quarta-feira, 16 de julho de 2014

Opção pela economia criativa

A cada ano, a criatividade e o capital intelectual movimentam US$ 3 trilhões em negócios e já são responsáveis por 10% da economia mundial. Para ampliar sua participação neste filão, Curitiba aposta na economia criativa, que inclui cultura, economia, tecnologia e sustentabilidade em seu leque de atividades.
"Nossa tarefa é fazer com que a cidade chegue ao modelo de Economia Criativa", diz a presidente da Agência Curitiba de Desenvolvimento, Gina Paladino. A ideia é distribuir pela cidade os benefícios que até recentemente eram destinados a conglomerados. O nicho econômico planejado tem como essência a valorização da cultura, elemento presente nas 13 áreas previstas de atuação: arquitetura, publicidade, design, artes, antiguidades, artesanato, moda, cinema e vídeo, televisão, editoração e publicações, artes cênicas e performáticas, rádio e softwares de lazer e música.
A estratégia municipal de transformação de Curitiba em uma smart city econômica é ousada, mesmo porque rompe com um modelo que tinha nos clusters - os aglomerados empresariais - o centro da atividade econômica. Em certas áreas, antigos clusters dão lugar a uma nova configuração. O caso clássico é o do Rebouças, distrito industrial curitibano por décadas. O antigo Moinho Paranaense foi transformado na charmosa sede da Fundação Cultural e a planta industrial do Matte Leão dará lugar a um gigantesco templo evangélico.
O caso da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) é bem diferente, mesmo porque concentra gigantes industriais como a Bosch e a Volvo. Ainda assim, esse cluster "ortodoxo" também dá sinais de flexibilidade. Gina Paladino observa que, já nos anos 1980, a CIC teve influência do movimento tecnológico direcionado à matriz produtiva de software, algo que, na época, era muito novo.
O Parque de Software, que atraiu indústrias do setor eletroeletrônico, seguiu com o fortalecimento da ideia do Tecnoparque, que saiu do papel em 2007. A ideia, então, era fugir dos limites da CIC, o que foi estimulado por benefícios em IPTU e ISS para a implantação de empresas na área que segue a Marechal Floriano Peixoto no sentido Rebouças. "O chamado ISS Tecnológico combina o zoneamento produtivo com a política urbana de zoneamento", observa Gina.
Ou seja: o grande projeto econômico de Curitiba para os próximos anos - tão ousado quanto a revolução urbana da década de 70 - pretende estimular e acelerar um movimento que já existe, que pode ser visto nos próprios clusters e em nossos designers, programadores, agitadores culturais, artistas, confeiteiros, arquitetos…
Plataforma
A aposta da agência para Curitiba está na "cidade digital", que só vai funcionar com a constituição de uma poderosa infraestrutura tecnológica baseada em meios digitais de alta capacidade de transmissão de dados e que tenha segurança e qualidade. "Essa será a porta e o elo para que Curitiba produza e faça valer os seus talentos sem barreiras físicas e geográficas", sintetiza Gina.
A partir da plataforma digital, diversos segmentos econômicos podem decolar. Arte, criação e artesanato são setores promissores em Curitiba para a difusão da economia criativa. "Temos talentos individuais reconhecidos e a missão de transformar os talentos em empreendimentos. Não há gargalos para competências e talentos com o suporte da dimensão tecnológica. Podemos produzir aqui ou atrair talentos e produções que possam ser complementados em Curitiba", projeta.
Inspiração
A proposta defendida por Gina Paladino se assemelha à do arquiteto inglês Richard Rogers, autor do livro ¨Cidades para um pequeno planeta", e vencedor do prêmio Pritzker, para as áreas urbanas. Conhecedor de Curitiba, ele foi o responsável pela obra do Centro Georges Pompidou, em Paris, que transformou um museu de formato clássico e estanque em um dos pontos culturais mais vibrantes do mundo. "A cidade tem uma razão primária de ser que é para o encontro de pessoas. Para o encontro de pessoas e para fazer negócios e cultura. Então, se você não pode se encontrar, a cidade desmorona."
Curitiba, segundo Rogers, caminha na direção certa. "Achei Curitiba uma cidade humana, com seus parques, o sistema de ônibus expresso e qualidade de vida. Passei três dias emocionantes em Curitiba com Jaime Lerner e sua equipe. Jaime tem me ensinado muito como estruturar uma cidade existente. Curitiba é uma cidade modelo."
Ele prega que a cidade deve ser justa e ter uma boa distribuição econômica, o que rima com a proposta de uma economia criativa e democrática. "A distribuição de riqueza é um dos pontos-chave para uma cidade compacta. No fim, estamos falando de uma cidade sustentável e socialmente funcional. Uma cidade sustentável, socialmente viável."
Cuidado com a "criatividade de araque"
"Há a preocupação de especialistas em não se deixar levar pela ingenuidade de acreditar que tudo é economia criativa. Digamos que, tendo a criatividade como uma capacidade humana, todas as atividades estariam no limiar da economia criativa, mas não é bem assim", afirma Patrizia Bittencourt Pereira, do Comitê Gestor da Rede de Economia Criativa do Paraná (Redec). O diferencial da economia criativa, segundo ela, está em dimensão simbólica e isso não é tão evidente de ser captado em produtos, processos e cidades.
"A singularidade do processo é importante. Um exemplo é Berlim, que se organiza e dá espaço para que as pessoas revivam as dores do Holocausto de maneira reflexiva, valorizando a sua história, construindo a memória coletiva, conservando o patrimônio material e imaterial." Isso também acontece quando marcas se diferenciam com a abordagem de aspectos éticos e estéticos ou quando espaços ganham funções incomuns - como um restaurante familiar que agrega espaço para a literatura infantil.
Outra preocupação é a de cuidar para que a criatividade não vire moeda de negociação, de forma que não se permita que os talentos fujam do estado ou que sua criatividade seja apropriada por grupos empresariais, mas que sejam valorizados e retidos na região. "Assim, todos poderão beneficiar-se da tendência que vemos hoje. Ou seja: a sociedade de consumo se sofisticou e sinaliza a tendência de desejo por produtos de valor agregado cada vez maior", observa Patrizia.

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