Luiz César de Queiroz Ribeiro*
As metrópoles brasileiras estão em crise. A crescente inserção da economia numa lógica globalizada fez com que o planeta diminuísse de tamanho e as fronteiras nacionais diminuíssem de importância. Os efeitos da globalização são sentidos em todo o mundo e vêm provocando debates acalorados, aplausos antes entusiásticos, hoje discretos, e protestos apaixonados. O Brasil foi envolvido neste turbilhão e as metrópoles brasileiras sofreram o impacto desta nova realidade. O maior desafio, ao longo destas últimas décadas, foi procurar um equilíbrio entre as novas possibilidades de desenvolvimento proporcionadas pela globalização e seus graves efeitos polarizadores e desagregadores.
Os resultados obtidos foram insuficientes e nossas metrópoles parecem caminhar na direção de uma crescente fragmentação, o que inevitavelmente irá aprofundar as históricas desigualdades sociais com conseqüências dramáticas.
Cientes da importância da discussão dos problemas das metrópoles frente a esta nova realidade, cientistas sociais, planejadores urbanos, pesquisadores, especialistas de diversas áreas e instituições acadêmicas e de organizações não-governamentais criaram em 1995 o Observatório das Metrópoles. Este grupo tem realizado estudos comparativos sobre Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte Porto Alegre, , Curitiba, Salvador, Recife , Natal, Fortaleza, Belém e Goiânia, nos quais procuram entender o que a globalização tem trazido de positivo e negativo. Vários temas têm sido pesquisados: segregação, democracia, gestão urbana, desigualdade, violência, mobilidade da família, justiça ambiental e política habitacional.
Como estão as metrópoles brasileiras neste início do terceiro milênio? Elas concentram de maneira dramática as conseqüências de nossa condição periférica na expansão da economia mundial. Nos últimos dez anos, a população das sete regiões metropolitanas saltou de 37 para 42 milhões de habitantes e suas periferias conheceram uma taxa de crescimento de 30%, enquanto que as áreas urbanas mais centrais não cresceram no mesmo período mais de 5%. Depois de 1996, a renda per capita nas cidades médias brasileiras aumentou 3% e nas periferias das grandes cidades caiu 3%. Há 10 anos, a violência nas periferias era outra. Tínhamos cerca de 30 homicídios por 100 mil habitantes. Hoje esta taxa é de 150 mortos por 100 mil habitantes. É um padrão colombiano.
O Brasil tem hoje um déficit habitacional de aproximadamente sete milhões de unidades. Isto é mais do que a população de países como Costa Rica ou Dinamarca. Um déficit destas proporções não pode ser enfrentado apenas por programas localizados empreendidos por prefeituras municipais. Depois do fim do BNH, Banco Nacional da Habitação, o governo federal nada fez para definir e estabelecer uma política habitacional de âmbito nacional, fora alguns programas de financiamento através da Caixa Econômica que beneficiaram prioritariamente a classe média. Inexistem hoje no país instituições governamentais que estejam seriamente desenvolvendo esforços incentivando ações cooperativas entre municípios, estados e governo federal em torno dos problemas metropolitanos. As nossas metrópoles são órfãs do sistema político-administrativo que governa o país. Enquanto o quadro de declínio social se consolida e a inércia impera, pesquisas internacionais indicam que as metrópoles vêm sendo palco de um novo tipo de desenvolvimento que combina crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade.
O que mostram estas pesquisas?
a) Que as grandes cidades continuam concentrando o poder econômico e político: o PIB da região metropolitana de Tóquio é o dobro do PIB do Brasil; Chicago, considerada a sétima cidade mundial, concentra uma economia com valor equivalente a do México; dois terços das transações mundiais são negociadas em pólos de Tóquio, Londres e Nova Iorque, ligados por redes eletrônicas de comunicação que permitem uma rápida globalização dos mercados.
b) Que os fluxos econômicos globais convergem crescentemente para os países onde já existem recursos acumulados e, no seu interior, para as grandes cidades onde eles estão concentrados.
As nossas metrópoles podem se transformar em alavancas do nosso desenvolvimento. É preciso, porém, mudar sua trajetória histórica através da criação de instituições de governança democrática que unifiquem governos, políticos, forças do mercado e entidades representativas da sociedade que assegurem um destino que as tire da rota da barbárie.
