Paulo Ormindo de Azevedo*
O manual do usuário de qualquer produto novo apresenta três seções: para que serve o produto? como funciona? e perguntas frequentes. Na falta das duas primeiras, me antecipo respondendo algumas perguntas frequentes. A ponte Salvador/Itaparica que parecia morta foi relançada com o anuncio do governador de licitá-la antes de deixar o governo e novas contratações de pareceres e projetos para justificar uma decisão tomada em reunião social sem qualquer estudo prévio.
1º - A ponte faz parte do sistema viário de onde? Uma ligação rodoviária não pode competir com uma ferrovia como a Fiol na exportação de minérios e grãos do oeste, mesmo porque o porto de Salvador não opera graneis. Não serve também ao litoral sul, quando está sendo construído o Porto Sul e um novo aeroporto em Ilhéus. Atrações como Itacaré e Barra Grande são mais acessíveis por Ilhéus.
2º - A ponte substituirá a hidrovia? – Os moradores de Niterói sabem que é melhor pegar a barca e saltar no centro do Rio que enfrentar filas, engarrafamentos e pedágio e não poder estacionar no Rio. Os ferries vão continuar transformados em barcas de passageiros.
3º - A ponte será um escape ou ladrão para Salvador? Quem atrai mais: Salvador ou Nazaré? A ponte irá apenas congestionar Salvador e a Estrada do Côco trazendo os veículos da BR-101 e BR-116 para o litoral norte onde estão o aeroporto, praias, Copec, Ford e acesso ao Nordeste. Quem perde com isso é S. Antonio de Jesus, Salvador e Feira de Santana. A ponte irá ainda duplicar a RMS aumentando sua função de dormitório e prestador de serviços de educação, saúde, abastecimento e lazer para trabalhadores que enriquecem outros municípios. A solução tem que ser ferroviária, pois a ponte será tão engarrafada quanto a Paralela.
4º - Itaparica será uma expansão de Salvador? A classe média quer centralidade, ficar junto do emprego, dos colégios e universidades, dos hospitais, do teatro e dos cinemas. Também não tem lógica criar conjuntos habitacionais para operários que irão trabalhar em Candeias, Simões Filho e Camaçari, sujeitos a esperar horas para a passagem de plataformas de petróleo e guindastes. A Ilha será apenas um acampamento rodoviário como São Gonçalo junto a Niterói.
5º - A ponte beneficiará a RMS e o Recôncavo? Saltando de Salvador para Jaguaripe a ponte irá marginalizar ainda mais o Recôncavo com seu enorme potencial turístico e náutico. A baía também perde com um gargalo na sua boca dificultando o acesso a seus quatro portos internos: Aratu, Temadre, Regaseificação e Estaleiros de S. Roque.
6º - Qual a importância econômica da ponte? Se não serve ao oeste. ao sul ou a RMS o que ganha o estado com esta ponte rodo-eleitoral? Não sabemos responder. Mas “Pergunte ao José”, saudoso programa radiofônico baiano.
7º - Quanto pagaremos pela ponte? Todos sabem que uma ponte não se paga pelo pedágio. A solução apontada de leilões de CEPACs não está funcionando nem no Porto Maravilha, no centro do Rio. Sem esquema financeiro assegurado, ela será iniciada e parada e as empreiteiras irão receber durante anos por terem seu contrato suspenso como aconteceu com o metrô perna-de-pau de Salvador. Mesmo que a União banque uma parte, teremos que pagar uma divida monstruosa, o equivalente a quatro superportos tipo Mariel em Cuba, ou três refinarias de Pasadena, ou ainda as doze arenas da Copa, enquanto o sertanejo, a lavoura e o gado morrem de sede no semiárido.
8º Não haveria uma alternativa mais interessante? Sim, seria a construção da Envolvente Rodo-Ferroviária de Kerimorê ou BTS, ligada ao novo porto de Salinas da Margarida, projeto que custaria um terço da ponte e teria efeitos socioeconômicos e culturais muito maiores. Ela alavancaria o desenvolvimento do Estado e da RMS e integraria todo o Recôncavo com um trem rápido metropolitano fazendo a ligação Salvador-Feira com variante para São Roque/Itaparica. E ainda reduziria para um terço o acesso de carros para a ilha e criaria milhares de empregos perenes.
*Paulo Ormindo de Azevede é arquiteto e professor catedrático da UFBA
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