Márcia Luz*
Além de profundo conhecedor de cinema, o professor André Setaro, falecido no dia 10, era um homem de um humor e tanto. Nos últimos anos, rendeu-se à internet e, através do seu perfil no facebook, compartilhava com os seguidores o que até então só seus alunos tinham o privilégio de ouvir dele. Com sua partida, perdem os estudantes de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, mas perdem também os cinéfilos, que tinham nele um dos melhores críticos, e a rede social, que deixará de ter suas dicas, comentários e resgates da história sobre a sétima arte. Responsável pela formação de novos amantes do cinema e cineastas, André Setaro era acima de tudo generoso. Como salienta a cineasta, professora de Cinema e jornalista Ceci Alves, que foi aluna do professor, Setaro deu sofisticação à discussão de temas ligados à sétima arte e apresentou o cinema clássico para uma geração que não tinha acesso a isso. "Se não fosse ele, a nossa geração não teria tido a formação que tivemos. Ele levava coisas raras para a sala de aula e para o convívio das pessoas. Ele era muito generoso e, para ele, não existia cinema maior ou cinema menor. Era uma pessoa boníssima e divertida. Entre outras coisas, foi ele quem me deu a ideia da dissertação do Mestrado e foi ele quem me deu também a primeira entrevista", ressaltou a diretora dos premiados curtas 'Doido Lelê' e 'O Velho Rei'. O cineasta Sérgio Machado, que também foi aluno de Setaro na Faculdade de Comunicação da UFBA, relembrou as boas conversas que teve com o professor enquanto estiveram juntos, bem como a admiração que dividiam por Hitchcock. "Acho que ele me influenciou muito mais como cinéfilo do que como cineasta. Admirava o amor tão visceral que tinha pelo cinema", salienta. Machado recorda, ainda, que sua primeira produção sobre cinema aconteceu por convite do professor. Ainda estudante de Comunicação, escreveu um artigo sobre John Wayne para a coluna de Setaro em um jornal de Salvador, mais uma das generosidades do professor. No facebook, o professor Maurício Tavares lamentou a morte de Setaro e lembrou uma das maiores características do professor: "Era realmente uma pessoa especial, não porque morreu. Adorava o humor sarcástico dele. Além do mais recebia provocações com muito bom humor". De fato, o humor de Setaro era sua marca registrada e o toque especial de seus textos e considerações. Usava isso tanto para falar sobre o cotidiano quanto para comentar cinema. Na medida certa da elegância, mas sem deixar de promover o riso em quem o lia. Na onda da superexposição da rede social, espaço no qual as pessoas informam cada passo da vida e suas investidas amorosas, ele não deixou passar em branco e postou há pouco tempo: "Estou num relacionamento sério com uma aranha caranguejeira".
No dia a dia, era muito comum o professor postar fotos engraçados, imagens de sua musa Brigitte Bardot e fazer comentários sobre curiosidades do cinema e suas observações: "Nos filmes de tempos idos, quando um homem beijava uma mulher na boca, chamava-se "colada" - e era realmente uma "colada" de lábios, pois beijo de língua nem pensar. Mas a plateia sempre que isso acontecia gritava: "Chupa, Caetano!!!" Até hoje ainda não descobri a significação desse "Caetano" O Veloso não era, pois ainda de calças curtas em Santo Amaro e um ilustre desconhecido.Igualmente enriquecedor era ler o que Setaro - também autor da trilogia 'Escritos sobre Cinema' (Depoimentos, atores e diretores; Cinema Baiano, e Linguagem e Outros Temas - Introdução ao Cinema) - escrevia sobre suas próprias memórias cinematográficas. Ele relembrou, por exemplo, o impacto da primeira vez que assistiu 'Deus e o diabo na terra do sol', filme de Glauber Rocha. "Faz meio século (eu infelizmente - e bota infelizmente nisso, pedindo desculpas aos facebookianos mais velhos, já dobrei este ''cabo da má esperança" há 13 anos - estou com provectos 63 a caminho dos 64, e, aqui, a lembrança do inesquecível Billy Blanco: "o enfarte te pega, doutor, e acaba essa banca!". Devo dizer que ele, o enfarte, já mo-lo pegou em 2006, mas, como "vaso ruim não quebra", resguardou-me para o aparecimento do Facebook, a fim de que possa, 'comme il faut' (valei-me poderosa July!!!) chatear vocês com o facebookiano "o que você está pensando"). Tinha 13 a caminho dos 14. O filme era proibido para menores de 18 anos. Fiz de conta que também saía, e andando de costas, entrei. O filme simplesmente impactou o adolescente que era. Na saída, encontrei-me com Florisvaldo Mattos e Sergio Gomes. Mas ainda não os conhecia. Mudo estava, mudo fiquei. O filme foi lançado no cinema Guarany de Salvador".
Com a morte de André Setaro, a perda é pessoal para seus alunos, amigos e familiares, mas também intelectual para quem se interessa por cinema. O cinema, que, aliás, já havia perdido, em maio, o crítico João Carlos Sampaio, também amigo do professor e a quem ele homenageou com as seguintes palavras: "A Bahia perde o mais atento jornalista na cobertura das coisas de cinema. Sampaio era um workaholic em relação a seu trabalho, pois sua coluna em A Tarde (jornal soteropolitano), além de ter críticas bem pensadas sobre os lançamentos mais importantes, pontuava, com regularidade, o movimento do cinema baiano - não se recusava, inclusive, a fazer matérias de páginas inteiras sobre os filmes e cineastas. No momento atual do jornalismo baiano, quando a cultura está indo pra o brejo, como assinalou o poeta Ruy Espinheira Fillho, a falta de João Carlos Sampaio é imensa. Era uma pessoa de lhano trato, terno, de sensibilidade à flor da pele. Minha homenagem a este homem que amava o cinema". Sem dúvidas, duas grandes baixas para o cenário cinematográfico da Bahia no mesmo ano. Ficam os exemplos do que foram e o que fizeram pela cultura.
*Jornalista, escreve no IBahia - http://www.ibahia.com
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