo e o velho é essencial às cidades históricas. Já disse o poeta maior: “O valor das coisas não está no tempo em que duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
Diógenes Rebouças é ímpar e também o par; indissociável desta cidade. Se o projeto demolidor ainda é papel, deve ser mudado. Como pedem Faufba, IAB, Crea, Conselho de Cultura, e nós cidadãos.
*Heliodorio Sampaio – Arquiteto, professor da Universidade Federal da Bahia
Sem buscar o sucesso efêmero, mestres, como Diógenes Rebouças, se cercaram de atitudes firmes e discretas no ato do “saber fazer” coisas do ofício. As raras entrevistas, a ausência nas colunas sociais, a fuga ao sucesso fugaz, às comendas e atos correlatos atestam o modo de vida quase monástico, deste arquiteto-urbanista pioneiro do modernismo baiano.
Para Diógenes, a boa arquitetura tem capacidade de absorver mudanças no tempo. Repetia:
– Papel pintado se rasga e joga fora, se faz outro desenho; mas a obra não, ela estará lá sempre a espiar os nossos equívocos.
Três ideias-força circunscrevem a obra de Diógenes: a implantação no sítio geográfico; concepção generosa dos espaços de convívio – públicos ou semipúblicos; e estética austera, vincada numa espacialidade fiel à concepção estrutural.
Escola Parque, Hotel da Bahia, Fonte Nova, Politécnica, Faculdade de Arquitetura, antiga Rodoviária, avenidas Contorno e Centenário, casas, igrejas etc. contemplam suas ideias-força.
Em carta imaginária inédita, de 6.12.2007, tentamos mostrar o espírito guia da nossa cinquentenária escola, no que ela tem de melhor: a disposição para defender a cidade do desastre em curso; que atinge em cheio as obras do EPUCS, de Diógenes Rebouças e vários outros modernistas.
(Seguem trechos da carta):
“Mestre,
Faz tempo que nos falamos, desculpe o silêncio. Ando perplexo com velhas ideias que voltam a circular na nossa Salvador, mostrando o descuido com o sítio geográfico e a história do modernismo baiano no século XX, no qual o senhor foi um protagonista maior, exemplar. (…)
Na esteira de uma modernização caolha continuam a raspar do território as sobras da arquitetura e urbanismo do século passado. Persiste o equívoco de que “memória urbana” diz respeito apenas aos espaços do século XVIII para trás, em guetos turísticos. Seu livro e quadros certamente adornam prateleiras da mesma elite que destroça os vestígios da Salvador antiga. Só a arte de um Diógenes – o pintor e aquarelista – possibilita, ao lado de Munlock, Ferrez, Verger e outros artistas sensíveis, aferir os estragos causados pelo Urbanismo Demolidor que transpõe o século passado e nos alcança em cheio. (…)
Sua obra, ao lado de outros grandes arquitetos baianos, encontra nas picaretas o golpe que derruba edifícios, mas pouco alcança o silêncio de parte da mídia, conivente, cooptada. Tudo converge para os desígnios da cidade-mercadoria, espetaculosa, anunciando um futuro estarrecedor para a cidade herdada do EPUCS. (…)
Neste viés urbanístico, ideologicamente “progressista”, esquecem das experiências recentes desastradas, pelas consequências provocadas na decadência do Centro Histórico, e dos vazios no entorno da Paralela. Continua em curso a ênfase na centralidade da Paralela, congestionada, alimentando um processo que desde o século passado se revela desastrado. As eleições apontaram mudanças, outros quadros assumiram o poder político-administrativo – substituindo um ciclo esgotado –, mas o discurso urbanístico continua muito igual. A frase emblemática na placa no CAB: “Aqui se constrói o futuro sem destruir o passado”, continua firme na Paralela. Mas a qual passado se refere? Se o Centro Histórico continua problemático, cidade alta e baixa aos pedaços. Subúrbio e miolo, nem se fala. (…)
No seu livro, a tensão entre o velho e o novo retoma Augusto de Campos:
eu defenderei até a morte o
novo por causa do antigo e até a
vida o antigo por causa do novo.
o antigo que foi novo é
tão novo como o mais novo.
(…)
Mestre, até mais ver.”
A relação dialética entre o novo e o velho é essencial às cidades históricas. Já disse o poeta maior: “O valor das coisas não está no tempo em que duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
Diógenes Rebouças é ímpar e também o par; indissociável desta cidade. Se o projeto demolidor ainda é papel, deve ser mudado. Como pedem Faufba, IAB, Crea, Conselho de Cultura, e nós cidadãos.
*Heliodorio Sampaio – Arquiteto, professor da Universidade Federal da Bahia
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