Mas observamos o surgimento de uma luz no fim do túnel. No vácuo da irresponsabilidade das autoridades políticas e administrativas, constata-se hoje o crescimento da participação da sociedade na busca de soluções dos problemas locais em nossas metrópoles. Através de mecanismos como os Conselhos Municipais estão sendo abertas novas arenas de intermediação de interesses e de decisão, sinalizando a existência de uma vontade coletiva e um sentido de responsabilidade cívica, germe promissor das instituições que necessitamos para evitar que o quadro de declínio social e de abandono político-administrativo das metrópoles não condene o nosso futuro.
Esta constatação, porém, não deve servir de álibi para que as elites dirigentes encontrem a absolvição pela rejeição das nossas metrópoles como centro da questão social brasileira. As metrópoles brasileiras estão carentes de projetos que contemplem programas de planejamento urbano de médio e longo prazos.
A inserção das metrópoles no processo de globalização vem se dando através do mercado e isso cria um paradoxo. Se de um lado percebe-se uma maior aproximação territorial e uma crescente mistura social, por outro lado observa-se o crescimento da auto-segregação, especialmente das elites e das altas classes médias, que se fechando, se isolando e des-responsabilizando quanto aos problemas coletivos. A violência mudou de caráter: ela deixou de ser um meio de obtenção de interesses e se transformou no próprio princípio organizador de todas as interações, produzindo um padrão de sociabilidade radicalmente novo. As camadas populares e seus bairros são crescentemente objeto de estigmatização, percebidos como causa da desordem social.
Como produzir, então, um projeto de futuro para as nossas metrópoles, alternativo à trajetória em curso, se tal projeto depende de ações cooperativas, e estas, por sua vez, necessita de crenças compartilhadas em valores cívicos e instituições sociais que criem a alteridade entre as classes e grupos sociais integrantes do seu espaço social, ou seja, da possibilidade da construção de falas que nomeiem os problemas da metrópole e identifiquem as convergências e os conflitos em torno das suas soluções?
As metrópoles brasileiras sofrem e concentram os efeitos da globalização. Entender esta crise é um desafio. Através de pesquisas será possível elaborar políticas sociais de longo prazo que promovam o desenvolvimento sustentável, a justiça social e o fortalecimento da gestão democrática no país, impedindo que nossas cidades caminhem para o caos.
Luiz César de Queiroz Ribeiro (Professor-Titular do IPPUR/UFRJ e coordenador nacional do Observatório das Metrópoles)
As metrópoles brasileiras estão em crise. A crescente inserção da economia numa lógica globalizada fez com que o planeta diminuísse de tamanho e as fronteiras nacionais diminuíssem de importância. Os efeitos da globalização são sentidos em todo o mundo e vêm provocando debates acalorados, aplausos antes entusiásticos, hoje discretos, e protestos apaixonados. O Brasil foi envolvido neste turbilhão e as metrópoles brasileiras sofreram o impacto desta nova realidade. O maior desafio, ao longo destas últimas décadas, foi procurar um equilíbrio entre as novas possibilidades de desenvolvimento proporcionadas pela globalização e seus graves efeitos polarizadores e desagregadores.
Os resultados obtidos foram insuficientes e nossas metrópoles parecem caminhar na direção de uma crescente fragmentação, o que inevitavelmente irá aprofundar as históricas desigualdades sociais com conseqüências dramáticas.
Cientes da importância da discussão dos problemas das metrópoles frente a esta nova realidade, cientistas sociais, planejadores urbanos, pesquisadores, especialistas de diversas áreas e instituições acadêmicas e de organizações não-governamentais criaram em 1995 o Observatório das Metrópoles. Este grupo tem realizado estudos comparativos sobre Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte Porto Alegre, , Curitiba, Salvador, Recife , Natal, Fortaleza, Belém e Goiânia, nos quais procuram entender o que a globalização tem trazido de positivo e negativo. Vários temas têm sido pesquisados: segregação, democracia, gestão urbana, desigualdade, violência, mobilidade da família, justiça ambiental e política habitacional.
Como estão as metrópoles brasileiras neste início do terceiro milênio? Elas concentram de maneira dramática as conseqüências de nossa condição periférica na expansão da economia mundial. Nos últimos dez anos, a população das sete regiões metropolitanas saltou de 37 para 42 milhões de habitantes e suas periferias conheceram uma taxa de crescimento de 30%, enquanto que as áreas urbanas mais centrais não cresceram no mesmo período mais de 5%. Depois de 1996, a renda per capita nas cidades médias brasileiras aumentou 3% e nas periferias das grandes cidades caiu 3%. Há 10 anos, a violência nas periferias era outra. Tínhamos cerca de 30 homicídios por 100 mil habitantes. Hoje esta taxa é de 150 mortos por 100 mil habitantes. É um padrão colombiano.
O Brasil tem hoje um déficit habitacional de aproximadamente sete milhões de unidades. Isto é mais do que a população de países como Costa Rica ou Dinamarca. Um déficit destas proporções não pode ser enfrentado apenas por programas localizados empreendidos por prefeituras municipais. Depois do fim do BNH, Banco Nacional da Habitação, o governo federal nada fez para definir e estabelecer uma política habitacional de âmbito nacional, fora alguns programas de financiamento através da Caixa Econômica que beneficiaram prioritariamente a classe média. Inexistem hoje no país instituições governamentais que estejam seriamente desenvolvendo esforços incentivando ações cooperativas entre municípios, estados e governo federal em torno dos problemas metropolitanos. As nossas metrópoles são órfãs do sistema político-administrativo que governa o país. Enquanto o quadro de declínio social se consolida e a inércia impera, pesquisas internacionais indicam que as metrópoles vêm sendo palco de um novo tipo de desenvolvimento que combina crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade.
O que mostram estas pesquisas?
a) Que as grandes cidades continuam concentrando o poder econômico e político: o PIB da região metropolitana de Tóquio é o dobro do PIB do Brasil; Chicago, considerada a sétima cidade mundial, concentra uma economia com valor equivalente a do México; dois terços das transações mundiais são negociadas em pólos de Tóquio, Londres e Nova Iorque, ligados por redes eletrônicas de comunicação que permitem uma rápida globalização dos mercados.
b) Que os fluxos econômicos globais convergem crescentemente para os países onde já existem recursos acumulados e, no seu interior, para as grandes cidades onde eles estão concentrados.
As nossas metrópoles podem se transformar em alavancas do nosso desenvolvimento. É preciso, porém, mudar sua trajetória histórica através da criação de instituições de governança democrática que unifiquem governos, políticos, forças do mercado e entidades representativas da sociedade que assegurem um destino que as tire da rota da barbárie.
Mas observamos o surgimento de uma luz no fim do túnel. No vácuo da irresponsabilidade das autoridades políticas e administrativas, constata-se hoje o crescimento da participação da sociedade na busca de soluções dos problemas locais em nossas metrópoles. Através de mecanismos como os Conselhos Municipais estão sendo abertas novas arenas de intermediação de interesses e de decisão, sinalizando a existência de uma vontade coletiva e um sentido de responsabilidade cívica, germe promissor das instituições que necessitamos para evitar que o quadro de declínio social e de abandono político-administrativo das metrópoles não condene o nosso futuro.
Esta constatação, porém, não deve servir de álibi para que as elites dirigentes encontrem a absolvição pela rejeição das nossas metrópoles como centro da questão social brasileira. As metrópoles brasileiras estão carentes de projetos que contemplem programas de planejamento urbano de médio e longo prazos.
A inserção das metrópoles no processo de globalização vem se dando através do mercado e isso cria um paradoxo. Se de um lado percebe-se uma maior aproximação territorial e uma crescente mistura social, por outro lado observa-se o crescimento da auto-segregação, especialmente das elites e das altas classes médias, que se fechando, se isolando e des-responsabilizando quanto aos problemas coletivos. A violência mudou de caráter: ela deixou de ser um meio de obtenção de interesses e se transformou no próprio princípio organizador de todas as interações, produzindo um padrão de sociabilidade radicalmente novo. As camadas populares e seus bairros são crescentemente objeto de estigmatização, percebidos como causa da desordem social.
Como produzir, então, um projeto de futuro para as nossas metrópoles, alternativo à trajetória em curso, se tal projeto depende de ações cooperativas, e estas, por sua vez, necessita de crenças compartilhadas em valores cívicos e instituições sociais que criem a alteridade entre as classes e grupos sociais integrantes do seu espaço social, ou seja, da possibilidade da construção de falas que nomeiem os problemas da metrópole e identifiquem as convergências e os conflitos em torno das suas soluções?
As metrópoles brasileiras sofrem e concentram os efeitos da globalização. Entender esta crise é um desafio. Através de pesquisas será possível elaborar políticas sociais de longo prazo que promovam o desenvolvimento sustentável, a justiça social e o fortalecimento da gestão democrática no país, impedindo que nossas cidades caminhem para o caos.
Luiz César de Queiroz Ribeiro (Professor-Titular do IPPUR/UFRJ e coordenador nacional do Observatório das Metrópoles)
Leia outro artigo de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n174/n174a04.pdf
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